Onze meses se passaram e nós nos falávamos sempre aos fins de semana. Durante esse tempo me tornei uma mulher. Os traços da menina amedrontada e insegura ficaram no passado e eu não via a hora de mostrar-me, ao vivo e a cores, para o Caíque. Nunca havia novidades para contar e eu estava enlouquecida com a possibilidade de passar dez dias fotografando em São Paulo, porque teria três dias de intervalo entre os dois momentos da campanha e eu já estava me programando para aparecer, sem aviso, em Curitiba. A distância indo de ônibus era uma média de sete horas e eu queria encontrá-lo de qualquer jeito. Eu tinha o seu endereço, sabia o nome da escola em que cursava o último ano que o separava da sua pretendida independência e só precisava me organizar para conseguir passar ao menos dois dias inteirinhos com ele. Seria uma surpresa e tanto!
Eu já me sentia mais bonita, mais confiante, e não que houvessem muitos rapazes interessados, mas eu sempre me esquivava das sutis investidas e permanecia fiel ao Caíque, acreditando que um dia voltaríamos a estar juntos.
Minha mãe precisou assinar um monte de termos para eu poder fazer esse trabalho, mas o Giorgio prometeu que cuidaria de mim como uma filha, apesar de não ter idade para tanto, e assim eu embarquei pela primeira vez em um avião para realizar o sonho dele, não o meu, de atuar em uma campanha mundial.
Sei que ela, a minha mãe, não havia ficado confortável com a proposta de fotos seminua, principalmente por ter passado pelo que eu passei e meu pai deixou a decisão nas mãos dela, mas algo que ela sabia era que eu estava decidida e faria qualquer coisa por aquela oportunidade. O que minha mãe não sabia, é que eu e ele, o Giorgio, também tínhamos um acordo e caso ele não fechasse os olhos para o meu sumiço por três dias e não me desse total cobertura, não haveria ensaio, nem contrato internacional e nem nenhuma Brisa para contar estória. E claro que como o que ele queria era a fama e a comissão dele, topou sem pestanejar.
Nunca havia andado de avião. Foi meio desconfortável e passei quase três horas mascando chicletes para atenuar a pressão que me ensurdecia. Senti dores pelo pescoço e até horas depois ainda sentia a obstrução auditiva.
Fiquei hospedada num hotel bacana, num quarto enorme só para mim... com banheira de hidromassagem e todas aquelas amostrinhas gratuitas de shampoos, condicionadores, hidratantes e até toucas de banho para os hóspedes.
Trabalhei ansiosa nos quatro primeiros dias e era inevitável transparecer esse sentimento. Fotografei a madrugada inteira já prevendo que teria algumas horas pela frente para descansar, já que estava de mala pronta e passagem em punho. O Giorgio me deixou na rodoviária, implorou que eu tivesse juízo e que não deixasse de ligar todos os dias para dizer que estava tudo bem. Avisou também que em três dias estaria naquele mesmo local me esperando para retomarmos os trabalhos e que ele esperava que eu não estivesse com olheiras profundas e hematomas de amor.
Assim eu me aventurei pelas estradas que ligavam a capital comercial do Brasil com a capital que guardava a dor da minha maior saudade... com meu livro preferido debaixo do braço e a certeza de que após algumas horas poderia beijar o meu Romeu.
Cheguei na rodoviária pontualmente ao meio-dia e como sabia que a aula dele terminava às 12:50h, peguei um táxi e passei o endereço para o motorista. Em vinte minutos estávamos lá... eu e a minha mochila surrada da Company. Naquela época era uma febre e todo mundo tinha uma, mas eu tive que ganhar o meu dinheiro para comprar a minha. Era preta e combinava com a agenda emborrachada que escondia dezenas de desabafos do quanto eu queria mudar de cidade e de vida.
Sentei do outro lado da calçada e fixei os olhos no portão. Quando a sirene tocou e foram saindo centenas de alunos de uma só vez, fiquei impressionada com as variadas características físicas dentro de um mesmo país. Na verdade, aquela fora a primeira vez que havia prestado atenção nos alunos de outra escola além da minha e daqueles que frequentavam os shoppings para dar "uns pegas" no escurinho do cinema.
Avistei o Caíque e o seu sorriso imenso. Ele falava com alguém que caminhava atrás dele e foi então que consegui avistar a garota que segurava a sua mão e repousava a cabeça no seu ombro, assim como eu também fazia. Ela tinha ar de tímida, mas era uma garota bonita. Seus olhos expressavam aquela alegria serena de quem sente completude, de quem não espera muito mais da vida, além de ser amada por alguém. Os olhos dele transmitiram a mesma coisa.
Fiquei atônita. Não sabia se me escondia ou se ia até ele para tirar satisfações pela visível traição, mas meu pensamento me distraiu e como se atraído pela minha presença, ele pousou o olhar sobre mim, transformando sua feição de contentamento em susto. Ele fez de conta que não me viu, mas viu... Ele caminhou em minha direção e quando passou por mim, virou para o outro lado mexendo nos cabelos da menina, exatamente da mesma cor que os meus. Sua expressão estava longe de ser a mesma que ele estampava dois minutos atrás, mas entendi a deixa como um recado direto de que a vida seguiu e que eu não fazia mais parte dela...
Como em Shakespeare, não houve continuidade para o amor de Romeu e Julieta. A grande coincidência é que, como na tragédia, primeiro ele se matou dentro de mim para em seguida, provocar a minha morte.
As perguntas não queriam calar...
Por quê?
Por que ele não me falou a verdade ao invés de ficar alimentando em mim a expectativa de um dia voltarmos a estar juntos?
Por que ele continuou me ligando todos os finais de semana e mandando cartas como se fosse um relacionamento a distância?
Por que no meu aniversário de dezessete anos ele me mandou flores com um urso de pelúcia, reforçando o quanto sentia a minha falta?
Por que eu fui burra e acreditei que isso pudesse dar certo?
Diante de tantas perguntas, a minha única reação foi levantar do meu assento de pedra e caminhar rumo a uma fila de táxis, para voltar ao meu ponto de origem. Quando parei em frente ao guichê da rodoviária, cheguei a cogitar a possibilidade de comprar a passagem para a Bahia, mas independente da dor que eu sentia, precisava honrar meus compromissos e um grande estúdio me aguardava na terra da garoa.
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Adeus, tempestade
RomanceEsse livro será retirado no dia 1º de março de 2022 e ficará disponível apenas os primeiros capítulos para degustação!! Vou dando notícias sobre lançamento e vendas pelas minhas redes sociais. Adicionem o renatadia_autora no instagram para mais info...