VIII

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Cheguei na capital paulista e já era tarde da noite. Fui para o meu hotel e cruzei com o Giorgio na recepção.

- Brisa, o que aconteceu? Não era para você estar em Curitiba? O que você está fazendo aqui?

- Tive um dia ruim e resolvi voltar.

- Você quer conversar? Estou indo tomar um drink no bar aqui do hotel...

Aceitei e caminhei agarrada à minha mochila. Ele, gentilmente, tentou tomar para carregá-la, mas eu precisava ficar abraçada a alguma coisa. Sentamos no balcão e ele pediu ao garçom uma dose de whisky cowboy e um suco de laranja. Não havia entendido que a dose era para ele e o suco era para mim...

- O mesmo para mim.

- Você está louca? Não vou deixar você consumir bebida alcoólica.

- Sim, Giorgio... você vai deixar eu beber o que eu quiser hoje! - Ele se assombrou com a imposição.

- Suspenda o suco, por favor.

Ele compreendeu a gravidade da minha voz e assentiu para o garçom, que prontamente pediu a minha carteira de identidade. Giorgio tirou um maço de notas para comprovar a minha maioridade e passou para o rapaz, que se virou para servir os copos com doses caprichadas da bebida escura e quente.

- Não sei porque é que eu compactuei com a sua maluquice de ir encontrar com aquele garoto. Alguma coisa estava me dizendo que não ia dar certo.

- Simples! Nós tínhamos um acordo. Se você não concordasse em me deixar ir, eu não estaria aqui com você e seu bolso estaria com algumas, muitas, notas a menos do que estas que você acabou de passar para o barman.

- Desembucha logo e me conte o que rolou para você voltar no mesmo pé em que foi.

Tomei um longo gole. Senti a bebida passando pela minha garganta, me rasgando por dentro e repousando no meu estômago vazio. Nem havia lembrado que estava sem comer praticamente desde o dia anterior.

- Prefiro não ter que falar sobre isso.

- Já estou imaginando quando sua família souber do ocorrido... A culpa ainda recaíra sobre mim e eu nem sei sobre o que vou ter que me explicar.

- Você não terá que explicar nada sobre algo que jamais aconteceu.

- Você não vai conseguir guardar esse segredo sem dividir com absolutamente ninguém e é claro que, em algum momento, terei que me posicionar.

- Não ache que você me conhece, Giorgio. Esse dia foi apagado da minha agenda e jamais alguém saberá qualquer coisa sobre a minha ida à Curitiba. Temos um acordo, não é mesmo?

Ele bebericou do seu copo e chamou o garçom.

- Rapaz, consiga uma mesa para nós e traga um cardápio de comida.

- Desculpe senhor, mas a nossa cozinha já fechou e o máximo que posso conseguir são sanduíches, azeitonas e batata frita industrializada.

- Está ótimo. Aproveite e calibre os nossos copos... essa noite vai ser longa.

Na manhã seguinte eu acordei num quarto que não era o meu. Estava com a mesma roupa e sem os sapatos, deitada em uma cama com dossel enquanto o Giorgio dormia encolhido no sofá, abraçado a um travesseiro. Minha cabeça doia e meus movimentos estavam mais lentos do que eu gostaria. Levantei nas pontas dos pés e fui até o banheiro. Lavei o rosto e vomitei o vazio que me dominava. Não derramei uma lágrima, não me arrependi das minhas escolhas e a partir daquele momento foi que me senti preparada para seguir em frente. Quando abri a porta dei de cara com um homem atrapalhado e com semblante de menino. Ele esfregava os olhos e se espreguiçava tentando despertar para o dia, muito provavelmente com uma ressaca semelhante à minha.

- Bom dia, Dona Tempestade.

- Porque eu dormi aqui?

- Você ia passar três dias fora... não justificava pagar hospedagem para uma hóspede fantasma. Tentei reverter o cancelamento antes de subirmos para o quarto, mas o hotel está cheio e essas duas noites você terá que ficar bem aqui.

- Ah!! Que maravilha!

- Se você preferir podemos trocar e você dorme na minha cama improvisada com vista para a sola dos meus pés.

- Não, obrigada.

- Você está se sentindo um pouco melhor hoje?

- Depende... de que parte você está falando?

- Da parte do seja lá o que foi que aconteceu na sua aventura romântica.

- Vim para cá a trabalho e não sei sobre o que você está falando.

- Pare de bancar a criancinha, Brisa. Você está bem? Temos dois dias de descanso antes de mais uma maratona fotográfica e preciso que você esteja inteira para isso.

- Fora a ressaca, estou exatamente como em todos os outros dias da minha vida. Já te disse e espero não ter que me repetir: O dia de ontem não existiu e não será lembrado.

- Bom... Se é assim que você quer que seja, ok!

- E o que é que nós podemos fazer de legal por aqui? Você não vai me deixar trancada nesse quarto de hotel, não é?

- Tome um banho, coloque um sapato confortável, descemos para o café da manhã e então decidimos o roteiro do dia.

- Ok, Giorgio. Só preciso de vinte minutinhos.

Caminhamos pelo Parque do Ibirapuera e foi uma das poucas vezes que me senti livre e feliz de verdade. No meio da tarde fomos até o mercadão, o Mercado Municipal de São Paulo, comemos um montão de bobagens que engordam e ele me fez prometer que no dia seguinte eu ficaria de boca fechada para perder o inchaço pelo excesso de comida. Mesmo magra como uma vara de tirar caju, ainda tinha quem controlasse a minha alimentação!

Não posso negar que foi um dos dias mais agradáveis do meu começo de nova vida. O Giorgio tinha esse dom... por mais que muitas vezes ele se preocupasse comigo por causa da minha idade, ele não costumava me tratar como uma garotinha. Ele tinha dez anos a mais que eu e por mais que eu evitasse, no final da tarde eu estava muito tendenciosa a me entregar... não! Entregar não! Encantar! Encantar por ele.

- Estava aqui pensando... não sei nada da sua vida.

- Sabe o suficiente para trabalharmos juntos.

- Grosso! Não sei se você tem uma mulher, filhos... se gosta do seu trabalho.

- Amo o meu trabalho, não tenho filhos e tenho muitas mulheres. Respondido?

- Imagino como deve ser fácil para você arrumar mulheres nesse ramo.

- Não me envolvo com garotas que agencio, Brisa, se é que é isso que você está insinuando.

- Você nunca beijou uma das suas modelos?

- Onde você está pretendendo chegar com isso?

- Em lugar nenhum. Só fiquei curiosa de repente.

- De repente? Acho bom voltarmos para o hotel e nada de bebidas hoje.

- Mas amanhã ainda estarei de folga...

- Esqueça a palavra folga, Tempestade. Quero aproveitar para visitarmos uma agência e ter a opinião de outros profissionais sobre o quanto devo apostar em sua carreira, afinal de contas, você está ficando velha para a profissão.

Bati no braço dele e fiquei desconcertada. Havíamos criado um laço, tínhamos um segredo e a intimidade estava surgindo devagarzinho, apesar da seriedade em que ele insistia em usar comigo. Ao lado dele não me sentia uma menina sem graça. Me sentia realmente uma tempestade, pronta para ser algo ainda maior.

- Então vamos embora e vê se me dá comida de verdade, está bem? Já cansei de pastéis, sanduíches e batatas-fritas!

- Mal acabamos de comer e você já está falando de comida de novo? Você é magra de ruim!!

Ele riu e pediu que eu me vestisse como gente. Que teríamos um jantar de verdade num restaurante bacana e que ele não queria ter que aparecer em público sendo taxado como um "aproveitador de menininhas".

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⭐️

Adeus, tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora