XXXIII

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- Quando estava com 15 anos comecei a ser abusado por uma amiga da minha irmã. Naquela época não éramos tão esclarecidos como os garotos de hoje em dia. Ela tinha 26 anos, sabia muito bem o que estava fazendo e que aquilo não era correto. Como eu era um rapaz inexperiente e sem nenhum traquejo com as mulheres, no início achei que ela estava apenas brincando. Sempre que me via e tinha oportunidade, dava selinhos na minha boca e não perdia a oportunidade de invadir o meu quarto no meio da madrugada. Com o passar do tempo ela intensificou as investidas e nos fins de semana, mesmo à luz do dia, me masturbava e fazia sexo oral em mim. Muitas vezes eu não queria, em outras eu sentia que se aquilo estava acontecendo era porquê, de alguma forma, eu permitia, afinal de contas, se meu corpo estava reagindo, era porquê eu consentia. Será que eu queria? Não entendia se aquilo era normal e nunca conversei com ninguém sobre o assunto.

- Caleb, eu sinto muito...

- Sei que não se compara com o que você experienciou, mas hoje eu sei que não fui culpado e que não pedi para que aquilo acontecesse. Em todas as vezes eu disse não, mas ela me ameaçava dizendo que se eu gritasse ela rasgaria a própria roupa e que se eu contasse para alguém, ela ia dizer que eu a havia atacado. Bom... eu me sentia invadido, mas era só um adolescente inocente com hormônios em ebulição. Suportei os ataques por meses, todo fim de semana, até o dia que arquitetei um plano e a esperei entrar. Quando ela se abaixou na minha cama, eu bati na cabeça dela com um copo de vidro. Ela começou a gritar e meus pais entraram no quarto. Tinha muito sangue e parte da pele do rosto dela estava pendurada.

- Meu Deus! Você era só um menino assustado tentando se defender.

- Era um menino ingênuo num corpo de homem quase feito. Não sabia medir a força que eu tinha e o resultado foi catastrófico. Ela teve que se submeter a cirurgias plásticas e nossas famílias passaram a se odiar. Minha mãe ficava apavorada porque ao mesmo tempo em que ela acreditava em mim, não conseguia entender porque eu nunca pedi ajuda. Meu pai, que também era delegado, me puniu porque não havia necessidade de eu agredir uma mulher daquela forma, afinal de contas, eu estava tendo sexo de graça e ele não via problema nenhum naquilo, aliás, era muito melhor do que ele ter que me levar em um prostíbulo para iniciar a vida sexual com uma puta paga. Até hoje não entendi se o problema estava em eu negar o sexo ou em ter agredido uma mulher fisicamente. Eu fui abusado por muitos meses, tudo foi resolvido por debaixo dos panos e eu nunca mais toquei no assunto. – Ele parou para respirar. - Por anos eu não fui receptivo a nenhum tipo de demonstração de carinho e também não aceitava ajuda de nenhum tipo. Decidi ser delegado para provar para mim que dentro de uma mesma profissão existe gente boa e gente ruim. Sim, eu estou falando do meu pai. Não foram poucas as vezes que ele se envolveu com sujeiras e, com o passar dos anos, mantive uma segura distância para evitar ter que voltar-me contra ele. As suspeitas existiam, provas concretas não...

- Aposto que essa vagabunda nunca mais mexeu com garoto nenhum. Foi uma boa lição e você teve muita coragem.

- Eu agi motivado pelo medo, mas não acabou por aí. Muitos anos depois, logo que comecei a atuar como delegado e meu pai já estava aposentado, recebi uma denúncia anônima sobre uma mulher que havia violentado o filho de uma vizinha. Fui pessoalmente ao prédio e consegui o flagrante do abuso. Ele tinha só 9 anos e ela... você deve imaginar a minha reação assim que eu vi de quem se tratava.

- A mulher! Meu Deus, ela continuou abusando de crianças. Caleb, você a prendeu?

- Claro que sim e foi somente naquele momento que eu consegui seguir com a minha vida. Depois que ela já estava presa e os noticiários com sede de vingança, além é claro de todo aquele sensacionalismo barato que não pensa na dor e no constrangimento da vítima, expuseram as suas fotos por dias seguidos. Começaram então a chegar novas acusações de outras famílias declarando serem vítimas do seu doentio assédio. Ela vai passar o resto da vida trancafiada em uma cela e eu não sinto pena dela, assim como não senti pena do Júlio quando ele ceifou a própria vida. A justiça pode até tardar, mas não falha e cada um que responda pelos seus atos da forma que a lei, de Deus ou dos homens, decidir. Ela vai apodrecer na cadeia, ele que apodreça debaixo da terra.

Adeus, tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora