XXVII

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Logo cedo fui despertada com o telefonema de um dos sócios do escritório querendo saber se eu estava bem. Ele falava tão rápido e eu ainda estava tão sonolenta que não conseguia coordenar as ideias.

- Afonso, será que você poderia começar do começo? Não estou entendendo nada do que você está dizendo.

Ele disse que acabara de ver na TV as minhas fotos e a notícia do suicídio do Júlio. O pânico me dominou e fiquei apavorada com a exposição a qual estava sendo vítima. Quando aquilo iria acabar? Tudo o que eu não queria aconteceu. Havia imaginado que voltaria à minha rotina de trabalho sem que ninguém precisasse tomar parte das ocorrências na minha vida particular e de repente sou comunicada de que estava sendo exibida em plena TV aberta...

- Brisa, fale alguma coisa, pelo amor de Deus.

- Não aconteceu nada além do que você já deve ter visto. Não precisa deduzir desgraças. Eu estou bem e pretendo voltar a trabalhar hoje mesmo.

- De forma alguma! Tire o resto da semana, aliás, tire o tempo que você considerar necessário para se recuperar desse susto. Porque não nos comunicou o ocorrido na empresa, Brisa? Já estamos cientes do que aconteceu internamente e você foi irresponsável. Vamos demitir o Tobias por ele ter aceitado dinheiro em troca do silêncio e contrataremos uma nova empresa de segurança para garantir que não teremos os vídeos adulterados por nenhum dos nossos funcionários.

- Eu sou sócia da empresa. Também posso decidir sobre essas questões e não acho justo o Tobias ser penalizado pela minha falta de coerência. Deixe as coisas como estão, por favor. Não posso me sentir pior do que já estou e essas punições só me acarretariam mais angústia.

- Sócia minoritária. Vou deixar as coisas como estão, mas assim que retornar teremos uma conversa. Você não pode simplesmente acobertar fatos que eram de suma importância e tinham a ver com a segurança de outras pessoas. Você, uma mulher tão esclarecida, deveria ter sido a primeira a trazer à tona a ocorrência para alertar outras mulheres e a polícia. Foi irresponsável e ocupou uma vaga no inacreditável índice de mulheres que se omitem e não denunciam agressores e pervertidos.

- E o que você queria, Afonso? Que eu entrasse na sua sala e dissesse: Olha, quase fui estuprada por um ex-estagiário. Reforcem a segurança e distribuam cartazes alertando todas as mulheres para se acautelarem até que tudo esteja resolvido.

- Poderia ser exatamente dessa forma, mas não vou te importunar mais com essas cobranças. Não deveria nem ter entrado nesse assunto. Liguei para saber se estava realmente tudo bem e desejar que se recupere da comoção. Estamos todos do seu lado e acho que seria adequado você procurar o auxílio de um psicólogo. A tentativa de um ataque como esse não deixa de ser um trauma que pode interferir no resto da sua vida.

Não sabia ele que disso eu entendia melhor do que qualquer outra pessoa.

- Vou desligar agora.

- Tire uns dias. Vá à um SPA ou uma praia por uns dias. Como o cara está morto, nenhum mal poderá lhe acontecer.

Muito sensível da parte dele, não? Agradeci e disse que pensaria sobre o caso.

Dez minutos depois o John entrou no quarto com uma caneca transbordando de café. Pelo seu semblante, imaginei que teríamos uma conversa difícil e quando pedi que ligasse a TV e ele negou, sabia que ele já estava ciente dos últimos informes do noticiário local.

- Eu já soube, John. Estou quase aceitando aquela sua proposta de mudar a cor do cabelo e desaparecer da cidade.

- Você precisa enfrentar a situação de cabeça erguida, minha querida. Agora tudo passou e você vai ficar bem. Vamos dar tempo ao tempo e logo você estará pronta para outra!

Adeus, tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora