III

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Aos quatorze anos passei por uma das piores situações da minha vida e graças a discrição e amizade da diretora Ana, consegui manter a minha sanidade.

Numa sexta-feira chuvosa e após a saída de praticamente todos os alunos, fui abordada pelo professor Oswaldo, o de educação física. Ele me imprensou contra a parede dizendo que eu tinha uma dívida com ele e que havia chegado o momento de pagar.

Ele me empurrou pelo corredor abrindo a porta da pequena sala onde guardava os materiais esportivos e me jogou para dentro. Tentei fugir, mas ele me segurou pelos braços batendo minhas costas contra a parede. Apesar de alta, não tinha força para me defender e o pavor havia anestesiado todos os meus sentidos. Perdi a noção de raciocínio e de força. Não gritei, não chorei... acho até que esqueci como fazia para respirar. Com uma mão ele apertava firme o meu braço esquerdo enquanto abria o botão da calça. Pôs para fora o pênis e me obrigou a segurá-lo. Não pisquei, não reagi. Minha mão era um pedaço sem vida do meu corpo e eu não esboçava nenhum tipo de reação. Ele se empertigou e forçou a minha mão, espremendo-a, em movimentos repetidos.

- Vamos lá, Brisa. Cadê os seus coleguinhas para te defenderem agora? Sua irmã tem razão por não gostar de você. Você é uma menina muito sonsa e merece o castigo que vai receber. Não consegui esquecer a humilhação que passei por sua causa e vou te dar um presentinho para que você jamais esqueça de mim.

Ele cheirava mal e sua gargalhada reverberava nos meus ouvidos.
As primeiras lágrimas começaram a correr pelo meu rosto e eu comecei a recobrar a consciência, imaginando uma forma de me libertar do seu ataque brutal. Sabia que o membro dele estava em minhas mãos, mas momento algum parei para fita-lo. Lembro claramente que tive nojo da boca dele grudada em meu pescoço. Forçou-me para baixo exigindo que eu me ajoelhasse e nesse momento em que fechou os olhos se regozijando da minha fragilidade, tive o ímpeto de empurrá-lo para trás e sair correndo. Ele se embaraçou com as calças que lhe prendiam os joelhos e foi o tempo exato para que eu conseguisse destrancar a porta e correr desesperadamente a caminho do portão de saída. No meio do trajeto uma mão firme me capturou e eu só conseguia pensar que havia chegado o meu fim, que eu preferia morrer a tocar naquele maníaco mais uma vez. Gritei por socorro e fui abraçada pela diretora Ana, que me acalmava perguntando o que havia acontecido.

Senti muita vergonha, mas eu não precisei entrar nos detalhes do ocorrido já que segundos depois surgiu atrás de nós um Oswaldo transtornado e ainda terminando de arrumar suas vestimentas. Ela estava com uma tesoura grande na mão e mandou que ele parasse onde estava. Que caso ele se movesse, a polícia não encontraria nada mais do que um corpo para carregar e, surpreso, ele não reagiu. Mandou que eu fosse para a sala dela e ligasse para o 190. Não era o que eu queria fazer, mas ela não me deu outra opção. O trancou na mesma sala que ele havia me feito de refém e ao mesmo tempo que a polícia adentrava a escola, pude ver meus pais correndo na minha direção.

Eu era menor de idade e eles precisavam estar cientes do ocorrido. Ao invés de expressar reações de pânico, eu os confortei dizendo que nada havia chegado a acontecer e consegui convencer a todos de que não havia necessidade de alarde. Fui encaminhada para fazer alguns constrangedores exames após o fatídico dia e acompanhada por psicólogos durante alguns meses. Oswaldo foi preso e aquele segredo ficou guardado entre nós _ eu, meus pais e a diretora Ana _ para sempre. Jamais tocaríamos naquele assunto novamente.

Minha dívida de gratidão com aquela mulher só aumentava.

Eu estava sempre pela sala dela e, ao invés de me fechar e voltar a ser a garota esquisita que se escondia do mundo, desejei seguir os seus passos. Ser forte. Firme e generosa. Queria poder algum dia mudar a vida de alguém e fazer com que essa pessoa jamais desistisse de pertencer a si mesma. Coisa que não tive raça de encarar por muitos anos...

Nos tornamos amigas e até hoje, quase 15 anos depois, quando estou pela Bahia, ainda passo na casa dela para tomar um chá no fim da tarde, assistindo ao pôr do sol pela janela de frente para a Praia do Porto da Barra. Nada que eu fale poderá traduzir a minha gratidão por ela ter arrancado as cortinas soturnas da minha alma. Por ter evitado marcas profundas no meu corpo. Graças a ela, eu mudei o rumo da minha história. Mas, como a vida dá muitas voltas, não foi sempre que agi da forma mais correta.

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Adeus, tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora