XXII

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O interfone tocou me arrancando dos meus devaneios. O John autorizou a subida do ilustre desconhecido e eu permaneci jogada no chão, mais parecendo uma indigente do que uma advogada respeitada, bem-sucedida e devidamente bem remunerada.

Nem tive reação de olhar quando ele abriu a porta. Sentia-me sem ânimo, sem forças, mas ao fitar os notórios sapatos caríssimos do tal delegado, fui forçada a respirar fundo e ajeitar a coluna. Não dava para ficar encolhida esperando que alguém me desse colo...

Seu terno também era de muito bom-gosto e, à medida que ia subindo os olhos, algo dentro de mim sinalizava que o nome daquele homem era "grande"... Certeza que o sobrenome seria "casado", "enrolado" ou "safado"... E em qualquer uma dessas opções eu poderia ter um grande problema. Nunca havia acontecido de notar um homem assim de primeira. Nunquinha mesmo. E do jeito que já estava ferrada, muito provavelmente, estava a fim de me enterrar logo de uma vez.

Meu semblante não mudou quando os nossos olhos se encontraram. Eu continuava me sentindo uma vítima e ele continuava sendo o cara que estava ali única e exclusivamente para ouvir o meu relato sobre a perseguição que estava sofrendo. Ele estirou o braço entregando-me a mão.

- Caleb Alvarez, ao seu dispor.

- Brisa... Brisa Lins.

Ele me levantou do chão e eu não tive reação. Queria ter dito que me deixasse ali. Que ele não precisava me ver enfiada num pijama roto e com os cabelos oleosos por não ver água há três dias. Meu rosto devia estar um desastre depois de tanto stress e lágrimas, mas nem isso conseguiu vetar os olhares curiosos do tal delegado bonitão.

O John pegou água para todos nós e sentamo-nos na pequena mesa de jantar.

- Então, o que exatamente está acontecendo por aqui?

- Caleb, essa é a Brisa, a amiga que te falei. Ela é baiana, mas já mora em Sampa há 11 anos. Era modelo de uma das agências que trabalhei e agora é advogada.

Aquele ranço por ter sido modelo e achar que não sou respeitada por conta da minha estranha beleza me fez despertar.

- Já estou formada há 5 anos e sou sócia de um grande escritório, por mais incrível que isso possa parecer.

Ele não deu bola para a minha despropositada imposição.

- Ok. E no que posso lhe ser útil?

Notando a minha quietude, o John se antecipou e relatou todos os acontecimentos, incluindo o ocorrido na minha pré-adolescência. Meus braços estavam cruzados sobre a mesa e a minha cabeça escondida entre eles. O delegado chamou a minha atenção.

- Há quanto tempo esse rapaz está seguindo os seus passos?

- Acho que por volta de dois meses, apesar de ele ter citado fotos de quando ainda era modelo e já faz alguns anos que parei de trabalhar com isso.

- E você esperou todo esse tempo sem falar nada para ninguém? Deu muita sorte de ele não conseguir te pegar.

Não foi muito legal da parte dele salientar tal possibilidade e o John arrastou a cadeira para mais perto de mim demonstrando total apoio à minha fragilidade.

- Olha Caleb, eu sei que você é um cara prático e que é necessário por conta da sua profissão, mas isso não lhe dá o direito de ser tão duro.

- Duro seria se eu dissesse que ela tem que se dirigir à delegacia para fazer a queixa agora.... Coisa que inevitavelmente terá que ser formalizada em um segundo momento. Como não quero fazer alarde, não vou colocar uma viatura na sua porta, mas deixarei de sobre aviso alguns policiais à paisana. Sempre que você for sair de casa, mande uma mensagem para mim com pelo menos 1h de antecedência, ok?

Adeus, tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora