Adeus, tempestade

IX

           

Estávamos dividindo o mesmo quarto e "ai" dele se meu pai sonhasse uma zorra daquelas, afinal de contas, eu ainda era de menor e para todos os efeitos, com a minha "inocência" intocada.

Passei mais tempo do que gostaria trancada no banheiro tentando dar um jeito no meu cabelo. Utilizei todas as dicas do curso de auto maquiagem que havia feito uns meses antes e estava satisfeita com o que o espelho me mostrava. O vestido era simples, mas em mim chamava bastante atenção. Tudo bem que uma mulher de 1.81m já chama a atenção de qualquer jeito, mas quis dizer que estava me sentindo bonita e não simplesmente exótica como era rotulada de costume. Abri a porta e ele estava bem vestido, mas sem exageros. Calça jeans escura, camisa branca e um blazer de um tecido que parecia um moletom. Dava para sacar que não era nada barato, mas ele parecia ainda mais jovem vestido daquele jeito. Naquela época também não sabia distinguir as notas de um bom perfume masculino, mas lembro que era delicioso. Ele não pareceu se surpreender com o que viu, mas prontamente se levantou, em silêncio, e abriu a porta para sairmos.

É... O restaurante estava longe de ser parecido com algum dos lugares que eu já houvesse frequentado em minha simples e curta história de vida. Fomos encaminhados a uma mesa e ele puxou a cadeira para eu sentar. Pediu uma garrafa de espumante e o garçom se retirou. Naquela ocasião seria até indelicado alguém questionar a minha idade e ele me fitava apertando os olhos, como se estivesse diante de outra mulher que não a adolescente que ele havia tirado do completo anonimato e arremessado numa aventura cheia de descobertas e armadilhas. Nossas taças foram servidas e ele ofereceu uma para mim. Eu a aceitei e levei até os lábios quando ele me interrompeu.

- Posso fazer um brinde?

- Claro... Já ia me esquecendo dos bons modos à mesa.

- A você, Dona Tempestade, que a cada dia me deixa mais intrigado.

Levantei as sobrancelhas com um meio sorriso, batemos as taças enquanto eu pronunciava um simples "a isso" e virei toda a bebida de uma só vez sentindo as borbulhas no céu da minha boca.

- Hummm... Gostei muito mais dessa do que da de ontem!

- Isso é um perigo.... Você é um perigo!

- Juro que só vou tomar mais umas tacinhas...

Peguei a garrafa já virando o líquido cor de rosa na taça quando ele a tomou de mim.

- Se você beber nessa velocidade, não chegaremos nem ao prato principal.

O garçom se aproximou da mesa e pôs uma cesta de pães com uma variedade de patês, queijos, tomate seco e azeitonas.

- Lá vem você me enchendo de pão de novo!!

Ele riu e fez sinal para que o garçom retirasse da mesa, pedindo que trouxesse uma salada com camarões frescos, o que me agradou muito mais.

- Vamos a uma aulinha básica, madame tempestade. Eu não pedi o pão... Aquele é um couvert oferecido pela casa.

- E a gente não paga por ele?

- Não. É uma cortesia até que a gente decida e comece a pedir os pratos.

- Ei moço, pode voltar com esse pão!

Falei um pouco alto demais para o volume que estava sendo usado no ambiente, mas eu juro que a risada dele foi muito mais alta do que a minha voz. O rapaz deu meia volta e pôs tudo na mesa de novo, carrancudo.

- Você tem muito que aprender, Brisa e hoje, como minha convidada, não precisa se preocupar com a conta.

Sorri desajeitada.

- Fico me perguntando como uma mulher como você pode ser tão inocente. Te vejo sempre tão decidida e esses dias, convivendo mais de perto, tive a certeza que você é como uma fortaleza. Sempre sagaz, papos diretos... é muito raro encontrar alguém tão jovem com as suas características, mas ainda assim, exala inocência.

- Se eu te contasse como esses detalhes eram negativos durante a minha infância.

- Não estou falando do seu tipo, até porque hoje você já calou a boca de todos os que possam ter tentado de humilhar por ser fisicamente incomum. Estou falando do seu jeito de ser. Eu sei que você é inexperiente, mas você não demonstra suas fraquezas. É como se você já tivesse passado por muitas situações difíceis ao longo da vida.

- Sabe o inferno? Já estive por lá algumas vezes...

- Pare de falar bobagem! Você nem sabe o que está dizendo...

- Um dia, talvez eu te conte. Hoje eu só quero desfrutar das regalias de modelo internacional ao lado do meu agente, que por sinal, está tão gostoso quanto esse patê de alguma coisa que eu nem sei do quê.

Ele gargalhou!

- Perigosa... preciso me manter afastado de você!

- A escolha é sua!

Ele pediu algumas entradas e dividimos o prato principal e a sobremesa. Estava tudo divinamente fantástico e eu sentia que a chegada da segunda garrafa à mesa havia viabilizado um efeito positivo nas minhas entranhas. Fui ao banheiro e quando voltei, sentei em uma cadeira ao lado dele e não na frente como estava posicionada antes. Pus a mão sobre a sua perna e inclinei em sua direção quando perguntei sobre onde poderíamos ir após o jantar.

- Não jogue assim comigo, Brisa. Eu sou uma presa fácil e não vou manter o controle por muito tempo.

- Eu não estou te pedindo nada além de irmos dançar em algum lugar.

- Você é de menor e não pode entrar nas boates daqui.

- Nada que você não possa resolver com algumas notas das que estão na sua carteira e um pouquinho de boa vontade.

- Vou te deixar no hotel e dar uma volta. Espero que esteja dormindo com seu pijama do Mickey Mouse quando eu estiver de volta.

- Eu não uso esse tipo de pijama.

- E você usa o que para dormir?

- Nada.

Apertei a coxa dele e ele arfou mordendo os lábios. Vi o tesão saltar dos seus olhos sobre o decote do meu vestido. Uma mentirinha deslavada não mata ninguém...

- Tem certeza que você vai sair sem mim?

- Sim, eu tenho.

- Isso não é justo!

- O que não é justo é eu perder mais uma noite estando aqui em Sampa, quando já fiz o meu papel com você.

- Você vai encontrar com alguém?

- E se for?

- Eu tenho o direito de saber.

- Hummm... Acho que não.

- Não vai encontrar ou eu não tenho o direito de saber?

- Você não tem que saber nada além de que depois de amanhã às 7h em ponto temos que estar no estúdio e você não pode estar com a cara amassada. Estamos entendidos?

Virei a última taça do meu espumante e revirei os olhos, sem poder reivindicar meus direitos adquiridos de acompanhante temporária de quarto.

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