CINQUENTA E SETE

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Wade


O rosto de Rhea era uma máscara distante desde que iniciou seu relato. E os olhos se mantiveram secos, apesar da dor evidente que transbordava naquele verde intenso.

Eu entendia que só assim ela conseguiria me explicar o que quer que fosse: retendo tudo o que sentia até o último instante.

Mas o que ela guardava dentro de si era muita coisa.

Mais do que eu esperava.

Eu não sabia o que pensar, nem o que falar. A fúria me mantinha imóvel, olhando-a fixamente. Era melhor que ela não tivesse se envolvido. Era melhor que ela tivesse seguido a vida dela e deixado aquele episódio feio no passado. Ela era jovem, e foi muito mais jovem quando toda aquela merda aconteceu. E ingênua, segundo o que ela mesma dissera.

Sim, eu acreditava que tivesse sido mesmo. Mas jamais conseguiria associá-la àquela palavra se não houvesse passado algum tempo com ela na cabana. Se não a tivesse visto frágil, com medo, enfrentando pesadelos terríveis.

Pesadelos que a consumiam e eram mais que justificados.

– Sei que não foi só ele quem você considerou como assassino durante todo esse tempo – disse eu, encarando-a sem piscar.

– Eu sei que você sabe.

Olhamo-nos por um longo tempo.

– Vai tentar me matar antes ou depois de uma confissão, Rhea?

A pergunta ecoou no apartamento silencioso enquanto continuávamos imóveis, com as respirações em suspenso.

Ela não tirou os olhos de mim quando perguntou:

– Você faria isso? Confessaria que eu fui uma tola ao perseguir Clayton quando o homem que eu buscava era você?

– Eu faria – disse simplesmente, segurando seu olhar.

– Esfaquear uma mulher grávida... Matar os tios dela...

– Tios filhos da puta, segundo você.

– Sim, tios filhos da puta – ela assentiu. – E antes admitiria sem remorso algum que manteve uma mulher prisioneira, como você quis fazer comigo na cabana.

– Eu sou capaz de muitas coisas quando estou apaixonado.

Ao ouvir aquilo, as lágrimas finalmente desceram pelo rosto de Rhea, constantes, rápidas, desesperadas, e ela murmurou:

– Você não é o homem que eu buscava, mas é o homem que eu preciso.

Sem pensar duas vezes, eu a puxei para o meu colo e a tomei nos meus braços, recebendo seus tremores e soluços em meu corpo. Tirei o smartphone da mão dela e o joguei ao nosso lado, e pressionei sua cabeça contra meu peito. As lágrimas molhavam minha camiseta, a dor me banhava a alma. Eu não sabia o que fazer com esta mulher, eu não sabia o que fazer para poupá-la de toda aquela merda. Ela era jovem, merecia muito mais do que a vida lhe deu, merecia a paz.

Meu Deus, eu queria protegê-la do mundo cruel e não sabia como.

– Você não deveria ter se envolvido. Você deveria ter ficado longe disso tudo – censurei-a, aspirando seu perfume para me manter lúcido.

– Se eu não houvesse me envolvido, não teria encontrado você – ela sussurrou de volta, entre soluços.

Apertei-a um pouco mais, as mãos em seus ombros e braços para não machucá-la mais do que ela já estava machucada. Tentei absorver sua dor, trazer-lhe calmaria num mar revolto e vingativo, que a consumia por inteiro. Baixei o rosto para seus cabelos e esperei, o passado me deixando impotente perante a mulher por quem eu me via cada vez mais envolvido.

A minha mulher.

Foi um longo tempo ali no sofá, com Rhea deitada no meu colo. Quando suas forças pareceram deixá-la, e os tremores deram lugar a um imenso cansaço, ergui-me com ela nos braços e a levei para o quarto. Depositei-a na cama e me juntei a ela, sem deixar de dar-lhe calor e segurança.

Uma perda. A perda da pessoa mais importante da vida dela, da irmã que ela nunca teve. Da sua única família.

Um passado de sangue e morte.

Um passado de solidão e desesperança.

Um passado de injustiça e sombras.

Não mais, prometi-lhe silenciosamente. E aquela foi outra das promessas que eu lhe cumpriria ou morreria tentando.

Procurei a boca de Rhea e a beijei, demonstrando tudo o que não poderia dizer com palavras no momento, absorvendo sua dor, provando suas lágrimas, extraindo e transmitindo força. Por fim, encarei com firmeza os seus olhos marejados e dei voz à minha decisão:

– Foda-se se eu vou permitir que você mate alguém. Amanhã de manhã falarei com aquele filho da puta. Se for ele, não me interessam provas, só me interessa você longe disso, segura. Serei eu quem farei com que aquele desgraçado se entregue.



Queridos, sei que disse para alguns de vocês que a minha intenção era terminar Furor em janeiro, mas ainda estamos um pouquinho distantes do fim. Já considero que seja a reta final, só que não sei quantos capítulos pequenos ela terá. :S 

Espero que estejam gostando. Votinhos, comentários, adicionamentos nas listas de leituras, tudo faz a Ary feliz. ;)

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