CINQUENTA E QUATRO

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Rhea


Peguei o cigarro aceso que Wade me ofereceu e voltei para a janela. Sabia que ele continuava me observando enquanto eu abria o vidro, fumava e deixava a fumaça sair.

Continuei:

– Sarah foi morar numa casa que o desgraçado alugou para ela. Claro, ela não teria dinheiro para bancar. Na época a minha amiga parecia outra, cheia de segredos. Não me contava nada sobre ele, o que me deixava furiosa. Antes ela insistia que juntássemos dinheiro e morássemos juntas, que assim ambas sairiam do inferno, mas depois tudo mudou.

– Ela abandonou você.

– A questão não era essa. Eu não ficaria revoltada se ela encontrasse alguém que a fizesse feliz, com quem ela quisesse compartilhar uma casa ou uma vida bem longe, sem que nos víssemos nunca mais. Mas ali ele a sustentava, pagava todas as contas e usava isso para mandar nela. Ela era uma propriedade.

– Sei o que quer dizer. Foi o mesmo medo que eu tive quando Dana resolveu se casar. Por sorte, ela já não era uma menina bobinha apesar de engolir suas traições.

Eu balancei a cabeça, concordando, e então prossegui:

– Aquela época foi um inferno. Continuei brigando com Sarah e trabalhando para juntar dinheiro. Eu ia conseguir um lugar para mim. Eu tinha a certeza de que ela precisaria ter para onde voltar quando fosse largada.

– E conseguiu?

– Meu pai foi mais rápido. – Sorri com amargura, voltando a olhar para a rua. – Podre de bêbado, ele morreu atropelado. Então eu herdei a casa simples, ao lado da casa dos tios dela, e decidi que mais tarde a venderia. Assim não teria de continuar aturando os desaforos e olhares reprovadores por corromper Sarah. Porque na cabeça deles, eu tinha feito exatamente isso com ela. Além do quê, ela não iria querer voltar para perto deles depois de tê-los abandonado para ficar com um amante ao invés de se casar com alguém que eles aprovassem.

Fiquei em silêncio por um tempo, recostando-me na janela e desfrutando de uma boa tragada de nicotina, pensando no fato de que aquele não era um bom momento para que os sentimentos toldassem a minha mente. Fria, era assim que eu precisaria me manter enquanto continuávamos a nossa conversa.

Wade aproveitou o silêncio para absorver as informações. Percebi isso com o que ele disse a seguir:

– Ainda não sei como você chegou à conclusão de que foi o Clayton, mas faz sentido. – Sua voz era reflexiva. – É típico dele arranjar amantes jovens e sustentá-las. Só não sabia que chegava a iludi-las ao ponto de fazerem-nas parar de estudar.

– Sarah me disse que o que eles tinham era diferente. Mas uma garota de vinte e poucos anos nem sempre sabe como a vida funciona. Nem sempre sabe se proteger de um canalha.

– Concordo. Só não entendi ainda o que aconteceu ao ponto de você ir atrás dele por anos, para que você se tornasse amante dele. Você diz que eram só negócios, mas não é o que me parece. Não quando sei dos pesadelos que você tem à noite.

– Chegarei lá – disse eu, sem me virar para ele.

– Tudo bem.

Contei muito mais coisas a Wade. Coisas bobas, coisas sérias e fora de ordem, intercalando lembranças com suposições e deixando os sentimentos de lado. Ele não dizia muita coisa em resposta, só quando via que eu precisava de um encorajamento para continuar.

– Foi mais de um ano sem conversar com a Sarah – disse eu, agora olhando para o céu e as estrelas. – Eu segui com a minha vida sozinha, não fiz amizades, mas tive alguns relacionamentos e trabalhei pra caramba. E então, numa noite quando eu estava saindo do trabalho, ela me ligou. Foi estranho, inesperado. Ela me contou que havia se separado, que encontrou outra casinha para onde iria se mudar, cujo aluguel ela poderia pagar. Também me contou que conheceu outra pessoa e que estava grávida dela. Eu fiquei atordoada. Feliz, e ao mesmo tempo com raiva porque foi tempo demais, porque o desgraçado com quem ela agora não queria mais nada havia roubado o que tínhamos. Não sabia se voltaríamos a ser as mesmas juntas. Eu já tinha a minha vida, trabalhava, estudava. Estava seguindo sozinha.

– Disse isso para ela? Que estava seguindo sozinha?

Balancei a cabeça.

– Não, eu jamais diria algo assim para ela. Falamos sobre outras coisas, com muitos silêncios e pausas estranhas, e logo encerramos a ligação. Mas eu havia aceitado ir visitá-la no final de semana. Chegaria sexta à noite e teríamos a madrugada e mais dois dias inteiros para esclarecer muita coisa. Precisávamos disso.

– Como foi o encontro?

Mais tarde do que deveria ter sido e é por isso que ela já não está mais comigo, minha mente respondeu, mas eu preferi contar em detalhes tudo o que eu sempre lembraria com clareza:

– O restaurante em que eu trabalhava ficou sem um dos funcionários na noite que era a minha folga e eu não pude ir no horário combinado. Saí do trabalho às dez e meia. E até chegar em casa, colocar a mala no carro, dar comida para o maldito gato que eu nem sei porque adotei e enfim pegar a estrada me fez chegar na casa dela às duas da manhã.

Traguei fundo mais um pouco do veneno e logo soltei a fumaça no ar da noite, vendo-a se espalhar e desaparecer como se nunca houvesse existido.

– Eu toquei a campainha e ela não abriu a porta – continuei com a voz distante. – Parei para escutar os sons dentro de casa, já que as luzes estavam todas acesas, mas não havia nada. Liguei para o celular dela, e chamou lá de dentro sem ser atendido. Enfim, já impaciente, testei a porta de entrada e ela estava destrancada. Então entrei na casa, me sentindo uma intrusa. Tinha medo de me deparar com a minha amiga, a única família que eu tinha, e encontrar uma estranha. Mas só o que encontrei foi uma sala vazia, bem mobiliada, certamente com o dinheiro do amante. E, no aparador da entrada, uma folha impressa com a foto de um casal e uma matéria. Eu não conhecia nenhum dos dois na época. Ao lado, as abotoaduras de um homem. Eu fiquei olhando para aquilo, eram os únicos objetos fora do lugar numa sala impecável. Até que dei de ombros, irritada por estar adiando um encontro que me deixava nervosa e resolvi acabar com aquilo logo, procurando Sarah pela casa.

Atirei o cigarro pela janela com raiva, sem nem mesmo apagá-lo. Então, devagar, virei-me de costas para a janela e encarei Wade com os olhos marejados. Agora eu já não podia mais deixar os sentimentos enterrados. Eles transbordavam e arrasavam meu interior por completo.

– Meu encontro com Sarah foi tarde demais, Wade. E é com ele que eu sonho todas as noites.



Enfim chegou o segundo capítulo do dia, queridos! Ai, posição 24 em Poesia é bom demais! *-* Espero que estejam gostando da leitura, porque Furor anda acabando com meus nervos, rsrsrsrs.

Beijo da Ary.

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