CINQUENTA E CINCO

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Rhea


Eu tentei reprimir a dor intensa ao reviver o momento em que encontrei Sarah naquela cama. A pessoa com quem eu mais me importava neste mundo.

– Havia tanto sangue... – continuei num murmúrio. Em seu corpo sem vida, nos lençóis brancos, em tudo. Era esse o motivo do cheiro de ocre no ar estagnado do quarto. – E ela morreu enquanto eu estava trabalhando. Se eu houvesse me recusado a cobrir o horário de outra pessoa, teria chegado antes, poderia tê-la salvado.

– Você não tinha como saber.

– Não, eu não tinha. Mas o que eu pensei ter sido distância na voz dela quando conversamos por telefone poderia ser medo. Ela disse que tinha umas coisas para resolver antes, que até poderia ser melhor eu ir até sua casa mais tarde mesmo.

– Acha que foi o amante?

– Tenho a certeza. E o desgraçado saiu impune, Wade. Saiu impune porque após esfaqueá-la diversas vezes no ventre, fez o mesmo com seu pulso.

Wade franziu a testa, seu olhar revelando mais que palavras.

– No pulso? – repetiu ele. – Rhea, você não considerou a hipótese de...

– Ela não se matou – cortei-o, afirmando com convicção. – Quando eu a encontrei... – Fiz uma pausa. Era difícil falar sobre aquilo. – O pulso esquerdo estava todo cortado, enquanto a mão direita segurava a faca. Só que a Sarah era canhota.

Vi Wade assentir, refletindo sobre tudo o que eu disse. Ele estava sério, mas seus olhos eram sombrios e continuavam um diálogo muito distinto do que tínhamos ali.

– Não houve investigação?

– Primeiro eu chamei os tios dela. Eu não sabia o que fazer, só conseguia pensar que estava sozinha e que não conseguiria continuar dali em diante. Eu não tinha ninguém com quem falar. Não pensei em chamar a polícia, também sabia que uma ambulância não traria a minha amiga de volta. Eu fiquei ali, com ela, esperando por eles.

– E eles vieram? – a voz de Wade era triste. Talvez por Sarah, provavelmente por mim.

– Vieram. Chegaram em pouco tempo, de certo, mas para mim foram as horas mais compridas da minha vida. Eu não sei bem. Viram a sobrinha, o sangue, e então os objetos espalhados pela cama. Brinquedos sexuais. Eu lembro que eles olharam para mim, horrorizados e furiosos. O tio dela tratou de tirar tudo dali, enfiar num saco de lixo. Eu estava atordoada, não conseguia entender o que estavam fazendo, como podiam estar alheios ao horror que viam? Eu já tinha vomitado no chão todo e tremia num suor frio. Mergulhei na minha confusão e não o impedi. A tia de Sarah me tirou do quarto, acho. Lembro que já estava em frente à casa quando ela me acusou de ser a culpada por aquilo, de ter matado a sobrinha dela. Ela me mandou ficar longe deles, me mandou desaparecer. Não queria me ver nem no velório. Eu não discordei. Era a verdade, eu era a culpada, deveria ter feito Sarah ver a razão.

– Não, você não pode se responsabilizar pelas escolhas dos outros. É tolice.

– Sendo ou não tolice, a culpa vai continuar fazendo parte de mim, Wade – eu o encarei, dilacerada e exausta. – Ainda mais por ter permitido que me tirassem da casa. Saí vagando com o saco de lixo que eles me entregaram, peguei o carro e nem sei o que aconteceu depois. Simplesmente saí dirigindo sem destino. Mais tarde eu entendi que era melhor não expor a minha amiga com aqueles objetos, mas ao final eu só me tornei cúmplice do assassino. Todos nós nos tornamos.

– Eles foram os filhos da puta culpados, não você.

– Será? – Rhea balançou a cabeça. – Não me parece. Eu não deveria ter concordado em esconder aquela parte de Sarah. Ela tinha vergonha, tudo bem, mas se eu tivesse refletido, pensado no que fiz... O que consegui foi ajudar os desgraçados dos tios a não terem vínculo com o que eles consideravam pecado, perversidade sexual, e ao mesmo tempo ajudei um assassino.

Wade soltou um palavrão.

– Não pense nisso. O que você poderia ter conseguido era um acidente por dirigir naquelas condições.

– Poderia – assenti. – Deveria. Porque na minha cabeça se passaram muitas coisas, nenhuma delas boas. Entenda que na época eu era outra pessoa. Uma tolinha recém aprendendo como a vida funcionava. Sim, filha de uma mulher que não me queria com um pai bêbado, mas tinha esperança de me afastar disso, de ser alguém melhor. Sarah entrou na minha vida e me fez ser aquela ingênua. Assim como sua partida desta vida me fez ser quem sou agora.

Mil coisas pareciam passar pela cabeça de Wade. Mas ele continuava se reprimindo, me escutando. Quando fiquei encarando-o sem mais nada a acrescentar, ele perguntou:

– E desde então você se consumiu nessa busca sem trégua, Rhea? Você simplesmente decidiu descobrir quem era o assassino e de alguma forma isso a trouxe até Clayton? Que diabos pretendia fazer com essa descoberta?



Quando eu penso que conseguirei me manter na minha rotina, a vida vem e diz: não! Nada de tempo, nada de escrita, nada de respirar!

Ainda assim, espero que estejam gostando da leitura. :) Beijo da Ary.

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