SESSENTA E CINCO

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Rhea


A última semana tinha sido horrível. E desabafar na noite passada foi pior ainda. Só depois, quando estive nos braços de Wade, que eu finalmente consegui sentir que já não estava sozinha, que ele permaneceria comigo pelo tempo que eu precisasse, dando-me forças.

Pela primeira vez em quatro anos eu tive esperança de que poderia fazer justiça.

Só assim eu consegui dormir um pouco, sem pesadelos, e acreditei que tudo se resolveria.

Não, eu não queria envolvê-lo. E mais de uma vez pensei em ir atrás de Clayton por conta própria. Mas quando lhe disse que não o trairia, falei a verdade. Eu já tinha decidido seguir o nosso plano, embora Wade estivesse redondamente enganado se acreditava que eu o deixaria ir atrás daquele monstro sozinho. Oh, não, nada disso.

Nós iríamos juntos.

Se ele queria se meter nos meus assuntos, se exigia que eu me mudasse para o apartamento dele quando tudo estivesse resolvido e se alegava que eu era dele, a condição era esta: um cuidaria das costas do outro.

Agora, no entanto, algo havia acontecido e eu já não aguentava mais esperar no carro sem saber o que era.

Com os nervos me destroçando de dentro para fora, acabei com o último cigarro que havia na carteira e continuei com os pensamentos a mil.

Sim, algo havia acontecido. Wade não me impediria de seguir nossos planos originais se não fosse assim. Era para eu estar a caminho de casa, pegando nossas provas. Era para ele ter vindo com o carro dele até a irmã, e então conversado com ela com calma antes de nos reunirmos.

Continuei olhando para todos os lados, à espera de que a qualquer momento Clayton chegasse. Ele ficaria furioso ao me reconhecer, e provavelmente me atacaria.

Ou, pior, poderia chamar os seus capangas mentirosos, aqueles que foram instruídos a me fazer acreditar que era Wade em quem estava por trás daquele aviso à beira da estrada.

Preferia que só Clayton viesse, e se o fim de tal encontro fosse a minha morte, tudo bem. Wade conseguiria a justiça mais facilmente desta forma, porque eu sabia que ele não iria desistir. Por outro lado, ele poderia perder o controle e acabar com o desgraçado, e isso eu jamais permitiria.

Não, Wade não sairia prejudicado ao final daquela história.

Se eu tivesse trazido a minha navalha... Aí sim seria mais fácil. Eu acabaria com aquilo de uma vez, deixando Wade e Dana fora do jogo. O livro de Sarah era a minha prova, mas de nada adiantaria na polícia. Matar Clayton era melhor, era como deveria ser. Eu, a assassina de um assassino. Sim, sim, era como deveria ser, por mais que Wade quisesse pôr o cunhado na parede até ele confessar todos os seus crimes antes de ter certeza.

Olhei pelo retrovisor. Roger havia mantido certa distância ao contornar o carro, mas continuava me observando. Não sabia o que Wade havia falado com ele, mas desde então ele não deixava aquele lugar entre meu carro e o portão. Será que fora instruído a bloquear uma possível fuga? Mas eu nem tinha ficado com as chaves, então não poderia ser só isso.

Merda, o que estava acontecendo lá dentro?

Meus nervos já abalados não colaboraram naquela espera. Imagens do corpo de Sarah, ensanguentado e sem vida no meio de uma cama de lençóis brancos vinham à minha mente sem parar. E então já não era mais Sarah, era Dana estendida naquela cama. Com os olhos abertos, os traços suavizados do irmão no rosto feminino que dali em diante só expressaria a morte e posterior decomposição. Sem vida, sem o rubor nas faces, sem a fúria com a qual sempre me encarava.

E eu via Wade em meu lugar, horrorizado, de frente para a própria irmã morta, a dor e o choque paralisando-o sem que ninguém o ajudasse.

Eu precisava ajudá-lo.

Embora talvez fosse eu quem ainda estivesse precisando de ajuda, enlouquecida sem me dar conta.

Recordei a tarde em que o meu antigo chefe me pediu para cobrir o horário do meu colega à noite. Recordei a ligação em que avisei Sarah de que só iria poder ir até a casa dela mais tarde. E recordei a tragédia resultante do meu atraso de umas poucas horas.

Transtornada, revirei a minha bolsa e o porta-luvas, ciente que não encontraria nenhum cigarro perdido. Voltei a pensar em Sarah, voltei a reviver a dor lancinante. Meu Deus, eu deveria ter ido até ela antes, tê-la salvado. E se a minha espera ali estivesse custando a vida de mais alguém?, perguntei-me, olhando outra vez para a entrada da casa, o coração acelerado.

Não fosse esse o caso, fazer justiça cabia a mim. Com as minhas mãos. Não com as de Wade.

Por Sarah. Antes que houvesse outra vítima.

E foi com essa decisão que eu saí do carro. De mãos vazias, com a mente e o peito repletos de puro pavor.

Roger me viu e veio correndo até mim.

– Rhea – chamou ele. – Rhea, espera!

Eu não olhei para trás, indo em direção à casa.

– Se aquele desgraçado fez algo com a Dana, eu vou matá-lo! – gritei, ciente de que o segurança não tinha ideia do que eu falava.

– Espera, Rhea! – gritou ele mais alto. – Você não vai precisar matar ninguém! Ele já está morto!

As palavras penetraram no meu cérebro enlouquecido e não serviram de nada para me acalmar. Muito pelo contrário. Uma fúria inigualável se apossou de mim, a minha cabeça explodia em dor e o meu coração batia acelerado.

– Como? – perguntei sem me virar.

– Num assalto. Levou um tiro na cabeça. Foi limpo, não sentiu dor.

Não me vi desviando do agarre de Roger, nem chegando à porta da casa, nem a abrindo. Eu só conseguia escutar meus próprios gritos e sentir o desespero se apossar de mim por completo.



Nessas horas eu percebo o quanto a cabeça da Rhea não ficou boa depois de tudo o que aconteceu. :/

FUROROnde histórias criam vida. Descubra agora