Rhea
"[...] Eu tenho a luz das estrelas
Eu tenho doces sonhos
Eu tenho o meu homem
Quem poderia pedir algo mais?"¹
Quando voltei à cozinha, procurei no meu smartphone a música que eu me vi cantarolando durante o banho. A voz de Ella Fitzgerald preencheu o ambiente, e eu continuei a trabalhar, cantando junto com ela no mesmo volume baixo e calmo.
Em frente ao fogão, ocupei-me de mexer o molho barbecue na panela. Nem percebi que balançava levemente o corpo no ritmo da música. Acrescentei duas doses de uísque da provisão de bebidas de Wade, de acordo com o que eu me lembrava da receita da mãe de Sarah, e a seguir a mistura de temperos que ela usava em outros tipos de molhos.
Sarah costumava dizer que iria todos os dias no meu futuro restaurante, só para comer da minha comida e relembrar a da própria mãe. Eu lhe disse que aquilo tinha de ser uma promessa, pois eu contaria com ela como degustadora oficial no meu grande e famoso restaurante.
Amor de Mãe. Esse era o nome que Sarah insistia que o lugar deveria ter. Eu dizia que seria estranho, porque a dona dele, no caso, eu, não era uma mãe. Ela balançava a cabeça e insistia que até lá eu tinha tempo de procurar alguém especial e seria sim uma mãe. Então olhávamos uma para a outra e ríamos das nossas conversas tolas.
Eram sonhos adolescentes, mas a verdade era que eu faria isso por ela. Mesmo sem filhos, e mesmo que ela já não pudesse mais cumprir a sua parte no acordo, eu manteria a sua memória, a da mãe que ela não teve tempo de ser e a da mãe que também não teve tempo de conhecer.
Amor de Mãe seria o nome do meu restaurante, não importava quando ele passasse de sonho a realidade.
Concentrada em cozinhar e perdendo-me em lembranças boas e na música, não ouvi o barulho da chave girando na fechadura, nem da porta se abrindo. Tampouco prestei atenção no som de passos que precedeu a voz de Wade no recinto:
– Voltou a confiscar as minhas camisas? – perguntou ele e, após o meu susto, notei sua confusão no tom daquelas simples palavras.
Olhei por sobre o ombro e lhe lancei um sorriso.
– Ainda não as tinha experimentado com uns saltos altos.
Ergui a perna, de modo que ele pudesse ver as minhas sandálias. A barra da camisa subiu e mostrou um pouco mais da minha perna nua.
Com calma, apreciando tudo o que via, Wade passou os olhos pelo meu rosto e corpo. E então ele deu a volta na ilha da cozinha e se aproximou por trás de mim.
Seus dedos seguraram a minha nuca, logo abaixo do coque frouxo que eu fizera para que o aroma da comida não impregnasse completamente no meu cabelo depois do banho.
Ele me olhava nos olhos, sério.
– Por que voltou a usar essa maquiagem pesada? Já não precisa mais dela.
– Você não gosta?
– Claro que gosto, mas isso não significa que você precisa voltar a se arrumar e se comportar do jeito que fazia antes.
Antes. Embora eu já conseguisse pensar no passado em que Sarah era viva, não tinha a mesma facilidade no que dizia respeito ao passado de vingança. Doía, apertava-me o peito. Deixava-me um gosto amargo na boca. Ainda assim, eu estava aprendendo a controlar melhor os sentimentos destrutivos.
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FUROR
ЧиклитAs sombras a espreitam onde quer que ela esteja. A culpa, o arrependimento e a fúria pelo que deveria ter impedido a todo o custo. Durante o dia, ela esquiva tais sentimentos com seus planos de vingança, mas quando a exaustão a domina e ela se rende...