Capítulo 1 - Darren

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 — Vamos, estão todos prontos? Seu nome pode ser o primeiro a ser chamado!

Guinn sempre fora um bom instrutor na opinião de Lankher. Idoso, calvo, porém muito determinado e otimista quanto aos seus alunos, mesmo que estes perdessem os duelos por vezes. É normal se perder quando se batalha.

Lankher era um dos menores no treino. Com apenas dez anos de idade, costumava ser subestimado por seus adversários, mal sabendo eles que o garoto era um dos melhores dali. Tinha cabelos castanhos e encaracolados, um tom de pele bronzeado pelo sol e era um tanto cheio, um contraste quanto às suas habilidades de cavaleiro. Sorte dele de possuir aquele dom, pois saber se defender se tornaria essencial daqueles tempos em diante.

O jovem fora escalado a lutar com Darren, um garoto três anos mais velho que ele, logo na primeira fase da disputa. O prêmio do vencedor eram 300 Bisteris, a moeda do Continente, algo de que Lankher andava precisando.

Guinn precisou levantar seu aluno, pois este estava ocupado estapeando insetos que rodeavam seu corpo no meio de sua explicação. Os insetos de Render costumavam ser grandes e ágeis, quentes como o verão, e sua picada causava formigamentos e terríveis estremecimentos por todo o corpo.

— Espero que tenha prestado atenção em minhas explicações, pois elas foram importantes. É só não ficar nervoso, e a luta será simples como a dança — Guinn instruía-lhe, sem pensar em perguntar se Lankher ao menos sabia dançar.

Lankher pôs-se de pé, oscilando por conta do sono e a ausência de exercícios, mas disposto para a luta. Gostaria de lutar, e aliviar suas tensões em qualquer um, mas sentira-se presenteado quando fora selecionado com Darren para a primeira luta. O garoto mais velho o estrangulara dois dias antes, por ter sido derrotado por ele numa luta. Ele e seus amigos chutaram-no, enquanto o seguravam e o ouviam gritar.

Darren se posicionou de frente para Lankher, cerrando os punhos, com um sorriso amarelo e enjoativo. Mesmo assim, não recuou.

— E então, o que vai ser, criança? Terei de ter pena de você?

— Darren, não subestime seu adversário! Muito menos o Lankher! — Guinn sempre fora amistoso com a criança, mesmo que não fosse sua favorita. Suas favoritas eram prontamente as crianças de famílias ricas.

Lankher armou sua base, típica de Ozit. Os quatro reinos do Continente Oeste tinham formas de lutar bem distintas, várias técnicas, formações e ataques diversos, mas a de Ozit se caracterizava pela valorização das mãos e a destreza quando no chão.

— Comecem!

Darren sorriu, avançando contra Lankher com um soco tradicional de direita, mirando o nariz dele. Mas conseguiu esquivar-se a tempo, e ainda valorizar seus joelhos numa investida contra a coxa de seu adversário. Um ótimo golpe que revelava a inteligência e o talento do garoto, ninguém podia negar. Darren recuou, obviamente pois fora atingido num nervo. Contraiu os punhos, murmurou algo para si mesmo, e voltou a atacar Lankher; mas o menino era ágil, derrubou-o com uma rasteira concreta e confiante, isenta de compaixão. Darren caiu, e Lankher pôs-se a soca-lo no chão, os joelhos sobre seus braços.

Lankher sempre fora temperamental, e tinha um problema que o fazia ter ataques de fúria incontroláveis. Nunca fora adoecido nem passara por complicações além das naturais, mas sempre se estressava mais que devia. E, naquele momento em que dera o primeiro soco no adversário, a fúria viera, somando todos os dias de insultos e agressões que suportara.

Dera-lhe mais um soco, que o fez estremecer. E outro. E outro.

A cada soco dado podiam-se ouvir as várias súplicas do tal Darren por misericórdia, todas ignoradas. Guinn puxou Lankher rudemente para trás, uma grossa mão calejada a contê-lo de prosseguir.

— Acalme-se, garoto! Somos todos de um mesmo povo, lutamos pela mesma coisa!

Lankher o ignorou, simplesmente. Já estava chateado com o fato de suas juntas dos dedos da mão direita doerem, e com certeza por não ter terminado o serviço com Darren. Continuou a andar para longe dali, sem chorar. Crianças costumavam chorar por coisa qualquer, mesmo que não tivessem problemas nem dores, e suas vidas fosse uma bela e promíscua felicidade.

Mas o garoto era diferente: pequeno, pensava como adulto, sempre focado em aprender a lutar, visando tornar-se guerreiro, ou até capitão da guarda, se tivesse sorte. Sem perceber, já selava um bom futuro para si. Enquanto os outros garotos, que não ousavam falar com ele, queriam apenas saber lutar, Lankher buscava entender porque lutar. Lia livros de histórias na Biblioteca Central de Ozit, e se aprofundava cada vez mais no assunto, conhecendo não só a letra, como também o que ela lhe tinha a acrescentar.

Ficara sabendo da rincha dos reis de Aimo e Ozit, entre algumas gerações e dinastias, e também os pontos de referência geográficos. Descobriu como Ozit tornara-se independente, e todas as batalhas que o feito ocasionou. Soube também sobre as recônditas histórias do Poder e os Dirígelos, os Donos da Era. Era, assim, um leitor; um adulto refletido num corpo de criança.

Já chegava em casa quando parara de praguejar o tal Darren.  

1 - Terra de Sombras - A Revolta de OzitOnde histórias criam vida. Descubra agora