Capítulo 16 - A Dádiva de Runok

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Lankher



 Estava me sentindo incrivelmente inútil desde que saíramos de Ozit.

Até ali, meus maiores momentos haviam sido: correr de um demônio dono de uma ponte; machucar a mão; ser encurralado por Ravi numa sala coberta de Arks, e dormir enquanto meus amigos valentes, Anne e Travis, salvavam o dia.

Fui importantíssimo, claro.

Eu e Anne estávamos a novecentos metros do castelo verde de Ceroza, distância que corremos em tanta velocidade que não sentia minhas pernas. Ela havia me encontrado com um colar em mãos, já fora do castelo, mas o medo de sermos pegos fora maior.

Não chegara a conhecer a tal bruxa de cabelos roxos, mas não haviam boas lembranças em Anne para partilhar. Ela reclamou durante um bom tempo, e enquanto a ouvia, não conseguira deixar o pensamento de que era o segundo castelo do qual escapava com vida. Falta somente Drome e Aimo para mim, pensava, aos risos.

— Como havia Farderres lá dentro?

— Você viu? — ela suava com a corrida, mas seu ânimo era inesgotável. — Pensei em você quando os trouxe com o colar.

Senti um calor em minhas entranhas, e logo os Farderres trouxeram de volta as lembranças tristes de minha mãe. Anne realmente ouvira sobre os pássaros, as longas conversas que tinha sobre a forma como voavam, sua feiura lembrando-me a beleza de Sonia...

— Então, quer dizer que Travis fingiu ser eu para me salvar? — perguntei, sabendo a resposta.

Sentamo-nos numas pedras em volta da cidade de Bar, um local bonito e pândego. Pessoas perambulavam nas ruas como se fossem crianças, e pexotes dançarinos treinavam passos de uma dança do Continente Leste, enquanto prendiam seus potros marrons em postes. Um ponto muito festivo, com todos dançando e rindo, cada um de sua forma.

— Sim — Respondeu Anne. — Ele foi levado para uma outra prisão de Ceroza, para alguém de Ozit ir lá busca-lo. É uma questão de tempo até que o matem.

Eu achava incrível como Anne era forte: ela não havia comido, como eu, e ainda conseguia enfrentar bruxas e invocar os poderes do Terceiro Dirígelo. Digníssima de elogios, tal como minha mãe o era.

— Mas você acha uma boa ideia irmos até lá?

— Não — ela franziu a testa. — Ele fez o que fez para continuarmos a missão. Temos apenas três dias. E você quer se entregar? Tenho certeza de que ele conseguirá escapar. Vamos ficar um tempinho por aqui.

— Tem razão — afirmei, mesmo que um pouco chateado com a ausência de Travis. Meu estômago roncou, a sensação de fome impiedosa surgindo. — Quer comer?

— Quero.

Eu e ela, como se planejássemos, fomos andando até o centro de Bar, na esperança de mendigarmos algo decente.



— Sou um idiota mesmo.

— Não precisa dizer.

— Estou falando sério. Nem passou pela minha cabeça trazer comida, água ou Bisteris. Fui muito tolo ao nem sequer pensar em proteção e cavalos.

— Eu teria pego moedas se tivesse tempo, mas meu pai me expulsou de casa aos berros.

— Isso me lembra os velhos tempos; você era mais divertida antes.

— Você que era menos exigente.

Bar era uma cidade muito ousada. Suas casas seguiam um único padrão de sequência de cores, sem nunca mudar sequer a ordem. Mesmo que aparentemente feias, seu aspecto real era muito impressionante. Era como o castelo de Ozit, que mesmo tendo apenas o vermelho berrante como cor, conseguia ser especial, de uma forma grandiosa.

1 - Terra de Sombras - A Revolta de OzitOnde histórias criam vida. Descubra agora