Lankher
Anne respirou fundo, e me respondeu:
— Não posso sair do Continente Oeste. Nunca.
Observei aquele rosto angelical, notando como estava diferente. Era a donzela mais bonita que já conheci em toda minha vida, e o tempo lhe fazia muito bem, deixando-a cada vez mais voluptuosa e atraente.
Não notava suas evoluções até aquele dia, aquele que fez treze anos, no primeiro mês, vigésimo sétimo dia. Percebi que seu cabelo estava maior, límpido e sedoso, e cobria a parte superior de sua testa, algo que a deixava mais atraente. Seu rosto em forma de coração tornara-se o de uma menina jovem, com maçãs altas no rosto, uma boca delicada e pequenos lábios cheios, leves traços de uma princesa. Seu corpo também mudara, e bastante. Curvas começavam a se delinear ao redor dos quadris e outros lugares agradáveis, impossíveis de não se notar, e suas protuberâncias de mulher eram agora visíveis.
E, também, me sentia bem melhor comigo mesmo. Perdera peso pela fome e minhas caóticas disparadas atrás de alimentos nos becos e sarjetas, e a sensação era de leveza. Isso mostrara seu valor: o último a chegar era o primeiro a morrer, e ainda bem que havia vários idosos lá. Pensei uma vez se poderia ficar velho naquela situação, mas lembrei que seria impossível.
O rei, mais cedo ou mais tarde, me encontraria. E, mesmo sendo aparentemente impossível me matar, ele daria um jeito.
Por isso fugir era minha melhor opção. Planejava ir para outro reino, qualquer outro, mas talvez eles ajudassem Rick, como bons vassalos, então pensei num outro Continente. A ideia era ótima. Eu e Anne (e talvez a família dela) poderíamos viver longe de Rick, protegidos enquanto não pudesse mata-lo, apenas esperando e fazendo-o acreditar que faria vinte anos de reinado.
Mas ali estava eu, de frente para minha amiga, ouvindo que ela não podia sair do Continente Oeste, nunca. Reconhecia ser uma decisão incoerente para ela, até mesmo disparatada, mas precisava dela; era a única pessoa com quem me importava, a única que me fazia lembrar da beleza do mundo, havia tanto perdida.
— Como assim, não pode sair daqui?
Ela respirou fundo. Parecia desesperada agora, a ponto de fugir.
— O Continente Oeste protege-me de um... um...
— Um o quê?
— Protege-me de um Dirígelo! — A angústia em sua voz era palpável, encorajava-me a esquecer, mas eu queria saber mais.
— Como assim, um Dirígelo? Pode me dizer os nomes dos quatro? Talvez reconheça qual deles é o seu.
Ela abafou um soluço, e percebi que queria chorar. Abracei-a, sem pressiona-la mais. Tentava engolir suas palavras, mas pareciam presas pela garganta. Ser caçado por um Dirígelo... algo absurdo, de fato. Misteriosos tinham poderes místicos. Como não matavam Anne? Se realmente quisessem, já o teriam feito.
— Eles não conseguem matá-la, certo?
Ela afirmou, sem uma palavra. Abracei-a com mais força.
— Qual deles quer lhe matar?
Ela tremeu, soluçando de medo. Soltei-a, encarando seus olhos molhados, mas persistentes. A noite parecia ainda mais fria. Ozit era maldito: nunca o tempo certo, sempre a temperatura indesejada, com os sentimentos mais incertos...
— Eu... não posso pronunciar seu nome. É amaldiçoado.
— Ora, há isso também? Nunca ouvi falar de um nome amaldiçoado, nem em seu livro.
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1 - Terra de Sombras - A Revolta de Ozit
FantasyDiante de um reino destruído e ameaçado por guerras, Lankher Rievo, neto de um rei, parte em uma jornada com seus amigos Anne Winslet e Travis Meaner em busca de uma forma de derrotar o rei que um dia humilhou sua família e tomou suas fortunas. #1 e...