Capítulo 8 - Substituição

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Brunna — Dois anos depois


Raiva não é um bom sentimento. Ela nos leva a cometer erros. Mas o problema é que ninguém avisa quando realmente se precisa; apenas quando é muito tarde.

Mas eu estava com raiva. Muita raiva. Nunca fui uma menina ruim, sempre generosa com todos, e quando vou treinar, apenas visando aprender a me defender, levo dois socos no rosto, perco dois dentes e quase sou queimada viva.

E de quem seria a culpa de tanto problema?

Do mendigo.

Isso foi há um bom tempo, mas não me esqueci. Não podia matar Lankher, ele era muito bom em defesa pessoal, e sua amiguinha, Anne, o protegeria. Sempre via-o mendigando e brigando com cidadãos por um pouco de comida, e às vezes até dava um pouco para ele, pois sentia muita pena. Mas claro que ele não me reconhecia; tingi o cabelo de vermelho vivo. As mulheres de Ozit geralmente faziam isso, mas não as crianças. Minha mãe, Marely, permitiu, mesmo pagando milhares de Bisteris a mais. Adorava-a pela sua dedicação, uma dádiva para os Rylie, os Donos do Campo. Brunna Rylie tinha treze anos, e ainda guardava seus dentes arrancados, que, por amor do destino, não eram os dentes infantis.

Eram 9 Instares quando me levantei. Essa coisa de levantar tarde é coisa de gente preguiçosa, minha mãe sempre me lembrava. Seguia esse pensamento, até porque fazia-me bem; nunca estava cansada. A floresta de Escol era longe, mas era o melhor lugar para caçar. Coelhos brotavam do chão dentro daqueles territórios.

Sempre cacei com flechas pequenas, por serem muito mais rentáveis. Não me cansavam, atingiam o alvo à distância em alta velocidade, além de serem produzidos com menos madeira. Após me higienizar, cheguei à cozinha, onde fui abordada por minha mãe.

— O que está fazendo aqui, filha? Você deveria estar arrumando seu quarto!

— Mas mãe, eu vou caçar. O que almoçaremos?

Minha mãe pensou um pouco, relativamente dócil, e afirmou.

— Certo, então. Mas espero que volte rápido, ou podemos comer seus peixes. — Ao ver minha expressão, ela desatou a rir. — Não faria isso, querida. Volte logo!

— Está bem.

Saí de casa.

A idade nos torna espertos. Notei, por exemplo, que as pessoas são as maiores destruidoras do meio-ambiente, e não os animais. Você destruiria sua casa? Bem, nunca tive vontade de arrancar as paredes de minha sala. Mas nós, terrível espécie, sentimos prazer nisso. Claro, precisamos de certas coisas para viver, mas mesmo assim, estamos destruindo a natureza, nossa própria casa, e, sem perceber, construindo nosso próprio jazigo. Enfim, gosto de preservar a natureza, mesmo que cace coelhos. Tenho motivos, a coisa está muito, muito feia em Ozit, então caçar faz parte apenas do instinto de sobrevivência.

Após andar bons quilômetros, entrei na floresta de Escol, um local fechado e denso, transformando a manhã numa noite semicerrada, e escondi-me automaticamente atrás de um arbusto alto. O cabelo não ajudava a se camuflar, mas me deixava com um ar mais juvenil.

Vi um coelho atarracado caminhar aos tropeços bem em minha frente. Pensei instintivamente em corta-lo ali com algo, mas claro que me esquecera de minha arma, conseguida após muita persuasão com minha mãe. De qualquer maneira, porém, punhais queimam ao tocar minha pele, por uma razão que ainda sinto calafrios.

Esperei o coelho branco ficar bem longe de mim, para despedaça-lo com uma flecha. Já era caçadora havia um ano, e estava ficando realmente boa com flechas, até esculpindo arcos e aljavas.

1 - Terra de Sombras - A Revolta de OzitOnde histórias criam vida. Descubra agora