Capítulo 22 - A Honra dos Reis

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Anne

 Faltavam dois dias para que a guerra tivesse início, e eu não sabia se queria mais ver o que aconteceria nela, ou esperar que ela nunca acontecesse. Infelizmente, Lankher não estaria mais comigo em nenhuma das duas alternativas.

Era carente e precisava de Lankher, e nunca teria vergonha de lhe dizer isso. Nunca recebera muito do amor do qual necessitava, portanto meu amigo, o Rievo, servira-me por anos como porto seguro, e, para mim, que queria ter essa função para ele, acabara me tornando mais que dependente. Ele era o tipo ideal: era atencioso, um ano mais velho que eu (o que, segundo a teoria do Meaner, era uma coisa boa), e muito generoso comigo, além de ter uma mente flexível a novas ideias. Éramos tão amigos, porque não outra coisa melhor?

E, além do mais, as moças de Ceroza sempre eram prometidas assim que floresciam. Já seria casada se ainda seguíssemos os costumes de lá, talvez com Frederick Elsen, que até já podia ter um sir na frente do nome. Fora intitulado por mim Anjinho quando éramos apenas crianças bobas e despreocupadas por Steal. Ele fora meu único amigo durante toda a minha vida em Ceroza, e nunca desejaria outra companhia.

Fui esfaqueada por Ascom quando bebê, então sempre tive a cicatriz rosada que diferencia minha barriga. Sendo assim, sempre fui a Fantasma. Mas Anjinho não ligava para isso. Ele era um fatídico amigo, meu instrutor mais velho. Tinha onze anos quando me conheceu, e eu, seis. Fomos amigos de longa data, e fazíamos tudo juntos. Quando pensava nele, lembrava-me de Lankher, pois os dois eram tímidos, mas ao mesmo tempo carinhosos, uma combinação mais que suficiente para me apaixonar.

Mas, por alguma razão, não conseguia ir adiante.

***

Lankher estava agora ao meu lado, num animador reide e com sangue de Arton nas vestes que um dia foram unicamente vermelhas, contando-me sobre os fatos que nós mesmos havíamos feito havia poucas Instares, como se eu tivesse perdido tudo.

— ... e então, ele saltou da cachoeira — contava, feliz com a organização de nossa missão. — Na verdade, foram dois dele, e estavam resmungando maldições contra nós. Então você viu o que já estava cortado, e atingiu-o com uma flecha rasante no flanco direito. Ele cambaleou para trás, e o chutei para dentro da cachoeira, e o outro moribundo se desfez! — Ele sorriu, fissurado, enquanto me cutucava carinhosamente. — Você foi muito bem.

— Ah, você está exagerando — comentei, observando como o sol era bonito. Eram 10 Instares, nosso segundo dia da missão já estava na metade. — Até parece que fui eu que fiz milagres na caverna e na encruzilhada!

Continuamos a andar, minhas pernas fraquejando. Já estávamos caminhando havia cerca de 7 Instares, e não tínhamos nenhum dinheiro para comprar cavalos, lhamas, camelos ou o que fosse. Minhas pernas derretiam de dor.

— Lankher, vamos parar, por favor! — implorei, pois já podia sentir os calos nos pés. Ainda não fazia ideia de como Lankher conseguia andar com tantos cortes de machado, mas ele parecia estar ainda melhor que eu, incansável.

— Anne, nós já estamos perto do Mar de Sêneda. Em poucos Ontares estaremos em mar aberto, com Instares de sobra para descanso.

— Nós precisamos de um transporte mais rápido — observei —, ou não teremos tempo para concluir nossa missão.

— Ainda temos dois dias — Lankher disse, insistente.

— E duas Glouts. Você não sabe o que vamos enfrentar. Então acho melhor você arrumar alguns Bisteris para viajarmos cavalgando ou sei lá.

1 - Terra de Sombras - A Revolta de OzitOnde histórias criam vida. Descubra agora