Capítulo 4 - Altos e Baixos

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 Lankher ouvira seu nome, e a voz não pertencia a sua mãe. Uma garota havia dito seu nome! Não encontrara a origem do som, mas sabia que era uma garota, e que era jovem, a não ser que fosse algum tipo de alucinação por causa do sol e do tempo abafado. Ouviu o nome de novo:

— Lankher! É esse nome mesmo?

Lankher virara-se: a garota tinha o sotaque de Ceroza muito forte, um bem divertido, em sua opinião. Mas pouco lhe importava sua voz: estava de frente para uma menina vestindo um vestido azul, bem pequena, com os cabelos esvoaçantes, curtos e escuros e os olhos pertinentemente negros, como a lua nova. Lankher só conseguira pensar em uma frase que fizesse algum sentido:

Deus, como ela é linda.

A menina era realmente linda, com maçãs nas bochechas redondas e plenitude no rosto delicado. Sua aura era alegre, mas sua voz continha uma natural rudeza, como se falasse tudo seriamente. Contraditório, isso não era motivo para que ela não falasse alto, quase aos berros.

— Meu nome é Anne, e significa "A Graciosa" nos idiomas das outras terras — contou ela. — E você deve ser o Lankher, "O Vingador" em Gjulashtë.

— Olá, Anne — a introdução da menina o assustou. — Como sabe disso tudo?

Anne sorriu, de repente aspirando toda a impetuosidade do reino e seus problemas em redor, radiando energia sobre as cinzas.

— Minha mãe encontrou a sua indo comprar milho por aqui, e vim atrás de você, para nos conhecermos.

Lankher se sentira incomodado com aquilo, pois a presença de Anne era um tanto inquietante, mas também sentira-se feliz, pois finalmente alguém pensara nele como um ser sociável. Mesmo assim, Lankher desconfiou.

— Mas porque está atrás de mim?

Ela deu um soquinho amigável em seu braço.

— Gostaria de lhe conhecer. Tenho nove anos, e você?

— Eu... eu tenho dez. — E então Lankher se deu conta de que não tinha amigos, e aquela era sua chance de tentar. Sorriu para ela. — Quer ser minha amiga?

Ela hesitou, sorridente. Aquilo soou mesmo estranho, e Lankher sentiu vontade de se virar e sumir no meio das outras crianças da praça antes que seu rubor se tornasse visível, mas ela devia ser boazinha, pois não fora rude, como sua voz indicava.

— Não sabia que era preciso perguntar. Vamos nos sentar, estou com dor nas pernas.

Então, um pouco mais feliz, o menino caminhou na direção do banco mais próximo dali, feito com três pedras improvisadas. Por coincidência, o mesmo banco em que o homem com roupas reais dissera que ele era sua chave.

Anne se sentou primeiro, iniciando a conversa, e claro, alto o suficiente para todos os mortos ouvirem, desde o Lago das Almas.

— Onde você mora, Lankher?

Ele se sentou, adquirindo tempo antes de responder, para não dizer algo impróprio ou desnecessário. Essa coisa de amizade aparentava complexidade, tal como a matemática que outrora aprendera.

— Aqui mesmo, em Render. Nasci em Ozit.

Silêncio. Desejoso de tentar manter uma conversa racional com uma pessoa que não fosse sua mãe, disse:

— E você? Onde mora, e onde nasceu?

— Moro em Bamis, um pouco mais para o Sul daqui.

Duas crianças, gêmeas fraternas, passaram correndo em frente aos recém-amigos com os cabelos ruivos dando mais vivacidade ao local deteriorado. Uma delas usava um gorro tricotado de lã, o que já deixava bem claro que ela era da elite do povo, os nobres. Andava com um cãozinho ao seu lado, usando um lacinho improvisado cor-de-rosa.

1 - Terra de Sombras - A Revolta de OzitOnde histórias criam vida. Descubra agora