O CONTO. DESCUBRA-O.

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Ela gosta tanto de ir ao parque. Gosta de conversar com seu irmão sobre a possibilidade de serem abduzidos enquanto apreciam uma xícara de café. Gosta muito daquela risada escandalosa que só as pessoas mais próximas a ela têm o direito de ouvir. Ela gosta tanto daquela camisa xadrez surrada que a faz lembrar quem ela é, e quem será algum dia. Gosta tanto daquela amiga excêntrica que a faz querer viver. Não sobreviver. Não existir. Viver.

O CONTO. DESCUBRA-O.

Levantar é tão exaustivo. Essa dor latejante se arrastando por dentro da minha cabeça, mas que merda. NÃO ABRA A PORRA DA CORTINA! Quem é que ainda vai ao parque? Eu não quero café. Deixe-me em paz. Não faça piadas, não quero que ninguém ouça a minha risada, pessoa número dois. Essa camisa imunda me deixa mais horrível do que aparento, apenas a jogue no lixo, pessoa número três. Qual é a graça de ir ao parque? Eu nem consigo lembrar do que me fez achar que sair seria de longe algo excitante. A pessoa número quatro nem se deu ao trabalho de perguntar se estou bem ou não, não liga para ninguém além dela. Não tenho motivos para continuar existindo. Sobreviver é exaustivo. Desligue o rádio, essa música é péssima. NÃO, eu nunca gostei dessa banda! Viver tem sido um fardo.

O CONTO. DESCUBRA-O.

Uma pessoa maravilhosa. Os fazia rir. Os fazia querer viver. Não sobreviver. Não existir. Viver. Uma hora, num dia, numa semana, num mês e num ano, tudo lhe foi tirado, não que a forma como fora feito tenha sido revelada, ela, um dia esperançosa por algo além do visível, reciclou. Suas idas ao parque nunca foram obrigatórias. Foram recicladas. Conversar é fatigante, seu irmão não parava de falar. Reciclou até o aroma que impregnava sua camisa xadrez surrada. Sua risada não precisava ser ouvida, não faria diferença na vida das pessoas números x e y. Acabou por reciclá-la também. Uma vez tudo se tornou reciclável, inclusive suas pessoas favoritas. Pessoa número dois aos poucos foi parando de se importar com as conversas. Pessoa número três foi traçando a linha tênue de uma falsa relação. Pessoa número quatro continuou vivendo, mesmo sem a sua risada escandalosa para tempestuar o diário. Depois que nada a agradava, pessoas e coisas eram recicladas, optou por reciclar a pessoa número um. Tolice. Tudo se tornou cinza quando sua risada deixou de ser ouvida.

O CONTO. VIVER. SOBREVIVER. EXISTIR.

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