Abrigo em mim as dores por nós já sentidas. Abrigo em mim esse medo maior, medo que consome por dentro. Com o passado histórico vivo na mente como o vermelho da aurora, repudio censura que passa [des]percebida a olho nú. Como morrem os pobres: baleados, sem nome e sem mão; sozinhos num quarto de hotel feito Nikola Tesla. Leis áureas e corpos aéreos jogados no Rio da Prata por bichos humanos.
Morrem torturados pela escravidão e pela ditadura e pelo peso da própria miséria, não transmitirei, portanto, o legado de minha miséria, como disse Machado de Assis. Capitus sofrem males do corpo e da alma; bruxas queimadas pelo atrevimento de Eva, que surgiu das costas de um homem [só queriam liberdade pra cabeça].
Hiraeth. Das palavras sem tradução; saudade de um lar que nunca foi meu. Em tempos de defender o óbvio [o básico... e o mínimo], faz-se necessária a menção da glândula predileta de Galeano, a consciência. Esta que se usa em casos de problemas que não te machucam o corpo e a mente, contudo os convida à prática da empatia.
Sobre a saudade do lar que nunca foi meu, penso na violência escrachada quando a livre existência de outros seres, humanos como nós, é amordaçada. O simples ato de existir nos é negado; angústia que não afeta girondinos à mercê de uma figura apolítica [30 anos e nada para contar]. Espero ao menos caminhar, ter o direito de caminhar, mesmo que nesta utopia que trago no peito sejam apenas passos e caminhos.
Todos nós sentimos algo, alguns dão nome, outros não. Alguns escrevem, cantam, dançam, gritam sobre. Outros ainda fingem que são homem que não sente e não reage, talvez esse o pior dos equívocos. Lúcidos demais para não doer quando se fecham as cortinas. Realidade maltrata. Atravessa como tiro à queima-roupa. Navega como navios fantasmas rumo à destruição. Lembremos então da necessidade humana de respirar livremente, lembremos da resistência do amor.
Democracia é para não sucatear a própria voz em um cenário cuja pauta principal é a luta em prol da preservação da dignidade humana.
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Y
PoetryTextos desocupados de dores com sabor de açúcar, amores ácidos e borboletas amarelas.