Fart Party, adereços e vida adulta

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Oi, Enrique.

Lembrei-me de escrever para ti assim que acordei de um cochilo num Palio branco viajando 800km em direção à belíssima depressão que é o município de Santa Maria. Antes de casualmente dormir num travesseiro jogado na parte traseira do veículo, estava lendo o livro que você me deu de presente. Sério, Julia Wertz me fez perder completamente o medo das palavras "cagar" e "peido" (agora que as digitei estou um pouco desconfortável, mas não deixa de ser engraçado me ver tentar). Estas palavras, coincidentemente, casam com a minha atual situação de viajante, pois o odor de alguns lugares pelos quais passei, dormindo, lendo ou escutando música cheiravam tão mal quanto peido ou cocô. Consigo rir sozinha quando penso que trouxe uma moça peruana para morar no meu apartamento. Consigo rir da minha tristeza pelo problema que causei sem ao menos ter a intenção de fazê-lo. Outra das amigas que se vão. Sei que ela não estará lendo isso, absorta pela vida rápida e confusa da Nossa Senhora do Rosário. Por causa da minha amiga peruana, aprendi a valorizar a geografia local. A história também. Santa Maria não é complexa de entender quando você tem o Sr. Google no seu time. Tenho estado ocupada, como você deve ter notado, já que no dia em que nos prestigiou com a sua enriquecedora (Enrique...cedora, até o humor imatura de sitcom da Wertz se faz presente em meu repertório agora) visita, eu estava de saída. Não deveria ser apropriado contar que fui para a festa de quinze anos do meu primo aspirante a cantor indie ao invés de aproveitar mais a sua visita, a energia dançante que vibra com a tua presença, contudo prometi ajudar com a decoração e amo meu primo (outros dos amigos de verdade que não preciso fingir que estou bem quando me sinto como uma mandioca murcha). Também não deveria contar que passei mal de tanto beber na festa. Do meu primo. De quinze anos. Outro dos pontos infelizes que fizeram com que eu me identificasse com Wertz, mesmo que numa proporção menos constrangedora. Tenho bebido bastante para uma adolescente jovem adulta infantil madura prodígio vacilante de dezoito anos. Tenho tentado me divertir para esquecer as coisas no geral. Fui para o Paraguai com o meu pai, decisão tomada de forma impulsiva e precipitada (mais um ponto para Wertz!). Pensei que, como todos os consumistas, eu buscaria perfumes e tênis da Nike de origem duvidosa, todavia peguei-me questionando o quanto nós fomos filhos da puta com o Paraguai enquanto atravessava a Ponte da Amizade. Que tragédia de nome. Os paraguaios fazem o melhor tererê que eu já tomei (tem de tudo, agrião, capim cidreira, menta...), então como pudemos invadir seu país, comprar seus produtos importados, tomar seu tererê e não sentir ao menos um ai? Me disseram as paredes "Nacimos de muchas madres, pero aquí sólo hay hermanos". Sempre a li com um sorriso crescente nos olhos, uma onda gigantesca de revolução. Agora só penso que nós, brasileiros filhos da puta que amam apenas nosso verde e amarelo (tingido pelo sangue de odor metálico dos verdadeiros donos da terra), não fomos irmãos muito bons. Por causa da minha mãe, da amiga amante de literatura dela, de ti e da minha moradora peruana, aprendi que a América Latina é rica por si só. Sem os Unidos Estados, somos terra de imensa boniteza, seja pelas bachatas seja pelos bolinhos de mirtilo chilenos. Às vezes o quintal é tão grandioso quanto a casa que o explora para momentos de lazer despreocupado. E como sempre, enquanto tentava te animar com meus contos híbridos de amargura e comicidade, perdi-me em devaneios. Mas saibas que, apesar do fardo da problemática empatia que carrego, sigo com ideias nada diplomáticas (praticar bruxaria fazer cadernos artesanais), viciada em incensos com frases genéricas... "Acenda e o dinheiro aparecerá" e tentando usar um arco e flecha com a perícia e a sutileza de Orlando Bloom com seus longos cabelos loiros em Senhor dos Anéis. Obrigada por me inspirar de uma maneira única, por ser você a me fazer continuar amando graphic novels, HQs e o escrever para não enlouquecer. Por favor, jamais acumule silêncios e fique bem (na medida do possível).

Com muito amor e gratidão,

- Y.

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