perguntou-me o que é arte. procurando em acervos antigos a história engraçada que tornaria tudo mais fácil. "e, tentando dizer à professora que estava passando mal e queria vomitar, gritei 'vômito!', acabou funcionando, talvez pela expressão dela, tão atônita quanto meus colegas de classe pela ousadia em comparar arte com fluidos indesejáveis". todos riram, inclusive eu. mas o clique foi audível. aquele quê de comicidade que faz sentido sem que houvesse a possibilidade. as risadas cessaram. vi rostos pensativos, indagantes. o meu era o pior de todos. "[...] vômito, êmese é a expulsão ativa do conteúdo gástrico pela boca. ocorre como resposta do organismo a dores muito intensas". arte é desconforto sendo despido de nós por necessidade fisiológica. vômito é a arte da metamorfose do homem para inseto em que existem dores torturantes e felicidades transbordantes. a dor é tanta que. o que está trancafiado no âmago da vida há de ser despejado descartado revirado e retirado daqui. a dor sempre volta. me faço de arte mesmo sentindo a tristeza que não cessa some ou sucumbe. a que surge sem motivos e não tem desculpa para ir embora.
então tem que ser agora. porque agora tudo está vivo e talvez o futuro agora não esteja. sentir-me usada é usual. sinto tudo e esse tudo. como se vivesse em tantas realidades como a mesma pessoa, no mesmo estado melancólico sob camadas de outras coisas que não nomeio. perdi-me nesta vontade de ser. perdi-me. o que estava lá permanece em âncoras, o que sentimos falta. gosto de ser assim. cansa e dói às vezes. transformo em fúria e tempestade, como se pudesse causar um mal grandioso de tanto acumular. nem mesmo pela vontade genuína, apenas pela possibilidade. raiva me transforma e borboletas amarelas surgem como amigas viajantes do tempo. as que estão sempre lá. novas famílias e anseio das antigas. novo ciclo. admiro a simplicidade do anterior e contemplo a loucura que é estar neste espaço de constante contaminação. seja ela jogada pelo universo como ser humano seja como um livro de capa gasta e de uma boniteza histórica. revirar em busca do amor que nunca se faz suficiente. as virtudes do prazer em rigor. siga caminhando, mesmo que em passos tortos tropeços e tropicais. me faço de solidão para tais relatos, esta que solidifica minhas fluviais palavras ornamentadas. é esta que me propicia o sentir orgânico. que seja ele o que tiver que ser. dicotomia de nada me serve. bem e mal para quem? vida e morte (a morte não há de fazer parte da vida?), me alisto ao sentir livre com energia espiralada perpassando meu corpo que faz parte do mundo e no final somos mundo e mesmo sozinha, sinto-me cativada pelos brilhos incomuns que não sabem piscar.
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Y
PoetryTextos desocupados de dores com sabor de açúcar, amores ácidos e borboletas amarelas.