Chegando ao fim...

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Segunda feira, 03 de Dezembro de 2018

Querida Kitty,

Último mês do ano. É. Quem diria. Enfim. Chegou. Um ciclo está terminando, e outro já começando. Impressionante tudo isso.

Em poucos dias o fim do ensino médio chega, e os últimos dias para mim têm sido bastante agitado.

As coisas na escola está indo bem, só o povo que tá ansioso, assim como eu.

Eu tenho continuado engraçado como sempre. Gustavo legal como sempre. Mateus fazendo suas palhaçadas de cada dia, deixando alguns irritados. Rana fogosa como sempre, assim como eu. Catarina cada dia mais bela. Amália gentil como sempre. Rafaela sorrindo a cada dia mais com as minhas loucuras, e Ana ainda super legal. Acho que vou sentir saudades deles. Foram três anos de muito aventura e alegria. E agora tudo está terminando.

Hoje tivemos somente três aulas. Não sei porquê. Mais saímos cedo. Rafaela, Gustavo e eu, como sempre andamos juntos, fomos para praça. A bisavó de Ana morreu, por isso não foi pra escola. Na praça foi super legal. Rafaela começou a falar do nosso ano na escola, aí ela tocou no assunto de quando eu mandei a carta pra Gustavo. Foi então que Gustavo começou a me perguntar como foi que comecei a gostar dele. Eu não falava nada. Rafaela, sorrindo, disse quando eu tava contando pra ela sobre a carta e de tudo. E ainda lembrou como eu tava com vergonha contando isso pra ela e Ana.

Lembrei ela do diário. Do qual escrevo. E ela disse que lembrava. Dei detalhes de como está hoje. Gustavo perguntou pra mim se eu falava dele. Eu disse que sim. Ele quis saber mais, mas eu me limitei. Não sei se eu devia ter contado sobre o diário pra ele. Mas eu achei bom em contar. 

Por fim, ele ainda insistia em saber como foi que comecei a gostar dele. E sobre em quê eu me atraía por ele. Mas eu não falei.

Falamos sobre como o tempo passou. E de como tudo passa rápido. Eu ainda disse pra Gustavo, que se pudesse eu voltaria no tempo. E evitaria de ter gostado dele. Ele perguntou se eu me arrependia. Disse que não. Mas que voltaria no tempo, se pudesse, e evitaria ter gostado dele.

Depois de uns instantes saímos da praça. Rafaela ficou com medo de um homem que estava feito um louco, falando coisa com coisa uns metros longe da gente.

A gente estava caminhando por algumas ruas da cidade. Aí eu disse "como será nós daqui um tempo"? Gustavo falou que eu vou me casar. Eu disse que talvez não. Eu disse que não sinto vontade de casar. Ele falou que não quer ter filho. Eu falo pra Rafaela, e ela se manifesta. Ele acaba assumindo que tem medo do filho dele nascer deficiente. Rafaela diz pra ele parar de pensar nisso. E que deveríamos pensar num filho que nascerá lindo e maravilhoso.

Eu comecei a falar que já gostei de dois meninos nessa vida. E Gustavo pergunta quem. Eu digo "antes de gostar de tu, eu gostava de um outro menino".( eu me referia a Hugo). Rafaela diz que é tão estranho eu falar assim em relação a Gustavo. Sei lá. Acho que não consigo expressar uma explicação melhor para falar aqui.

Antes de eu me assumir gay para mim mesmo, eu era evangélico. Assim como minha mãe e meus irmãos. Eu ia pra igreja quase que todos os dias. E eu amava o que fazia. Ir para igreja era tudo de bom pra mim. Era o ano de 2015. Eu tinha acabado de completar 14 anos de idade. Não entendia as coisas em que eu sentia. Eu tava confuso em relação a tudo. E não sabia o que fazer. Só sabia que isso era um pecado aos olhos de Deus. E que eu deveria orar ao senhor. E foi o que fiz. Naquele mesmo ano de 2015 eu participaria do congresso da igreja. Com muito entusiamo, eu fiz de tudo pra sair bem. Conseguir aprender os hinos, o jogral que seria apresentado no primeiro dia de congresso da igreja. Mas então, algumas coisas estranhas rolavam na minha cabeça. E eu não sabia muito bem o que era isso. Eu tinha medo. Foi então que resolvi orar e jejuar durante um mês com o senhor. Ía para oração de madrugada na igreja. Acordava bastante cedo. No escuro, eu saía de casa pra igreja. Tudo isso no propósito de afastar essas coisas ruins que perambulavam na minha cabeça. E assim fui. Conseguir completar o jejum. O dia do congresso chegou. E foi um semana muito especial na igreja. O congresso chegou ao fim. E eu estava super realizado. Eu tinha conseguido.

Mas então os dias foram passando. E o tormento na minha cabeça aumentava cada dia mais. Eu ia pra lá e pra cá. Não sabia o que fazer. As coisas pecaminosas ainda continuavam na minha mente. "Eu não posso". "Isso não ". "Não posso". " Tenho que gostar de meninas ". Dezembro chegou. O mês foi um tormento. Eu tentava assistir televisão. Mas não conseguia. Toda cena que via na TV, era um homem super atraente e musculoso. "Por que isso?". "Eu tento, mas é isso que me aparece?". Desligava TV e ia fazer alguma outra coisa. Mas foi em janeiro de 2016. Meu primeiro deslize. Fui ficar com um garoto. Não sei como foi isso. Não sei nem como esse menino foi aparecer assim. Eu achava que ele não curtia essas coisas. Eu fui. No primeiro instante do ato, eu desisti e sai ocorrendo. Cheguei em casa em total desespero. "Eu pequei ". "Eu pequei". "Mas não cheguei a fazer nada". "Me perdoa, senhor". "Me perdoa". Comecei a ler bíblia e me aliviou um pouco.

O carnaval chegou. O retiro da igreja também. Eu fui pro retiro e fiquei confinado lá por uns quatros dias. Lembro-me muito bem. Me apaixonei por um garoto hétero que estudava comigo. Ele era muito lindo. Não nos falávamos. Mas sentia como se falássemos. Ele era bem atraente. E nós dois estávamos no mesmo retiro do igreja. E por uns quatros dias esse garoto me deixou perdidamente apaixonado. Mais um detalhe: ele era hétero.

Mas eu não me importava. A noite a mulher do pastor lia cartinhas de amor e amizade numa caixinha onde as pessoas botavam as cartas anônimas ou não. E eu escrevia de modo anônimo as minhas cartas para que ninguém descobrisse, e depois enchia essa caixinha de bilhetes meus me declarando para esse menino. Quando ela lia eu ficava olhando pra ele, pra ver como ele reagia. Todos urravam e ele ficava tímido.  Acho que ele ficava se perguntando quem seria que escrevia essas cartas. Era noite. E isso era uma diversão para nós.

O retiro foi chegando ao fim. E era hora de partir. Nunca tive coragem de falar pra ele que eu tava gostando dele, isso nunca entrou nos meus planos em contar. Mas então partimos. E minha paixão ficou de lado. Porque quando tudo terminou, ele foi embora, eu fui embora, e minha paixão platônica fora se acabando.

Mas foi então que resolvi, após o retiro, me decidir. Depois do retiro não fui mais a igreja. Assumir para mim mesmo que era gay. E que não adiantava mais esconder. Comecei a praticar atos sexuais. Aos poucos fui me acostumando que ser gay era uma coisa natural. E que eu nascir assim. E que serei sempre assim. E que isso é normal.

E hoje estou aqui contando para vocês. Me sinto feliz por pensar diferente.

O inverno já bateu as caras. Dezembro de 2018. O inverno chegou. Ele podia ter esperado mais duas semanas para ter chegado. Assim eu não me preocuparia em ir pra escola.

Com amor, Edson

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