Prefácio - Anotação Zero

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Inerte em frente à porta, eu a encarava como se ela estivesse me chamando incansavelmente a cada minuto, ou melhor, a cada segundo.

Aquela era a minha quarta tentativa consecutiva do dia. Quarta tentativa fracassada de apenas passar por ela sem ao menos encará-la, mas lá estava eu novamente, paralisada, decorando cuidadosamente cada detalhe da larga moldura de madeira antiga e escura que a moldava.

Curiosamente, eu ainda me lembro de erguer a cabeça enquanto fechava os meus olhos. Inspirando fundo o ar estranhamente denso que me rodeava a fim de tornar a minha respiração regular novamente. Eu já havia perdido o seu ritmo há algum tempo, e ainda não sabia dizer quando ele havia sido roubado de mim, e até então, enquanto eu escrevo isto, não obtive a resposta...

Vamos, qual é o problema? Adverti a mim mesma naquele instante, e como recompensa, consegui reabrir os meus olhos com um novo tipo de sensação. Talvez a chamada "determinação" finalmente tivesse se apossado do meu corpo, mas eu darei um spoiler contraditório: ela não ficou por muito tempo, ou pelo menos não tanto quanto eu precisava dela.

Patética...

Não sendo tão incomuns, são por situações como estas, onde um longo diálogo interno surgiu ao ponto de eu não me lembrar de sua maioria, que ainda questiono o porquê de insistirmos em tomar determinadas decisões, ou o porquê de passarmos por inúmeras situações expondo e contraindo para si diversos sentimentos, mesmo sabendo que a única pessoa que iremos prejudicar é a nós mesmos ao tentarmos poupar o outro, decidindo, ou não, algo crucial ou até mesmo fútil em nossas vidas. Fazemos isso até mesmo sem perceber, somos praticamente moldados para isso, e de minha parte, quem sabe isso seja apenas um desabafo, eu ainda não sei, mas no final, a única coisa que titubeia em minha mente, é o fato de eu já ter ouvido que na maioria das vezes nós nunca percebemos quando estamos enlouquecendo.

O engraçado disso, é que eu nunca achei que estivesse, não até que alguém fizesse com que eu questionasse as minhas próprias ações...

Meu Deus, vejam só. Eu me perdi, não foi...? Podemos recapitular...?

E mais uma vez, ainda em frente à tão repentina e assustadora porta, eu a confrontava como se alguém estivesse me despertando de uma dormência profunda, onde sussurrava o meu nome a um ponto que me fazia acreditar a afetar o meu inconsciente.

E se estivesse de verdade? Seria realmente um problema dentre tantos outros que eu ainda possuo?

Não, mas é claro que não, isso era apenas algo dentro de mim, que gritava para que eu a encarasse, para que eu a enfrentasse, ou melhor, para que eu enfrentasse o que havia lá dentro, por detrás dela.

Era ela quem me protegia, me mantendo segura ao lado de fora...

Ainda que eu não tenha a certeza se o enfrentei do modo correto, acredito que se estou escrevendo sobre isso agora, cabe a mim interpretar como algum tipo de vitória, mesmo que seja timidamente pequena.

A minha primeira "vitória" ...

Com toda a certeza eu não me lembrarei com precisão, mas acredito que em poucos minutos mais tarde, ou talvez até bem mais do que isso, quando eu finalmente havia conseguido reunir coragem para tocar a maçaneta, percebi o quanto as minhas mãos suavam, e isso me assustou.

Como uma engrenagem, o meu corpo passou a mover-se sozinho a partir dali, sem que eu tivesse tempo de contestar qualquer ação tomada por ele, e assim que entrei, me recordo de ter sido engolida por uma densa e completa escuridão. Ela que, por um instante fez com que o ar em meus pulmões se esvaísse como em uma bexiga que acabara de ser solta de seu nó, e me vi estremecer de repente. Me lembrando dela agora, ainda consigo sentir a sensação de vazio, e por reflexo, agora me vejo encolhida.

VERDADE ROUBADAOnde histórias criam vida. Descubra agora