[14] Naqueles frios corações

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Assim que caminho em direção a entrada, a porta da frente se abre revelando um enorme sorriso de minha mãe e logo atrás está meu pai com seu famoso terno. Os dois estão com roupas sociais: provavelmente a caminho de alguma festa.

Passo a mão pelo meu rosto e percebo que algumas lágrimas escaparam. Por que não consigo parar? Como posso ser tão fraca? Chorei mais nos últimos dias do que em dois anos, o que está acontecendo comigo? Qual é o meu problema? Com esses pensamentos em mente corro e me escondo no quintal antes que meus pais percebam que cheguei ou que estava chorando.

- Amor posso comprar um colar da Tiffany?! É tão bonito, está fazendo o maior sucesso!

- Claro, claro querida, desde que não me importune mais - O senhor Baker diz com uma cara ranzinza ao telefone, o que não me surpreende.

- É por isso que te amo benzinho -Ela diz marcando a data de entrega do produto.

Como podem agir assim com minha vó no hospital? Nem ao menos ligaram, sequer a colocaram num quarto melhor! Qualquer coisa! Um pouco de amor pela mãe, sogra e a mim...

- Lauren -Meu pai interrompe meus pensamentos quando os dois param pouco a frente da saída da casa -Onde está Anne?

- Não faço a mínima ideia, aquela menina mimada deve estar por aí desfilando com suas roupas vergonhosas, deveríamos comprar algumas coisas melhores para ela, parece que fica mal com tudo -Assim que pronuncia essas palavras ela empina o nariz.

- Como pode uma mulher ser tão desengonçada, nem parece ser minha filha -Robert diz com um tom enojado.

- Já não a considero minha primogênita há muito tempo, deveria mandar ela a uma escola feminina bem longe daqui! Para não nos importunar com sua desprezível presença.

- Não podemos, Anne precisa comparecer as minhas reuniões, os funcionários não podem imaginar como ela é de verdade. Gostam de sua presença e adoram ainda mais o fato de sermos uma família feliz, invejada por todos.

De repente tudo fica embaçado, consigo apenas ouvir o som da limousine se afastando aos poucos. Fico sem expressão, parece que o tempo havia parado naquele mísero segundo, no momento em que descobri que não existia amor por mim naqueles frios corações. Corri. A única coisa que meu cérebro assimila. Sinceramente não sei como comecei a andar involuntariamente. Estava tão magoada e tão despedaçada, só queria sair dali e nunca mais voltar, desejaria sumir desse lugar: simplesmente desaparecer desse mundo cruel e escuro.

Quando recobro a consciência percebo que estou em um balanço, chorando. O antigo parque que meu pai me trazia quando queria trabalhar e eu o atrapalhava. Acho que ele fazia eu gastar minha energia para que me levasse embora e não o incomodasse mais. Antes eu pensava que ele me trazia para me ver brincar e ficava toda contente achando que tinha um admirador. No fundo eu sabia que eles não demonstravam afeição por mim, mas imaginava que era o jeito deles me amarem lá no fundo. Eu sei, fui uma completa idiota, igual ao Luke. Dou uma risada fraca e ouço passos se aproximando de onde estou, limpo minhas lágrimas com a manga da blusa e somente agora vejo meus pelos arrepiados de frio mesmo estando com o casaco de trico, mas ignoro.

- Quem está aí? -Uma voz masculina conhecida diz.

Continuo balançando tentando fazer com que minha aparência melhore um pouco, já fui fraca o suficiente, não quero que ninguém me veja assim.

- Eu perguntei quem é você!

O rapaz alto se aproxima e devido a pouca luz não o reconheço no início, mas a luminosidade vai se adaptando aos meus olhos e relembro a expressão meio irritada e ao mesmo tempo angelical de Luke. Ver seu rosto me acalma de uma forma estranha. Não era o que eu esperava, mas pelo menos Alex e Hazel jamais me verão assim.

- Anne? -Ele diz depois de um tempo me olhando de cima abaixo, deixando meu corpo mais arrepiado.

- Não, é Eleanor Shellstrop.

- Por que está aqui fora? Achei que estivesse cansada para vir -Ele ignora meu sarcasmo e por sorte não nota que estava chorando.

- Vim, algum problema? Vai me expulsar por acaso? - Luke dá um sorriso pequeno e senta no balanço também, bem ao meu lado.

Vai embora! Minha mente grita raivosa, querendo cada vez mais afastá-lo daqui, para que ficasse sozinha, pelo visto meu sarcasmo não surtiu nenhum efeito.

- Baker -Ele se vira para mim com um olhar sério - Eu sei que está passando por um momento difícil, mas eu sinto muito mesmo, não deveria ter te tratado daquela maneira. Passei dos limites.

Minha raiva some instantaneamente, por mais que eu queira usar minha grosseria, minha defesa, nenhuma palavra saí de minha boca, pelo menos não as que eu queria.

- Eu te perdoo, sei que em partes aquelas coisas estavam certas. Eu sei que sou uma pessoa horrível... - Meu cérebro e meu coração travam uma batalha infame, querendo dominar minhas ações - Pretendo continuar assim por um longo período, não me atrapalhe mais, sequer fale comigo sobre meus assuntos pessoais isso incluí minha avó.

Meu cérebro ganhou. Levanto do balanço e caminho com a cabeça erguida, lentamente, com o pouco de orgulho que me restava. Depois de alguns segundos andando para longe dali, sinto uma mão grande e quente pegar no meu pulso.

Em Busca De AnneOnde histórias criam vida. Descubra agora