Capítulo 6

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Foram apenas segundos interminaveis. A escuridão veio rápido mas o chão não se aproximava,  meu corpo parecia estar voando por horas, eu não sentia nada. O zumbido em meu ouvido era tão alto que eu achei que iria estourar meu cerebro, eu não sabia se sairia daqui viva. Tentei me mover e abrir os meus olhos mas eu não sentia nada, não ouvia nada e não conseguia mover se quer um músculo.  A imagem de Lucca apareceu em minha frente e me vi sem saída, era o meu fim e eu fui covarde o suficiente para não lhe escrever um simples eu te amo. Comecei a perder o sentido dos pensamentos, parecia estar saindo do meu corpo.

[···]

- Cosi, não sai daqui ele acabou de chegar. - eu só tinha quatro anos e ele tinha nove, Lucca não era um lutador mas se tornava um herói quando o assunto era me proteger, ele sempre me protegia.

Eu estava escondida no armário esburacado, ele chegou e abriu a porta do quarto, estava bêbado como sempre e jogou a garrafa de cerveja na parede. Ele gritava com Lucca, palavras feias e o batia. Eu não consegui ficar assistindo aquilo. Sai do armário comecei a jogar os frascos vazios de perfume nele, as pequenas cadeiras velhas de madeira e tudo que estivesse ao meu alcance.

- Larga o meu irmão!  Solta ele agora! - o tapa veio mais rápido do que eu pude me esquivar, minha cabeça bateu contra a comoda e o líquido quente escorreu de mim.

- Cosima! - gritou Lucca, ele tentou se aproximar mas foi impedido por ele, por nosso pai. O homem que deveria nos proteger e amar, o homem que deveria me chamar de princesa, ele nunca chamou. Nunca me beijou antes de dormir, nunca disse que me amava, nunca me pós em seu colo. Nunca foi um pai.

[···]

- Cosima! Acorda, olha para mim Cosima! Não me deixa, faz alguma coisa! Mostra que está viva por favor! - era a voz do Daniel me arrebatando da lembrança. Aos poucos eu começava a sentir meu corpo mas junto disso veio a dor das feridas, eu queria gritar mas não conseguia. Abri ligeiramente os olhos mas não conseguia os manter abertos. - Graças a Deus! Você vai ficar bem, eu prometo.

Estávamos no acampamento, eu consegui ver o teto verde da barraca, eu estava sobre a maca dobrável, podia sentir os ferros em minhas costas. A dor dos ferimentos aumentavam a todo segundo, devo ter me machucado muito.

- Ela está com febre... Guto! Ela não está aguentando a dor... vamos ter que usar a ampola de morfina. - senti o ferimento nas costas doer tão forte que a voz saiu em um urro dos meus lábios.

- Não tem mais morfina, ela usou a última ampola na Luiza. - Guto se aproximava, eu senti o termômetro gelado encostar em minha pele e tremi.

- Porra, Cosima! Você usou a morfina pra retirar uma bala?! - ele não entendia, nenhum homem entendia o que era ser uma mulher nos fuzileiros, tinhamos que ser tão fortes quanto eles mas Luiza não era assim, ela não tinha essa garra, não tinha essa força.

- Para de gritar Daniel, que porra! Você não ajuda em nada! - meu corpo gelou por completo, um líquido quente começou a subir por minha garganta, eu não conseguia respirar. Meu corpo começou a tremer fortemente, não tinha forças para me mover. - Ela está entrando em choque! Pega a manta agora!

Ele não viu, Guto não viu que eu estava sufocando, lutando para respirar. Me senti afogar dolorosamente e a pressão em meu cérebro diminuir até tudo que eu podia ver era a escuridão de um lugar solitário. Eu sempre soube os riscos, sempre soube que um dia isso poderia dar errado, que as coisas andariam para trás e eu nunca mais o veria. Eu não podia mais cuidar do Lucca.

[···]

Quando eu acordei estava deitada em minha cama, Lucca tinha uma mancha roxa em dos olhos e alguns cortes no braço mas estava sentado ao meu lado limpando minha testa que escorria sangue.

- Oi princesa. Ainda dói? - eu sempre fui a princesa do Lucca, sua garotinha. Sorri esquecendo totalmente do que tinha acontecido.

- Não, eu estou bem. - sentei sobre a cama macia com lençóis sujos de sangue e do tempo. Ele me abraçou forte e começou a chorar, foi quando eu percebi que Lucca não era uma muralha, ele não podia suportar tudo sozinho eu tinha que ser sua base, tinha que ser forte também.

- Eu não te protegi... desculpa... me desculpa... - fiz um leve carinho em seus cabelos  e beijei sua testa.

- Eu vou te proteger agora, vamos embora. - me afastei, eu era tão pequena. Tudo que aprendi foi o Lucca que me ensinou. Peguei uma mochila velha e coloquei algumas roupas leves, ele me encarava assustado. - Eu quero um pai de verdade e eu vou encontrar um.

Rage - Novas Espécies [L6]Onde histórias criam vida. Descubra agora