O Tempo é o inimigo

Capítulo 2 - Outra realidade

As grades de ferro eram o único cenário para enxergar. O local além de sujo não tinha uma fonte de luz. As correntes que a prendiam pelos pulsos vinham da parede atrás de si, a deixando pouco confortável e sem muitos movimentos possíveis. Lorrayne já estava ali por cerca de uma hora, apenas esperando o momento em que os seguranças de Eclípcia voltariam para a levarem para seu destino imprevisível.

Morrerá assim que mergulhar nas águas mágicas da fonte ou realmente chegará a pisar em Mercurinonis? Será que na verdade tudo sobre o portal é mentira e partirá desse mundo afogada sem ter a ajuda de ninguém? Os questionamentos no meio de tanto silêncio e confusão deixavam Lorrayne apavorada, sem saber o que fazer, como reagir, o que pensar...

Os sons pareciam não ter mais sentido, as cores já não eram as mesmas, até a batida do seu coração era estranha para si. Nada estava certo e nunca mais estaria. Não sabia se as correntes realmente estavam funcionando em seus pulsos, não tentara uma única vez se soltar. E Dmitri? Como ele estaria? Nunca mais veria seu amigo novamente? Não importava, pelo menos estava bem, diferente de sua situação.

De repente escutou um barulho em suas correntes e nos cadeados da cela que a tirou de seus pensamentos conflituosos. Os seguranças tinham chegado, o que significava que seu tempo respirando era pouco.

As celas dos elementares ficavam no subsolo, bem de baixo da bela praça central onde se localiza a temida fonte de água azul cristalina. Saindo desses túneis escuros junto com quatro guardas do governo, que seguravam as correntes que prendiam seus pulsos, mais e mais pessoas apareciam em seu campo de visão conforme era abalada pela repentina claridade.

Eclipcia estava totalmente diferente dos sentimentos que ali se encontravam. O sol quente e bonito iluminava as lindas flores das praças, dos jardins e dos quintais das residências ao redor, o vento não estava forte, trazendo somente uma brisa suave, causando um leve balançar nas folhas das árvores. As crianças, alheias sobre o que acontecia em sua frente, brincavam tranquilamente.

Não era nenhuma surpresa o que vinha a seguir, sempre era a mesma cena que se repetia. O elementar era obrigado a ficar em cima de um grande degrau de mármore que alcançava a borda da fonte, vários Antistius Sosianus e pessoas encaravam tudo com julgamento e até mesmo tédio, e por fim Austin Black aparecia com sua filha mais velha, em um carro luxuoso e vestindo um terno mais caro ainda.

Porém, o julgamento de Lorrayne tinha algo para diferenciar dos outros. Sua família não estava chorando por ela ou tentando a livrar do terrível fim, pelo contrário, seu pai estava indiferente e sua irmã apresentava ter uma expressão tão iluminada e feliz que nem precisava de um sorriso para demonstrar o que sentia.

O comandante de todas as regiões de Palladino, confiante e com uma postura digna de um salvador, se pôs diante de sua filha e a fitou fixamente. Lorrayne se assustou ao encarar os olhos verdes de seu pai, olhos tão parecidos com os dela, que antes tinham afeto e carinho e agora não tinha nada, nem ódio, nem raiva ou muito menos pena ou arrependimento, apenas o nada.

Como não percebeu antes? Era tão cega e ingênua... o verdadeiro monstro sempre foi o homem em sua frente. Toda vez que ele pedia para ela se comportar, para engolir o choro e as reclamações, para não demonstrar o que sentia e para não ser fraca não era uma forma de proteção ou preocupação e sim uma forma para manter as aparências de perfeição.

Sua irmã não dava conselhos bons, tudo que fazia era tentar a manipular para se afastar de Dmitri, que era uma "má influência", e de seu próprio pai por pura inveja. Não conseguiu escutar o discurso de seu pai, estava perplexa, percebendo que tudo que viveu até ali foi nada mais que uma mentira, tudo menos os momentos em que passou com Dmitri, quando podia ser ela mesma.