O Tempo é o inimigo

Capítulo 29 - O sangue de um ser superior

— Nunca pensei que ficaria tão feliz por ter um espelho. — Lorrayne se analisava no banheiro e estranhamente falava sozinha. Ver seu reflexo na água era completamente diferente de um espelho, e durante o ano tinha até certo medo de não se lembrar mais do seu próprio rosto ou alguma mudança acontecer e não perceber. — Só agora me dei conta que tenho 17 anos! Meu aniversário passou e nem ao menos sei quando foi...

Seus olhos verdes pareciam maiores que antes e o brilho da cor mais... sincero? Verdadeiro? Talvez era somente a sensação de não estar escondendo nada de ninguém e vivendo cada dia como se fosse o último, isso obviamente gera alguma mudança até no olhar de alguém. Seu cabelo ondulado não possuía mais o mesmo brilho e maciez, estava com um loiro tão apagado quando o de Hector, mas Lola não se incomodou e até achou interessante o quanto estava diferente por estar sem químicas, completamente fios naturais.

Seu rosto tomava mais forma e sua pele traços característicos da sua família que antes não tinha, mas suas bochechas continuavam rosadas por nenhum motivo aparente. Seus lábios mesmo sem batom não ficavam sem cor, pelo contrário, a cor avermelhada natural fazia um efeito incrível para sua pele branca e isso era uma coisa que ela nunca tinha reparado. Podia dizer que estava até mais bonita e que estava conhecendo detalhes sobre ela mesma que não prestava tanta atenção antes, por que ela escondia essa beleza com pinturas fortes?

— Lola! Pare de falar sozinha no banheiro e saia logo daí. Não sei se lembra, mas você não está morando sozinha. — Dmitri reclamou enquanto encarava a porta trancada no corredor minúsculo e estreito que ligava todos os cômodos, também minúsculos, da casa de teto duvidoso. — É claro que você tem 17 anos, pensou que o tempo iria parar para você?

— Você tem um olhar contrariado adorável. — Lorrayne abriu a porta de repente, começando a rir automaticamente ao ver um Dmitri de mau-humor. Ele tinha o rosto cheio de marcas e roupa amassada apesar de nem ter realmente dormido, mas acabou com o seu livro pesadíssimo no rosto depois de viajar em pensamentos distantes e esquecer do porquê de estar deitado e lendo. — Está triste porque mesmo fazendo mais um ano de vida continua sendo o mais novo do grupo, estou certa?

— Errada! Idade não quer dizer absolutamente nada, tenho mais capacidade que qualquer um. — Dmitri respondeu de forma rabugenta a puxando pelo braço, trocando de lugar com a garota em instantes. — E um ano de diferença não é tanto assim.

E a porta já fraca recebeu mais uma pancada forte por ter sido fechada com raiva, estremecendo até a maçaneta velha que por pouco não pulou em Lorrayne que, em um suspiro cansado, se encaminhou com calma e preguiça até a cozinha, que estaria vazia se não fosse por um gordinho se torturando com sua própria mente e um ex-comandante aos risos.

— A inteligência tem ao lado a loucura e podemos apreciar aqui um ótimo exemplo disso. —Castiel argumentou, ainda rindo da histeria de Frederick que continuava nessa insistência de sentir pena de si mesmo. — Escute a voz da experiência, garoto, sinta orgulho dos seus erros para poder aprender com eles. Eu sei porque erros foi o que eu mais cometi nessa vida.

A cozinha assim como o restante da casa, se é que poderia ser considerada uma já que só se tratava de um pequeno quarto, cozinha simples e um banheiro, possuía paredes descascadas e sem cores definidas pelo desgaste do tempo. Os móveis diferentemente de como era em Palladino eram todos construídos de ferro e não por madeira, o que explicava o porquê da natureza de Mercurinonis ser tão equilibrada. Então logo levava a questão de tudo estar enferrujado, mas firme.

O telhado era a parte mais preocupante do cubículo em que viviam, que dava sinais apavorantes a todo momento. Estalos no meio da noite tiravam o sono dos elementares, mas quando se recordavam que a torre do deserto era ainda pior voltavam a dormir de forma mais tranquila.