Capítulo 31 - Jogos mentais

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"Compreendo, o momento chegou. O dia em que percebeu que para você viver é necessário eu morrer, mas tudo bem, eu sei que você tem aguentado a vida todo esse tempo para eu viver, você tem vivido por mim. Agora está na hora de retribuir, certo? Irei morrer por você."

Suas pernas, apesar de completamente curadas, tremiam nos passos arrastados, seu cabelo era jogado brutalmente para trás pelo vento frio e revolto e suor escorria em sua testa se juntando com as lágrimas sufocadas que manchavam o seu rosto pálido.

Uma ventania anormal se formava por Mercurinonis, arrancava árvores e levantava parte da superfície, como se até a natureza do estranho mundo estivesse em luto naquele instante.

Hector carregava com seus braços finos e magrelos o peso do seu pecado, mas era esse o preço a se pagar pelos seus interesses. O preço da sua liberdade valeria no fim? Já era tarde para se questionar.

Andava quilômetros que pareciam infinitos, pegando um caminho sem volta e uma trajetória que ele mesmo criou. As palavras que seus pais lhe disseram uma vez no seu passado nunca fizeram tanto sentido como naquele momento, sim, ele era não só a destruição da família, mas como também de tudo ao seu redor.

A diferença era que agora ele gostava disso e tinha escolhido destruir.

Os sentimentos... aos poucos Hector entendia mais sobre eles graças as suas experiências passadas na escrita, porém ele já não sabia dizer se isso era bom ou ruim, no final não fazia tanta diferença para ele, embora seus olhos amarelados mostrassem algo completamente diferente. Seus olhos estavam possuídos por puro desespero e essência de dor, olhos que antes eram tão vazios.

Tudo estava confuso, Hector já não sabia dizer o que era certo e errado, se suas convicções estavam firmes e se seu objetivo continuava o mesmo. Seu raciocínio e seus pensamentos eram o total oposto do que sentia e expressava, como poderia ocorrer tamanha contrariedade dentro de alguém? Parecia que uma parte crucial dentro do seu peito tinha sido roubada e esmagada para sempre, que tinha sido morta, enquanto por outro lado algo novo nascia livre e aliviado.

— Hector?! — Uma voz alarmada o gritou não muito distante de onde ele estava. A escuridão da noite e a poeira erguida pelo vento forte dificultavam o reencontro do grupo, um grupo agora provavelmente destruído.

Ao ouvir o chamado, que pelo tom de voz fino e barulhento denunciava ser Merópe Maia, Hector parou de analisar suas próprias incompreensões, voltando para a realidade que tinha criado. Não dava mais tempo de escutar dúvidas, era tudo ou nada, não tinha como voltar atrás... não tinha, então não restava escolha, tinha que seguir com seu plano inicial que vinha ocorrendo como sempre imaginou, o plano de recomeço para ele, sem arrependimentos ou culpa.

Então tratou de voltar a chorar, agora era a hora da atuação do grande final. Sim... porque não tinha como se arrepender nessa altura do jogo.

Uma mão quente e delicada tocou o seu ombro com certa hesitação e automaticamente Hector foi ao chão, não que isso fosse muito difícil para fazer uma vez que suas pernas tinham essa vontade de cair de joelhos há tempos naquela noite inesquecível, os sobreviventes finalmente tinham alcançado eles.

As lágrimas que podiam ser comparadas a um rio pela velocidade em que caíam, sendo falsas ou não, atingiam a pele apagada e sem brilho de Sayla que permanecia sendo agarrada pelos braços do irmão. Hector piscava freneticamente fitando o rosto já completamente sem vida de sua querida irmã mais velha, ainda em dúvida se era mesmo realidade. O corpo inanimado da garota tão alegre e cheia de luz estava frio, a temperatura da morte, a temperatura de Hector por dentro.

O Tempo é o inimigoOnde histórias criam vida. Descubra agora