O sol da primavera brilhava no horizonte, anunciando o fim daquele dia. A água batia contra as rochas do píer, lançando gotículas de água para cima, mas que rapidamente se dissipavam no ar. Apertei a alça da mochila e encarei as cicatrizes no meu braço que, àquela altura, já eram praticamente imperceptíveis e indolores. Eu aceitei que aquelas marcas me seguiriam pelo resto da vida, como um lembrete indesejado do que tinha acontecido.
Nova Luz havia sido destruída e o que restara estava sendo saqueado a cada dia que se passava. Uma pequena parte dos militares agora fazia a segurança do refúgio e Samuel era constantemente consultado quando certas decisões precisavam ser tomadas. Apesar da aparente tranquilidade, eu sabia que o medo de uma nova invasão pairava no ar, deixando todos nervosos. Quando o inverno acabou, as primeiras pessoas começaram a deixar o refúgio, seja por terra ou em um dos barcos, e esse era o principal motivo pelo qual área perto do porto estava tão movimentada.
Todos queriam sair dali e encontrar um local que fosse seguro.
Um local seguro.
Seguro.
Estranhamente, essa palavra havia perdido completamente o sentido para mim. O mundo não era mais seguro, na verdade, ele nunca fora. Todos viviam em uma mentira e preferiam acreditar nela apenas para se sentirem mais felizes, mas agora a realidade os atingira como um banho de água fria.
Vi Connor se destacar de um pequeno grupo e então se aproximar de mim a passos rápidos. Depois de meses vivendo naquele refúgio, eu sentia que estava na hora de partir.
– E então?
– Consegui falar com Kenny e ele cedeu um espaço para nós na balsa. – Connor respondeu. – Partiremos daqui a pouco.
– Tudo bem. – falei enquanto abaixava o olhar para Willy. – Ainda há algo em seu estoque?
– Este ajudante detecta que o estoque se encontra em cinco por cento.
– É o suficiente? – Connor arqueou uma sobrancelha e perguntou.
– Vai depender da situação. – expliquei. – Mas, em poucas palavras, não.
– Nesse caso, temos que encontrar uma cidade quando descermos da balsa. – ele disse, passando uma das mãos pelos cabelos.
Meneei a cabeça de maneira afirmativa. Um apito tocou em algum lugar e o barco parado atrás de mim começou a se mover – àquela altura, o número de pessoas na passarela tinha diminuído um pouco.
– Vamos subir? – indaguei, apontando na direção da balsa.
– Por mim, tudo bem. – Connor deu de ombros.
Passei por entre as pessoas e subi pela rampa de metal até o primeiro nível da balsa, onde alguns passageiros já esperavam pela partida. Entrar naquela embarcação depois de um tempo fez com que um calafrio percorresse meus braços. Procurei um canto afastado perto da balaustrada de ferro e fechei os olhos, sentindo fantasmas povoarem a minha mente. A situação era outra, as coisas haviam mudado e eu não estava mais pretendendo atravessar a baía. Não tinha motivo para eu estar sentindo aquilo, não havia.
Senti alguém tocar o meu ombro e abri os olhos.
– Tudo certo? – Connor perguntou, sustentando um olhar preocupado.
– Sim, eu só... ainda não me acostumei a andar de barco.
– Este ajudante pode listar alguns métodos eficazes para aliviar o seu mal-estar.
– Não precisa, Willy. Eu já estou me sentindo melhor.
Ele inclinou a cabeça para lado e mudou de posição, ficando ao meu lado. Outro apito soou, dessa vez oriundo da cabine onde Kenny se encontrava, e as pessoas paradas na passarela começaram a entrar na balsa. Fitei o pôr do sol por alguns segundos e, pelo canto do olho, reparei que Connor fazia a mesma coisa.
O céu estava tomado por algumas nuvens e era possível ver alguns dos prédios de Santa Cecília, mas que não se encontravam nos limites do refúgio e sim numa região bem mais afastada. Houve um ruído metálico agudo quando a rampa foi recolhida e a balsa começou a se mover lentamente. O vento soprava, intensificando o marulho.
– Posso te fazer uma pergunta? – murmurei, voltando o olhar para Connor ao meu lado.
– Pode. – ele enrugou a testa enquanto falava.
– Naquele dia, no posto de gasolina... – engoli em seco antes de continuar. – Por que não me matou? Estava com a faca no meu pescoço.
Vi-o comprimir os lábios e em seguida encarar as mãos de maneira pensativa.
– Porque você hesitou. – seu tom era grave e ao mesmo tempo calmo. – Quando me encarou daquela forma, percebi que você estava tão assustada quanto eu.
– Foi Willy quem detectou que você estava lá.
– Foi mesmo? – ele fitou o ajudante. – Então devo mais a você do que imaginava.
Balancei a cabeça e voltei o olhar para o horizonte. Enquanto assistia a balsa se distanciar do refúgio, as lembranças de tudo o que havia acontecido vieram à mente e eu respirei fundo. Parecia irreal que eu havia passado por tudo aquilo e ainda assim tinha conseguido chegar ali e viva. Depois de meses, eu já não era mais a mesma pessoa e as cicatrizes que haviam pelo corpo estavam lá para reforçar aquilo. Me aproximei um pouco mais de Connor e entrelacei meus dedos aos dele, enquanto Willy permanecia parado entre nós. Involuntariamente, um sorriso surgiu em meus lábios.
Afinal de contas, eu não estava sozinha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Terminal 25
RomanceEm um mundo destruído pela Guerra, onde não há leis ou governo, o que sobrou da humanidade enfrenta a dura realidade de estar à mercê da sorte. Diante das dificuldades e do perigo, todos almejam ir para Nova Luz, a procura de uma vida melhor. Após a...