02 - Respiro

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10:15

Merda, merda, e mais merda! Dessa vez eu estou ferrada!

Caio da cama, literalmente, em desespero, vou até o colchão do Carioca, mas ele não está lá. Espera, não, ele não faria isso, ele não pode ter ido à escola e não ter me chamado! Eu vou matar esse menino!

Pego meu celular para ligar para ele e tem uma mensagem dele, na verdade, um áudio: "Eu sei que tu tá pensando em mil maneiras de me matar, mas tu precisava dormir, então conversei com a minha mãe e ela fez um atestado para você, portanto, tu teve uma cólica aguda e está de cama, já deixei o atestado na secretaria e tu não vai pegar nenhuma detenção, pode voltar a dormir."

Por mais que minha vida tenha virado de cabeça para baixo neste um ano, tem momentos, como este, que eu me sinto extremamente sortuda por ter amigos tão maravilhosos e por seus familiares me tratarem como se eu realmente fosse da família. Mandei uma mensagem em agradecimento e voltei a dormir.

Acordo com os meninos pulando em cima de mim, eu dormi muito mais do que devia.

— Bom dia, bela adormecida! — fala o Zica me encarando com seu sorriso de sempre. Ele tem um sorriso tão largo que às vezes acho que ele tem mais dentes que o normal.

— E aí gente, — falo enquanto me sento na cama ainda sonolenta — perdi muita coisa hoje?

— Nada, só revisão de prova. — Responde Gabs, com cara de entediado.

— Está melhor agora? — pergunta o Carioca.

— Bem melhor! Sua cama é maravilhosa!

— Ela fica melhor comigo nela. — Me provoca, como sempre.

— Nah, não achei não! — entro na provocação também.

— Beleza, mas agora sério, vamos comer? Estou morrendo de fome! — Zica reclama, mas ele está sempre com fome, ele é daqueles que morre de comer e não engorda, dá raiva até.

— Como sempre, né? — provoca Carioca. — Vou ver se o almoço está pronto. — Diz e sai do quarto.

— E eu vou tomar um banho! — aviso enquanto me levanto.

20:15

— Mano, não dá mais, já cheguei no meu limite, se eu ouvir mais alguma coisa sobre genética eu me mato! — reclama Zica apoiando sua testa na bancada do Fargo.

Ele fecha o livro e desamarra o cabelo, ou seja, ele desistiu real de estudar. Não sei o porquê, mas sempre que o Zica quer se concentrar ele amarra o cabelo dele, é todo um conjunto, ele amarra o cabelo, franze a testa e faz um bico de lado, pronto, quando ele está assim, significa que ele está totalmente concentrado. Ele fica bonito desse jeito, gosto quando ele amarra os dreads dele e fica compenetrado, parece que ele envelhece uns 5 anos, fica com cara de mais responsável, porque quando junta o dread solto e seu sorriso largo, ele tem cara de menino, se bem que eu acho que é por conta do seu ar de galã. Seu sorriso é lindo, é o mais bonito dos três, e é tão branco que contrasta com a sua pele preta e reluzente.

— Também desisto, biologia não é comigo! Como você consegue gostar dessa matéria horrorosa? — pergunto para o Gabs, mas eu já sei a resposta.

— Porque eu quero ser médico. — Responde bem seco, pensando que esquecemos, mas isso é meio impossível, desde que o Gabs era pequeno, ele sonha em ser médico. Na real, foi quando sua mãe sofreu um grave acidente quando ele era mais novo e se não tivessem a levado às pressas para o hospital ela não teria sobrevivido, a partir daquele dia ele se encantou por medicina.

— Não vejo a hora, aliás, sua especialidade tem que ser dermatologia, em um ano minha pele envelheceu 3 anos, sabe, assim não dá. — Brinco com ele.

— Então quando eu terminar a residência em dermatologia sua pele vai estar de uma senhora de 80 anos. — Me zoa.

— Aff, aí também não é pra tanto.

— Será? — Ele me dá um sorriso de atiçado. — Mas sai fora, quero ser cardiologista.

— Cirurgião cardiologista. — Fala Zica soando entediado. — Todos nós já sabemos.

— Vai a merda! — responde Gabs empurrando o Zica.

— Oh Gigi, você podia fazer um misto pra gente, hein? — pede o Zica.

— Morto de fome! Mas é uma boa, estou com fome também.

Os deixo sozinhos no balcão e vou fazer a nossa comida, mas na hora entra mais dois clientes, e eu vou atendê-los. Como os pedidos dos clientes eram grandes, demorei meia hora para terminar os deles e o nosso, já estava desmaiando de fome, assim como os meninos.

— Mano, o Carioca nessas horas deve estar se pegando com a Lia e a gente aqui comendo misto. — Fala Zica desanimado, a Lia é a garota dos sonhos deles dois, mas acabou que ela se interessou pelo Carioca, só que nada mudou entre os dois, era até engraçado ver a disputa deles por ela.

— Ele está estudando biologia, na prática. — Fala o Gabs e começamos a rir.

— Deixa ele, está apaixonado. — Falo e na hora lembro do começo do meu namoro com o Victor ... credo.

— Apaga essa cena aí. — Gabs me provoca, ele sabe que eu pensei no Victor pela minha careta.

— Deletada. — Digo.

Quero o Victor onde ele está agora, no passado, no qual eu era a Giovanna Volkov, uma adolescente rica que morava com o pai em seu casarão no alto de pinheiros e que sua mãe morreu quando tinha 5 anos e namorava o garoto que paga de galã no colégio. Agora essa Giovanna não existe mais.

Desistimos de estudar e ficamos conversando sobre as férias, o Zica vai para o litoral do Para, que é onde a maior parte da sua família mora, ele adora passar as férias lá. O Gabs vai para o interior do Mato Grosso do Sul, ele não gosta muito, mas é onde o pai dele mora, sempre fala que o fim do mundo é lá, para chegar na cidade é mais de 24 horas de ônibus, o sonho dele é ser rico só para ir de avião até lá, o José vai para Rio de Janeiro com a família também. Sou a única que ficará aqui, trabalhando todos os dias.

O Gabs, assim como Zica, é bolsista, a mãe do Zica é a chef do refeitório e a do Gabs trabalha na secretaria do ensino infantil, os dois moram no mesmo prédio na Mooca. Morei com eles, quando sai de casa, uma semana em um e outra semana no outro, por dois meses até conseguir uma vaga aqui no Fargo. Amo tanto as mães deles, a Dona Lídia, mãe do Gabs é bem-educada, correta, e cuidadosa, uma típica japonesa, o Gabs brinca que na vida passada ela foi uma grande rainha, já a Dona Fátima é extrovertida, gosta de uma boa bagunça — principalmente um bom brega — e parece que desconhece a palavra tristeza, o mais engraçado é que às duas são melhores amigas.

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