— Filha — meu pai me acorda —, seu telefone está tocando. — Por quanto tempo eu dormi?
Até que eu retorne à consciência, o telefone desligou. Levanto da cama, vou atrás do meu celular, que está jogado no sofá. A Carol me ligou, duas vezes. Será que aconteceu alguma coisa?
Retorno a ligação.
— Ca, você me ligou? — pergunto assim que ela atende.
— Sim! Estou atrapalhando?
— Magina! Estava dormindo, acordei agora. Como você está?
— Então, liguei para fazer uma proposta. — Diz soando empolgada.
— Eita, devo me preocupar? — Zoo ela.
— Não, a proposta é ótima e é o que estamos precisando nesse momento. Abriu um lugar bem maluco em pinheiros que é tipo um lugar para descontar suas raivas e frustrações, tipo, você pode quebrar tudo e bater em tudo! Vamos, por favor, estou precisando e imagino que você também! — Ela faz uma voz de criança mimada.
Um lugar onde posso quebrar e bater em tudo? É cada coisa que inventam! Não queria sair daqui, mas fiquei curiosa. Rasgar a carta da minha mãe me fez bem, quem sabe, se eu quebrar coisas me faça bem também? Não custa nada experimentar.
Aceitei ir.
*
O lugar é exatamente o que a Carol falou: um lugar para quebrar e bater em tudo que você imaginar. Tem de tudo aqui, tem uma cozinha enorme com mil louças para quebramos à vontade, tem a área do banheiro com vários vasos sanitários para quebrarmos com um taco de beisebol, na parte do quarto tem várias fronhas e lençóis para rasgamos, na sala tem televisões, radio e CDs, na academia tem muitos sacos de batatas para batermos. Enfim, mil opções, porém só podemos escolher três áreas, optamos pela cozinha, sala e academia.
Na cozinha podemos quebrar até quinze louças, na sala, dois aparelhos e até cinco CDs, na academia podemos escolher um saco de batata e fazer o que quisermos com ele.
Começamos pela cozinha, pego um prato e jogo com tudo no chão, a sensação é realmente boa, de alívio. Me empolgo, quebro mais pratos e xícaras, jogo no chão e na parede. Fecho os olhos e penso no que quero eliminar de dentro de mim e só jogo, alguns com mais força que outros.
A Carol consegue liberar seu ódio muito mais do que eu. Depois do quarto prato quebrado, todos os outros foram quebrados com força do ódio, grito e lagrima.
Quando acabamos na área da cozinha, vamos para um lugar com uns sofás, que imagino que seja para nos recuperarmos.
— Ca, você está bem? — pergunto preocupada, ela chorou muito, sendo que mal começamos.
— Estou ficando. — Diz com um sorriso aliviado. — Sei que seus problemas são muito maiores, mas isso não quer dizer que os meus não doa. — Ela fala sem graça.
— Ei, eu sei que tenho muitos problemas, mas não quero que você, ou ninguém, pensem que meus problemas anulam os de vocês, pelo contrário, quero saber e ajudar vocês sempre, assim como vocês me ajudam todos os dias. — Digo séria.
Sempre tive essa insegurança de pensar que consumo meus amigos com os meus problemas e tiro o espaço dos problemas dele. Não quero que eles tenham receio de vim até mim e compartilhar seus medos e problemas, quero ajudá-los sempre que eu puder.
— Desculpa! É que, às vezes, parece que você está tão sobrecarregada que, se eu te contar algum problema, vou estar piorando sua situação. — Diz sem jeito.
— Pelo contrário, ouvir problemas alheios faz com que eu esqueça os meus, e acredite, quero sempre esquecer os meus. Mas me conta, é a Daniela?
— Sim, — ela senta em um dos sofás — tem dias melhores e outros piores, esse é um dia pior. — Sento do lado dela. — É louco pensar que eu quero que ela me procure, que fale que me quer, que me ama, sendo que ela já me humilhou várias vezes! Sei que isso não é amor, mas continuo insistindo nessa relação sem futuro, mas ... mas para que? No que isso vai me beneficiar?
Nossas situações são diferentes, mas nós duas temos o mesmo problema que é: sabemos dos nossos problemas, mas não sabemos como parar de sentir o que sentimos, e é isso que nos mata. Saber que, o que sentimos, não é certo, porém não conseguimos mudá-lo e, consequentemente, brigamos com nos mesmas, nos culpamos por sermos incapaz de para de sofrer por algo que não vale a pena.
— Em nada. — Respondo sua pergunta. — Mas hoje você fez algo bom, usou sua crise para se aliviar, ao invés de ligar para ela. Sei que vai ter dias que você vai querer ir atrás dela e vai acabar indo, mas tudo bem, com o tempo vai melhorar, e ... sei lá, me liga cada vez que você pensar em ligar para ela. — Tento consolá-la, mas não sou tão boa quando o Gabs.
— O Alex fez isso, ele trocou o número dela, nos meus contatos, e colocou o dele, sem que eu soubesse, aí um dia fui ligar para ela e ele que atendeu, acabou ajudando, mas só uma vez, na outra eu já sabia, ai não adiantou.
Porque me incomoda saber que os dois estão tão amigos? Deveria estar feliz por isso! Outra raiva para eu descontar.
— Então me chame sempre para cá! — Falo em um tom zoerio, mas eu toparia, com certeza teria raiva e frustração para liberar.
— Olha que eu chamo! — Ela se levanta. — Vamos, temos umas televisões para quebrar.
Amei a parte da sala, foi mais divertido. Sempre quis quebrar uma televisão, sensação de sonho realizado. Como foi mais diversão, não foquei nas minhas raivas, o que foi bom também, vou deixar para o saco de pancadas da academia.
O saco de batata, na verdade, é um saco com areia dentro, um saco bem grande, quase um metro e meio, pendurado por um cabo. Começo a bater nele sem pretensão, só pra ver se é duro e se ele balança muito. Quando eu me acostumei, fechei os olhos e imaginei no que ou em quem eu gostaria de bater e só segui meus impulsos.
Eu fiquei igual a Carol na cozinha, bati no saco aos berros e choro. Veio tanta imagem na minha cabeça: minha mãe, meu pai, o hospital, o Victor, o Alex e até eu mesma, e foi o mais doloroso. Me ver como uma inimiga, ou algo que não me faz bem é agoniante, e bater em mim mesma, mesmo a outra eu sendo um saco de areia, dói, dói fisicamente, mas no final o alívio veio bem mais forte do que na cozinha. Sinto que aqui eu me liberei por total.
Agora é vez da Carol me levar para a sala dos sofás.
— Deu uma de Caroline? — ela brinca.
— Fui influenciada. — Brinco também, não tem muito o que falar, ela já sabe dos meus BOs, não sabe da carta, mas não quero contar, quero esquecer. — Mas então, vamos falar de coisa boa, o que você conta?
— Comprei meu vestido da formatura ontem, me amei nele. Mas vocês só vão ver no dia!
— Não comprei nem o da colação, imagina o da formatura.
— Pode parar por ai, você não tem nenhum? — pergunta chocada.
— Não, eu sei que estou atrasada. — Falo sem jeito.
— Tudo bem, vamos na quinta?
— Vamos! você sabe onde ir?
— Sei, conheço seu gosto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Segunda Chance
RomanceAo descobrir um segredo que seu pai guardara por anos, Giovanna sai de casa, com apenas 16 anos. Após um ano do ocorrido, ela ainda tem dificuldades em retomar sua vida, que antes glamourosa, agora mora em um depósito de uma cafeteria, a qual trabal...