Por mais que ontem tenha sido ótimo, hoje só consigo pensar no meu pai. Ele não sai da minha cabeça, estou preocupada, de verdade, com ele, mas não queria. Não queria me importar com ele, mas não consigo.
Resolvo ir embora, as meninas ficaram, afinal, o dia está lindo e o pai da Lia decidiu fazer um churrasco para as meninas, mas não estou com cabeça para isso. Aviso que eu preciso resolver um problema sério, não quis entrar em detalhes, mas o bom da Lia é que ela sabe que eu não sou muito de me abrir sobre os meus problemas pessoais e ela não insiste em saber.
*
Eu não passo perto dessa rua desde que eu sai de casa, setembro do ano passado. A sensação é que não venho há séculos aqui, apesar de que, a rua continua igual, mas o que eu estou sentindo é como se eu reconhecesse esse lugar, não dessa vida, mas de outra, é um sentimento nostálgico e distante.
Ainda não decidi se entro ou não, estou consumida pelo medo. Medo de entrar em uma casa que foi minha por tantos anos, medo de sentir saudades, medo de querer voltar, medo de ver meu pai, medo de não o ver, medo de não me reconhecerem mais e não me deixarem entrar, medo do meu antigo quarto não existir mais, medo dele está exatamente igual, medo de reviver tudo de novo.
Não sei o porquê, mas ainda tenho a chave dessa casa, nunca tirei do meu chaveiro em formato de um pedaço de pizza, eu e os meninos temos os mesmos chaveiros que juntando dá uma pizza inteira, temos eles há uns bons anos. Poderia usá-la para entrar, mas corre o risco de não ser a mesma e alguém pensar que estou tentando arrombar a casa, ou corre o risco de ser a mesma e, ao entrar, alguém não me reconheça e ache que estou invadindo a casa, então opto por tocar a campainha, no caso o interfone.
Hoje é domingo, mas sempre tem funcionárias na casa, então não demora muito para alguém atender.
— Giovanna? — uma voz feminina sai do interfone.
Como que a pessoa sabe que sou eu sendo que eu nem falei nada?... Ah, claro, as câmeras.
— Isso! — falo olhando para câmera com um sorriso simpática.
— Que alegria! Que dia abençoado! — a porta abre automaticamente e eu já sei quem é que está falando comigo. — Entra, querida!
Respiro fundo antes de entrar, mas recuo assim que entro por completo dentro da casa, ela é linda, não posso negar, e gigante, o jardim de entrada é sempre impecável, a grama sempre verde e com cheiro de recém cortada, o muro cercado por roseiras amarelas silvestres, a horta de vegetais e hortaliças do lado esquerdo e do lado direito as árvores frutíferas: limoeiro, jabuticabeira, macieira e amoreira, bom, até o momento está tudo exatamente igual. A garagem é um outro acesso, por tanto, não sei se o meu pai está aqui, mas a Maria está e já saiu da casa ao meu encontro.
Espera, ela está chorando?
— Giovanna! — fala com um sorriso largo e com a voz embaraçada, vindo em minha direção. — Meu Deus, eu sabia, eu sabia, eu sabia que esse dia ia chegar — ela chega mais perto e consigo ver suas lágrimas caindo dos seus olhos, ela está muito emocionada, ela gostava tanto de mim assim? —, Giovanna, você está cada dia mais linda! Minha filha, você cresceu tanto!
Ela me abraça logo que se aproxima de mim, eu tinha esquecido do seu abraço, como eu pude esquecer dele? Ele é tão reconfortante, é similar ao abraço da mão do Zica, consigo sentir o amor que ela sente por mim.
Por que nunca a procurei? Saí de casa por causa do meu pai, não por causa dela, eu não deveria ter a excluído da minha vida assim, ela não merecia isso.
— Maria! — choro no seu abraço. — Me desculpa, fui horrível com você, não deveria ter te abandonado, me desculpa por não ter procurado você. — Peço desculpas enquanto choro arrependida das minhas atitudes.
Ela se afasta e me encara, também chorando. Maria é a funcionária mais antiga da casa, ela é a governanta, sim, a casa do meu pai tem governanta. Ela sempre foi um amor comigo, me tratando com muito carinho e atenção, as vezes, acreditava que ela queria compensar a falta de uma figura materna para mim, as vezes ela conseguia. Porém, ela nunca foi de brigar comigo, sempre fazia de tudo para agradar a mim e ao meu pai e, apesar de tudo, meu pai sempre a tratou com muito respeito e profissionalismo, acho que é por isso que ela gosta tanto dele.
— Oh, minha linda, tudo bem, não se culpe, você teve seus motivos, o que importa agora é que você voltou! Seu pai vai ficar tão feliz! Ele sente tanto sua falta, você não faz ideia, essa casa nunca mais foi a mesma desde que você foi embora.
Quanto mais ela fala, mais eu choro. Nem consigo listar os motivos pelo qual estou chorando, mas não estou conseguindo controlar.
— Maria, ele está aqui? — pergunto enquanto me recupero.
— Está sim, querida!
— Maria, eu preciso que você seja a mais honesta comigo possível. O Nicolau está mesmo doente? — uma pequena parte minha espera que ele tenha mentido para mim.
— Oh, minha querida — ela volta a chorar —, ele está mesmo doente.
Sinto uma pontada no meu coração, como se tivessem arrancado algo de dentro dele.
— O quão doente ele está?
— Muito doente, o médico dele não acha que ele passe do começo do ano. — Ela dá um pequeno sorriso de consolação. — Mas você conhece seu pai, ele é forte, não cai fácil, se você voltar, aí sim, ele vai se sentir bem melhor.
— Eu não estou aqui para ficar, vim apenas para conversar com ele. — Falo, não quero que ela crie expectativa.
— Tudo bem, querida, pelo menos você veio, vamos.
Ela vira de costas para mim e anda em direção a casa, hesito por um instante, será que a casa continua igual?
A cozinha continua a mesma, alguns utensílios novos, mas a bancada, os armários, pisos e eletrodoméstico são os mesmos, não sei o porquê esperava algo diferente, meu pai é clássico e tradicional, não gosta de mudanças. Porém, a casa está sempre limpa, arrumada e com a decoração intacta. A cozinha e o meu quarto são os cômodos diferentes, a cozinha é toda branca de mármore e com toques de metais banhado a ouro, o meu quarto também é — ou era — branco, mas nada de dourado, tem muita madeira clara e toques de azul bebê, sempre achei a decoração da casa muito escura e pesada, é uma mescla de vermelho bordô com dourado e um toque de verde musgo, clássico até demais para o meu gosto.
A Maria avisa que meu pai está no escritório, ela ficará para fazer um chá para nós, disse que já está na hora do remédio dele. Quantos remédios ele deve tomar por dia? Será que ele tomava esses remédios quando eu ainda morava aqui?
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Segunda Chance
RomanceAo descobrir um segredo que seu pai guardara por anos, Giovanna sai de casa, com apenas 16 anos. Após um ano do ocorrido, ela ainda tem dificuldades em retomar sua vida, que antes glamourosa, agora mora em um depósito de uma cafeteria, a qual trabal...