A ansiedade para a chegada da sexta-feira foi tão grande que, além de não conseguir pregar o olho está noite, tive uma enorme dor de barriga durante a madrugada.
Além de ser o meu último dia no Fargo, hoje os meninos e a Dona Fátima vão ver meu pai no hospital, e esse é o que me deixa mais nervosa. Quero que meu pai goste deles e eles do meu pai, na verdade, o maior medo é dos meninos e da Dona Fátima não gostarem dele, medo deles não enxergarem nenhuma mudança nele, medo de eu estar me iludindo por achar que ele mudou. Mas estou me mantendo positiva, eu não posso ter me iludido tanto assim, eu sei que ele mudou.
Os meninos já não aguentam mais ouvir sobre hoje, estou enchendo o saco deles essa semana para eles não falarem nenhuma besteira perto do meu pai. Não acho que falariam, mas é bom frisar.
Quando eu entro no Fargo a Bia e o Rick estão no balcão com seus sorrisos largos e acolhedores, já sinto as lágrimas enchendo os meus olhos.
— Parem de me olhar assim! Vão trabalhar! — digo em uma mistura de sermão com risada enquanto enxugo as lágrimas.
— Ela acha que pode mandar na gente. — Bia brinca.
— Acho que ela se esqueceu que eu sou o chefe dela e posso demiti-la a qualquer hora. — O Rick entra na brincadeira.
— Desacato a autoridade, digno de demissão. — Continua Bia.
— Querem saber? Não sou obrigada a ouvir isso, eu mesma me demito, hoje mesmo! Não aguento mais esse ambiente tóxico com pessoas tóxicas. — Brinco também, vou sentir muita falta disso.
O Rick não costuma trabalhar sexta à tarde, mas hoje ele trabalhará por dois motivos: por ser meu último dia e ele quer estar presente na hora em que eu perguntar ao Thiago do porquê dele tomar só chai latte. Então resolvemos deixar essa grande e importante pergunta para o meu último dia.
Sexta é sempre bem movimentado aqui, mas conseguimos nos divertir e aproveitar esse dia final. O Rick não contou a Bia quem ficará no meu lugar, ele só está fazendo isso por implicância, ele sabe que está a deixando louca, confesso que também estou me divertindo à custa do seu desespero em saber quem é o coitado, por mais que eu também queira saber quem e como é essa pessoa que tomará meu lugar.
Finalmente, faltando menos de uma hora para fecharmos o Fargo, chega o Thiago, sem a Gabi. A Bia me empurra para o caixa, pois o combinado foi que eu fizesse a pergunta, no momento parecia uma ideia boa, mas agora não concordo mais.
— Boa noite, Thiago, tudo bem? — falo com um sorriso simpático, porém por dentro estou nervosa.
— Tudo ótimo, seu último dia, não é? — ele responde com a mesma simpatia.
Aí, como que eu vou fazer essa pergunta?
— Sim! — merda, não consegui falar mais nada.
— Você vai fazer falta.
— Obrigada, — eu consigo, eu consigo. É só uma pergunta idiota, mas consigo sentir os olhos da Bia e do Rick me fitando para fazer logo a pergunta, o que me deixa tensa — sentirei falta de fazer chai latte para você e a Gabi.
Ele ri, okay, esse é o momento.
— Aliás, posso fazer uma pergunta?
— Claro.
— Por que você sempre pede chai latte? — consegui perguntar!
Ele ri de novo, um pouco mais longo dessa vez.
— Sabia que você faria uma pergunta dessa. — Diz rindo, ainda bem que ele é simpático — Eu era viciado em café, desde pequeno, tomava umas 10 xícaras por dia, mas tive um problema de saúde sério por causa do café e tive que parar, hoje em dia nem sinto falta.
Mentira!! Ele não pode estar falando sério ... espera ... tenho que permanecer calma, não posso me exaltar, vou assustá-lo, também não posso me virar e olhar as expressões dos dois, porém estou louca para vê-los.
— Sério? — consigo perguntar, mas não tão calma quanto gostaria.
— Verdade, faz uns cinco anos que eu não tomo café.
Eu deveria ter apostado com a Bia, a teoria do vício foi minha, a minha teoria é real! Ele era realmente viciado, não era apenas um cara que não gosta de café como tínhamos receio que seria.
— Desculpa, mas você por acaso frequentou alguma reunião de viciados em café? — a Bia surge do nada e faz essa pergunta, sem noção, para o Thiago.
— Bia! — brigo com ela e volto a olhar o Thiago — Não liga, ela é doida. — Tento me desculpar, mas o Thiago está rindo muito.
— Um AA de viciados em café? — ele pergunta ainda rindo.
— Sim, mas no bom sentido. — A Bia só piora a situação.
— Você é engraçada, por que você acha que eu frequentei ou frequentava um AA? — pergunta, parando um pouco de rir, mas ainda com um largo sorriso.
— É que ... ai ... — ela não está conseguindo pensar em nada.
— A verdade é que como você nunca pediu nada com café aqui, começamos umas teorias do porquê você não tomar café, uma das teorias era que você era um ex viciado em cafeína. — Falo no lugar dela antes que ela fale alguma besteira.
— E a parte do AA é que nem você e nem a Gabi bebem café, aí pensamos que ela também é uma ex viciada e que vocês se conheceram em um AA da vida. — Bia completa.
Ai Senhor, que ele não fique chateado com a gente!
— Meu, vocês são doidas. — Ele volta a rir com força, isso é um bom sinal, não é?
— Desculpa, — o Rick finalmente aparece, provavelmente estava tentando se enterrar no chão de tanta vergonha alheia — elas são doidas, mas são legais.
— Tranquilo, — ele para aos poucos de rir — a Gabi não gosta de café, ela que me apresentou ao chai latte, não a conheci em nenhum tipo de AA.
— Tudo bem, só de saber que uma de nossas teorias estava certa, já estamos felizes! — responde Bia com um sorriso mais largo que seu próprio rosto.
— Obrigada por não ficar com raiva da gente! Hoje seu chai latte é por minha conta. — Digo satisfeita.
Hoje foi o único dia que eu fiz um chai latte com uma enorme felicidade. Não poderia ter melhor encerramento do que esse.
O Thiago acabou sentando no balcão e ficou conversando com a gente até chegar a hora de fecharmos.
— Tem certeza que você quer mesmo sair daqui? — Bia pergunta com cara de choro.
— Tenho, mas já falei que eu vou vir sempre aqui. — Tento consolá-la, virei toda semana.
— Tudo bem, acho bom mesmo. — Ela me puxa para um abraço — Vou sentir saudades de você, sua chata.
— Eu também vou sentir a sua. — Abraço-a com mais força.
— Não vou fazer discurso, porque senão você se dá por satisfeita e não vem mais aqui. — Fala, saindo do abraço.
— Ótimo, não estou a fim de chorar muito.
Agora eu abraço o Rick.
— Obrigada por tudo, por me dá um teto, um trabalho, amigos e, principalmente, por acreditar em mim, serei eternamente grata por tudo que você fez por mim. Você pode contar comigo para qualquer coisa, sério mesmo. — Nunca serie capaz de expressar o quão grata eu sou por ele.
— Oh minha querida, você sempre será bem-vinda aqui, obrigada você por tudo, boa sorte! — ele me dá um beijo na bochecha e sai do abraço.
O Rick sempre foi um fofo, mas nunca foi bom com as palavras, o que ele falou pode parecer seco, mas conhecendo ele, isso é quase um "saudades e gosto muito de você".
Encerro meu um ano de trabalho feliz e satisfeita. Assim que eu saio do Fargo, me vem uma ideia do que fazer com a minha herança, mas antes de falar com o meu pai sobre isso, preciso deixar tudo organizado e escrito, já estou empolgada para organizá-la.
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Segunda Chance
RomansaAo descobrir um segredo que seu pai guardara por anos, Giovanna sai de casa, com apenas 16 anos. Após um ano do ocorrido, ela ainda tem dificuldades em retomar sua vida, que antes glamourosa, agora mora em um depósito de uma cafeteria, a qual trabal...