10

263 26 9
                                    


“Sooyoung!” Sentiu sua blusa ser agarrada e ela foi puxada com toda a força para trás, impedindo seu atropelamento, quase como um anjo da guarda, apesar de Sooyoung não acreditar em anjos.
A garota olhou para trás, ainda em choque, com as pernas e as mãos trêmulas, substituindo a imagem de seu atropelamento pela visão do rosto da pessoa que havia acabado de salvar a sua vida: Kim Jiwoo.
O rapaz do carro parou o veículo e desceu do mesmo, indo em direção as duas garotas.
“Você é maluca, garota? Não viu o sinal, não?” Ele perguntou de forma agressiva, então Jiwoo, que estava aparentando mais calma, deu um passo à frente. “Eu poderia ter te matado!”
“Eu sei que o senhor está nervoso, mas por favor, releve. Ela não está bem.” A religiosa tentou argumentar.
“Quem não está bem sou eu! Essa menina louca quase ferrou com a minha vida!” O homem a cortou, com o rosto ficando cada vez mais vermelho. “O que aconteceria se eu tivesse atropelado ela?”
Jiwoo, então, segurou na mão de Sooyoung e a puxou para trás, afastando-a do motorista alterado.
“Essa discussão não vai levar ninguém a lugar algum, senhor.” Jiwoo argumentou, continuando a afastar Sooyoung do homem.“Vamos embora.” A garota sussurrou, arrastando Sooyoung e com medo daquele homem ser ainda mais agressivo com elas.
Por sorte, o homem foi contido por outros motoristas que pararam seus carros, enquanto Jiwoo praticamente corria levando Sooyoung pela mão. A mais velha estava muda e parecendo uma criança assustada.
Após algumas quadras e a certeza de que aquele motorista não as seguiria, Jiwoo parou e virou-se para encarar Sooyoung, ainda sem soltar a sua mão.
“O que te deu? Por que você atravessou a rua daquele jeito? Se eu não estivesse aqui, você poderia ter se machucado muito ou até pior.” A garota começou a falar freneticamente, agora descarregando toda a adrenalina que havia sido obrigada a segurar e sem coragem de pronunciar o resto da hipotética desgraça que poderia ter acometido a outra adolescente.
“Sooyoung...” Jiwoo sussurrou bastante preocupada com o estado em que a outra se encontrava e também imaginando o que poderia ter acontecido para deixá-la de tal maneira.
A religiosa tocou no rosto da outra, que ainda permanecia imóvel, e tirou uma mecha de seus cabelos negros da frente de seus olhos.  Jiwoo comprimiu os lábios, e decidiu que o melhor a se fazer era dar um abraço na outra, que a abraçou devagar e colocou a cabeça em seu ombro.
“Obrigada.” Sooyoung sussurrou entre soluços e lágrimas, ainda confusa com tudo o que havia acabado de acontecer.
“Você está bem? O que está havendo?” Jiwoo perguntou, ainda mais confusa, mas não obteve nenhuma resposta. “Sooyoung, você não está em condições de ir pro ensaio, é melhor voltar pra casa.”
“Eu não... não quero voltar pra casa agora.” Sooyoung respondeu ainda muito abalada, deixando a outra menina um tanto perdida, sem saber o que fazer de imediato, mas logo, ela teve uma ideia.
“Tudo bem, vamos pra outro lugar então.”
“Mas e o ensaio da banda?”
“Eu mando uma mensagem pra Hyunjin, ela cuida de tudo, pois já sabe bem o que fazer.” Jiwoo garantiu e abriu um sorriso tímido, na esperança de dissipar aquela energia ruim e pesada que pairava sobre Sooyoung.
Jiwoo apertou um pouco a mão da mais velha antes delas seguirem até a casa da primeira, mas Sooyoung soltou a mão de Jiwoo assim que reconheceu a fachada do lugar.
“Eu não posso entrar aí!” A mais velha falou firme, chamando a atenção da outra. “Se o seu pai me vir, ele vai contar pra minha mãe, e ela iria querer saber o que está acontecendo. Vai ser apenas preocupação desnecessária.” Ela explicou assim que viu a confusão no rosto da outra.
“Fique tranquila, meu pai não está em casa.” Jiwoo garantiu e voltou a pegar na mão de Sooyoung. “Ele está no escritório da igreja e só volta mais tarde. Não precisa se preocupar.”
Mais tranquila, Sooyoung decidiu aceitar o convite, afinal, ela não estava em condições de ficar andando sozinha por aí, e também tinha certeza que Jiwoo não deixaria ela fazer isso.
As duas garotas seguiram pela casa, e Jiwoo guiou Sooyoung até a cozinha, onde a mesma deixou a guitarra guardada em um canto e sentou-se junto a mesa.
“Obrigada por ter me salvado.” Sooyoung agradeceu tímida, enquanto Jiwoo preparava um chá de folha de abacate com erva-doce. “Chega a ser até estranho como você apareceu do nada.”
“Eu não apareci do nada. Eu te vi saindo de um carro cinza, te chamei duas vezes, mas você nem me ouviu e quase que por um milagre eu consegui te alcançar antes daquele carro.” Ao ouvir que a garota havia visto ela saindo do carro de Kahei, Sooyoung empalideceu de novo. “Foi Deus quem salvou você.”
“Jiwoo, por favor, pelo o amor que você tem em Deus.” A mais velha começou e juntou as duas mãos. “Não fala pra ninguém que você me viu saindo desse carro. É sério.”
“Eu não gosto de mentir, Sooyoung, isso é pecado.” A garota mais nova respondeu.
“Eu entendo, mas veja bem, eu não estou pedindo pra você mentir, só pra você não mencionar essa pessoa do carro.” A rockeira argumentou. “Ela é uma amiga que a minha mãe não aceitaria, você compreende?”
Jiwoo suspirou fundo e depois mordeu o lábio inferior. Estava dividida. Não queria arranjar problemas para Sooyoung, mas também imaginava que havia bons motivos para que Gyuri não quisesse sua filha com amizade com aquela pessoa.
“Por favor, Jiwoo.” Sooyoung insistiu, fazendo uma carinha de cachorro que caiu da mudança.
“Tudo bem, se isso é importante pra você, eu não vou falar nada pra ninguém.” A religiosa acabou por concordar, fazendo a outra abrir um sorriso aliviado. “Mas eu acho que você deveria pensar bem e avaliar se uma pessoa que te deixou assim, quase a ponto de ser atropelada, merece a sua amizade.”
“É complicado.” Foi a única coisa que ela conseguiu responder.
Sooyoung não queria ficar falando sobre Kahei com Jiwoo, afinal, ela poderia acabar falando demais e soltando algo que não deveria, e mesmo que a outra jovem não fosse uma má pessoa, ela ainda era uma evangélica e provavelmente tinha a cabeça cheia de preconceitos e pré-julgamentos, e Kahei era o tipo de pessoa que poderia deixá-la escandalizada.
Após alguns minutos, o chá de Jiwoo ficou pronto, e ela o serviu em uma caneca branca para a outra, e se serviu um pouco em outra caneca também.
“Você fica sozinha assim todos os dias?” A mais velha questionou após tomar um gole da bebida, que estava deliciosa e bem docinha.
“Eu não fico sozinha, eu fico com Deus.” Jiwoo respondeu confiante e Sooyoung se segurou pra não rir daquela resposta que parecia tão besta, mas que era verdadeira para a outra.
“Eu falo sobre o seu pai, ou qualquer outra pessoa, humana, de carne e osso.” Sooyoung explicou com certo sarcasmo, mas Jiwoo ignorou o seu tom.
“Meu pai trabalha cuidando da parte administrativa da igreja todos os dias, e também faz visitas aos irmãos enfermos que estão acamados ou hospitalizados.” Ela explicou. “Às vezes minha prima vem aqui, às vezes eu vou na casa dela, mas a maior parte dos meus dias são assim: Deus e eu.”
Naquele momento, Sooyoung entendeu o porquê da jovem se animar tanto com aquele casamento de Donghae e Gyuri. Com uma nova família, ela não passaria mais as tardes de forma tão solitária.
“Eu fico treinando meu canto, tocando as músicas da igreja, algumas músicas que eu gosto, estudo a palavra, isso sem contar as tarefas da escola.” Jiwoo completou sorrindo. “E você, costuma fazer o quê nas suas tardes?”
“Ah, eu fico na internet, vejo TV, e agora eu treino com a guitarra também. Nada muito interessante, né?” Sooyoung respondeu, percebendo que ela também era muito solitária.
Talvez as duas não fossem tão diferentes assim.
“Você gostou do chá?” Jiwoo mudou o assunto assim que notou uma pequena mudança na fisionomia da outra.
“Ah sim, está muito bom.” Sooyoung respondeu e abriu um sorriso simpático. “Você cozinha? Faz as tarefas domésticas?”
“Sim, eu ajudo o meu pai a cuidar da casa, é o mínimo que eu posso fazer.” Jiwoo começou e depois olhou vagamente pela janela e soltou um suspiro. “Meu pai cuidou de mim tão bem depois que a minha mãe se foi, teve que se desdobrar pra que nunca me faltasse nada, tanto material quanto emocional. Ele é um homem muito bom.”
Sooyoung assentiu, sem muito a acrescentar. Era notável que Jiwoo sentia muito amor e admiração pelo seu pai e não era pra menos. Ela só conseguia imaginar como era ter um pai que fizesse tudo aquilo por ela.
Yangnam nunca lhe tratou mal, e dava pra ela tudo o que dava pra Hyejoo, mas também nunca fez questão de esconder o fato de que não era seu pai biológico e pouco se importou com ela após ter saído de casa, mesmo a conhecendo desde muito pequena.
“Sooyoung, você me pediu para guardar um segredo seu, então acho justo eu poder te pedir uma coisa também, não acha?” Aquelas palavras de Jiwoo fizeram a atenção de Sooyoung voltar para ela.
“Depende, né? Depende bastante do que você vai pedir.” A mais velha respondeu sincera, fazendo a outra soltar um risinho.
“Não é nada demais, eu só queria perguntar se você gostaria de ir ao cinema comigo.” Sooyoung arqueou as sobrancelhas e piscou algumas vezes, totalmente surpresa com o convite.
“É... quando?”
“Não sei, pode ser no sábado?” Jiwoo sugeriu, mas a outra logo se lembrou de seu ensaio com a banda.
“No sábado eu já tenho um compromisso, que tal na sexta?” Jiwoo prontamente concordou e logo outra questão surgiu na cabeça da rockeira. “Mas nesse encontro...” Sooyoung deixou escapar inconscientemente e recebeu um olhar totalmente surpreso da outra. “...Digo, passeio, vamos estar só eu e você, não?” Ela deixou um riso sem graça escapar.
“Eu pensei em chamar outra pessoa tamb...”
“Ah não vai me dizer que é aquela sua prima chata?” Sooyoung logo perguntou, sentindo até um certo enjoo ao se lembrar de Hyunjin e sua casa de nojo pra ela.
“Ela tem nome, é Hyunjin.” Jiwoo repreendeu a garota de forma séria, mas estava disposta a não deixar aquilo acabar com a conversa progressiva que estava ocorrendo entre elas. “Mas não, não é ela.” Sooyoung não fez questão de esconder o suspiro aliviado com aquela resposta. “É a sua irmã, a Hyejoo.”
O alívio de Sooyoung logo acabou e ela fez uma careta.
“Hyejoo?” Ela reclamou. “Olha, sem brincadeira, ela é insuportável e com certeza não vai querer ir, já que ela passa todo final de semana com aquela outra chata amiguinha dela, a Chae Won.”
“Você não deveria falar assim, ela é sua irmã.” Jiwoo disse calmamente.
“Exatamente por ela ser minha irmã é que eu falo com propriedade.” Sooyoung argumentou. “Ela é uma praga, e quando nossos pais se casarem, você vai ver com os seus próprios olhos e se lembrar que eu tinha razão.”
“Não custa nada tentar.” A religiosa respondeu e Sooyoung apenas suspirou melancólica ao perceber que não 'venceria' aquela discussão. “Você pode me passar o seu número de celular? Pra gente combinar tudo com mais calma?”
“Tudo bem.” Sooyoung concordou. “Mas eu já vou deixar avisado que se você ficar me mandando mensagem de Bíblia ou aqueles “bom dia” com algum salmo junto, eu vou te bloquear.”
Jiwoo soltou uma risada leve e gostosa ao ouvir aquilo e Sooyoung se pegou achando o momento adoravel. Mas nem a religiosa aguentava aquele tipo de coisa.
/=/=/=/=/=/
E assim as meninas ficaram conversando sobre os possíveis filmes que poderiam assistir ao ver os que estavam em cartaz e os horários da sessão na sexta que não viram a hora passar.
Após a conversa, elas foram para o quarto de Jiwoo. Um lugar todo organizado, paredes rosa pastel, cheio de prateleiras com livros e animaizinhos de pelúcia, uma escrivaninha com seus livros escolares e suas cifras da igreja.
“Você consegue tocar algo no teclado?” Jiwoo perguntou e Sooyoung negou.
“Meu negócio é guitarra e violão.”  Ela disse, enquanto Jiwoo se sentou na cadeira e ligou o instrumento.
“Pode se sentar aí na minha cama. Fique a vontade.” Ela disse e a outra se sentou ao lado da outra. “Espero que você goste dessa música.”
Jiwoo começou a tocar as notas de “Your Song”, uma linda balada cantada por Elton John.
“It's a little bit funny, this feeling inside...”
Enquanto Jiwoo cantava, Sooyoung apenas olhava para o seu rosto.
O rosto de Jiwoo ficava lindo quando ela cantava. Seus olhos fechados, seu semblante compenetrado, seus lábios que formavam alguns lindos sorrisos, deixando claro todo o amor que ela tinha pela música.
“... I Hope you don’t mind that I’ve put down in words, how wonderful life is while you're in the world” Ela terminou e olhou sorrindo para Sooyoung, que estava com um olhar perdido e abobado para ela.
“Essa música é bonita, né? Eu gosto muito dela.” Jiwoo comentou, e Sooyoung ficou com um certo estranhamento.
“Ela é a música de um cantor gay.” Ela comentou. “Elton John.”
“Eu sei.” Jiwoo confirmou, deixando Sooyoung estranhamente ansiosa e com um pouco de receio do que poderia ouvir da boca da outra. “Eu não me importo com isso, eu aprecio a arte.”
A rockeira nervosa olhou pela janela no lado oposto de onde estava e viu que os últimos raios de sol já davam pra uma escuridão.
“Caramba, está ficando bastante tarde.” Sooyoung comentou e se levantou da cama. “Eu acho melhor eu ir embora, antes que a minha mãe fique put... fique brava comigo.”
“Eu vou chamar um Uber pra você.” Jiwoo falou, também se levantando e puxando o celular do bolso da calça.
“Não, imagina não precisa.” A mais velha respondeu e abriu um sorriso sem graça. “Eu nem tenho grana pra isso.”
“Eu pago, não se preocupe.” A religiosa assegurou, e continuou a contatar o app. “Eu faço questão que você chegue bem em casa.”
“Você é muito legal comigo, Jiwoo.” Sooyoung disse levemente coradas e envergonhada. “Eu nem sei se mereço tudo isso, sinceramente.”
Mas as palavras de Sooyoung não foram suficientes para fazer Jiwoo desistir do Uber, então em questão de alguns minutos, um carro chegaria ali para buscá-la.
A jovem pegou a guitarra, suas coisas e seguiu com a filha do reverendo Kim até a porta da sala, que dava acesso a rua.
“Obrigada por todas as coisas que você fez por mim hoje.” Ela agradeceu Jiwoo, que sorriu e lhe deu um abraço, o que deixou Sooyoung surpreendida mais uma vez naquele dia.
Ali, nos braços da outra, Sooyoung pôde sentir o quanto o performer que exalava de seu corpo era bom. Ela poderia ficar o dia todo agarrada a garota e não enjoaria de seu aroma.
Elas ouviram um carro buzinando e isso fez com que soltassem, já que muito provavelmente era o Uber pedido por Jiwoo.
“Me manda uma mensagem assim que chegar em casa, por favor.” A religiosa pediu e a outra jovem assentiu.
“Pode deixar.” Respondeu sorrindo. “Até mais, Jiwoo.”
“Até mais, Sooyoung.” A outra respondeu. “Que Deus te acompanhe.”
A garota entrou no carro e falou o seu e endereço para o motorista.
O caminho foi tão rápido, Sooyoung nem percebeu os minutos passando, pois estava sorrindo bobamente pensando na tarde tão legal que teve ao lado de Jiwoo.
Assim que chegou em sua casa, tirou o celular do bolso e mandou um “Eu cheguei bem. Obrigada pelo dia e tenta uma boa noite.”
Ela recebeu emojis de corações coloridos como resposta e riu, afinal, era bem a cara da outra.
Suspirou fundo e mordeu o lábio inferior, guardando o celular no bolso, e pegando a chave para entrar em casa.
“Ai ai...”


You're my sunshineOnde histórias criam vida. Descubra agora