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“Eu gosto de você.”
Essas palavras ditas por Sooyoung ecoaram pela cabeça de Jiwoo durante toda a madrugada e ela mal conseguiu pregar os olhos, mesmo estando bastante cansada.
Parece que a insônia já estava se tornando uma rotina em sua vida e isso era aterrorizante. Passar noites em claro era uma das coisas mais desagradáveis que já tinha vivenciado. E pra piorar por mais que quisesse, não conseguia parar de pensar em Sooyoung.
A rockeira era o seu primeiro e último pensamento todos os dias, ou seja, literalmente Jiwoo estava acordando e pensando nela, e isso não era normal. Ninguém nunca havia lhe causado algo semelhante em toda a sua vida.
Era desesperador como aquele sentimento parecia incontrolável e tão maior do que a própria Jiwoo. Tão maior que a sua própria fé, que suas convicções, já que tinha perdido o total controle de suas ações e se deixado guiar pelos seus instintos primitivos, que buscavam somente o prazer ao beijar e depois se deixar ser beijada em seu quarto horas antes.
Era como se existissem duas personalidades dentro de seu ser, travando uma árdua batalha dentro de si. Enquanto uma era totalmente racional, pudica e estava disposta a resistir a todas as tentações, a outra era despudorada, inconsequente e fazia o que lhe desse na telha, mesmo que isso fosse algo moralmente condenável.
Infelizmente a segunda personalidade estava levando vantagem nessa briga.
Jiwoo já estava ficando até sem coragem de se olhar no espelho, pois estava começando a não se reconhecer mais, e por vezes até temia ver o seu reflexo abrir um sorriso maníaco de volta, como pessoas possuídas em filmes de terror.
Podia parecer uma coisa ridícula e exagerada, mas depois de todas essas mudanças em seu comportamento, Jiwoo já não duvidava de mais nada. Ela precisava mais do que nunca arranjar um jeito mais duro e eficiente de lutar contra aquela tentação, pois tudo o que ela havia tentado fazer tinha dado errado até então.
E pensar que Donghae sempre alertava seus fieis sobre os perigos de se dar espaço para que o diabo entrasse em suas casas, pois uma vez ali instalado, era difícil fazê-lo sair, quando justamente ela, a sua própria filha, tinha dado espaço para o Maligno entrar na sua casa.
Era uma triste ironia.
Só não era mais triste e mais irônico do que o que ela sentia toda vez que olhava para aquela playlist que Sooyoung havia lhe mandado, afirmando ter escolhido cada uma daquelas músicas pensando nela.
Isso era uma prova cabal de que o demônio não estava agindo somente contra Jiwoo, mas também contra Sooyoung, colocando sentimentos indevidos em seu coração.
Mas ainda assim, cada uma daquelas canções tinha letras bonitas, com significados profundos, e esbanjavam um único sentimento: amor.
Mas qual tipo de amor? Já que nas definições bíblicas existiam quatro tipos dele, todos definidos por palavras gregas: Ágape, Storge, Philia e Eros.
Ágape era o amor incondicional, perfeito, aquele que Deus sentia pela humanidade, e que os cristãos buscavam alcançar. Um amor espiritual de tão puro, pois era o amor apenas por amar, sem esperar nada em troca.
Storge era o amor familiar, o que unia pais e filhos. Um amor pronto, natural, como o que ela sentia por Donghae e ele por ela.
O amor que ela e Sooyoung deveriam sentir uma pela outra era o Philia, ou amor fraternal. É esse amor que constrói e fomenta os laços entre amigos e irmãos, baseado no carinho, no respeito e na compaixão de uns com os outros. Basicamente a definição de amizade.
Mas, infelizmente, não era esse tipo de amor que Sooyoung estava expressando naquela playlist, e muito menos o que Jiwoo sentia ao pensar na garota e principalmente, quando tocava a si mesma na busca pelo prazer individual. Nesses casos, o amor envolvido era o Eros, ou amor romântico. Esse é o amor baseado na atração, desejo sexual e relações físicas. É daí a origem da palavra “erótica”, que como todo mundo bem conhece, remete a sexo.
Esse tipo de amor não é errado, porém sua prática, na visão divina, só deveria ser vivenciada por um homem e uma mulher, casados perante as leis da igreja, fora disso é pecado, fornicação, luxúria e destruição da alma. O sexo não era pra servir apenas como fonte de prazer, mas sim como meio de criar um laço de almas, maior cumplicidade entre o casal e também para a reprodução da espécie, sendo o prazer apenas uma consequência disso.
Eros era perigoso, traiçoeiro. Foi por ele que Adão e Eva caíram, foi por seu abuso que Sodoma e Gomorra acabaram varridas do mapa.
Poderia ser por ele que sua família encontraria a ruína, e a culpa seria toda sua, e Jiwoo sabia que nunca iria se perdoar e nem ser perdoada se deixasse isso acontecer com o seu lar.
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Sooyoung acordou cedo no domingo, pois para a sua grande tristeza e infortúnio, agora era oficialmente parte da banda da igreja e por isso deveria chegar mais cedo ao culto. Como se aquilo já não fosse chato o suficiente, agora teria que passar mais tempo lá dentro.
Se levantou e desceu da cama, em seguida chacoalhou Hyejoo, que dormia tranquila.
“Mas que merda...” A mais nova murmurou com seu típico mau-humor matinal.
“Acorda, Hyejoo! Deixa de moleza, você vai lá cuidar da nossa mãe, eu vou ter que ir pra igreja.” Sooyoung ordenou, mas Hyejoo simplesmente falou alguns palavrões desconexos e voltou a dormir, se virando no colchão e dando as costas para Sooyoung. “Eu mandei você se levantar!”
Assim a mais velha das irmãs agarrou a outra pela gola de seu pijama, e a puxou com violência, ameaçando derrubá-la do beliche.
O susto fez Hyejoo despertar rapidamente, assustada.
“Mas o que é, porra?” Hyejoo falou alto, irritada. Não tinha paz nem pra dormir.
“Eu mandei você se levantar e ficar de olho na mãe, ela pode precisar de ajuda pra fazer alguma.” Sooyoung explicou, com impaciência. “Levanta essa bunda daí e faça algo de útil nessa sua vidinha mansa.”
“Por que eu? Por que não faz você? Você é a mais velha.” A caçula indagou cruzando os braços, ainda sonolenta.
“Porque eu tenho que ir praquela droga de igreja, esqueceu? Hoje é dia de culto.” Sooyoung respondeu com desgosto e desânimo, enquanto começou a se trocar.
“E ela não vai?” A caçula perguntou, referindo-se a mãe.
“Claro que não, né? Você não ouviu o reverendo Kim falando que talvez ela não conseguisse nem se levantar da cama hoje?” Sooyoung respondeu e Hyejoo assentiu.
Ficar sem ir a igreja era uma maravilha, mas ter que ficar responsável por Gyuri em contrapartida também não era nada agradável, mas Hyejoo não tinha escolha naquela situação.
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Após Sooyoung sair apressada para o culto, pois já estava atrasada, Hyejoo se levantou da cama e foi até o quarto de sua mãe, que estava com as cortinas fechadas para evitar contato com a luz, já que isso sempre fazia sua enxaqueca piorar.
“Sooyoung?” Gyuri chamou, sem conseguir identificar a filha por causa do escuro, onde se podia apenas enxergar silhuetas.
“Não, é a Hyejoo, mãe.” Ela respondeu meio sem jeito, já que ainda não sabia se a mulher ainda estava brava com ela. Provavelmente, sim. “A Sooyoung já foi pra igreja.”
“Ah que bom, pensei que ela tivesse se esquecido.” A mulher comentou e depois ambas ficaram em silêncio e a jovem ficou parada próxima a porta. “É... Você está se sentindo melhor?”
“Sim, minha cabeça está um tanto dolorida ainda, mas já estou bem melhor do que estava ontem.”Gyuri respondeu e então fez um movimento para se levantar, mas Hyejoo correu até a cama.
“Mãe, fica aí, você precisa descansar.” A garota disse, se sentando ao lado de Gyuri. “A Sooyoung me mandou cuidar de você.”
Gyuri soltou um risinho que logo acabou, pois qualquer gesto ou movimento fazia sua cabeça doer um pouco, porém, desde quando Hyejoo obedecia Sooyoung?
“Eu estou com fome, não como nada desde ontem no almoço.” Gyuri falou.
“Não se preocupe, eu faço alguma coisa pra você comer e trago aqui.” A menina ofereceu e Gyuri teve vontade de rir novamente, mas o evitou por causa da dor.
“Você não sabe cozinhar nada, nem mesmo passar um café e não tem nada pronto no armário.” A mulher falou, fazendo Hyejoo abaixar a cabeça por um instante, entristecida por estar tentando fazer algo por sua mãe, e aparentemente Gyuri estar fazendo pouco caso de seus esforços.
Porém, não dava pra negar que Gyuri tinha razão, afinal, ela não sabia fazer nada na cozinha e a única vez que tentou quase botou fogo na casa, junto com Chae Won. Por sorte Sooyoung estava por perto e conseguiu evitar um desastre.
Naquele dia, ela apanhou bastante por ter estragado uma panela e uma boca do fogão de sua mãe, que falou que a surra era uma lição pra ela nunca mais inventar de brincar de chef de cozinha colocando em risco a vida dos outros e a sua própria.
“Desculpa por ser uma inútil.” Disse com amargura. “Seria melhor que a Sooyoung ficasse aqui e cuidasse de você, já que ela é uma filha muito melhor do que eu.” Completou com cinismo.
“Não começa.” Gyuri a cortou de forma seca “Quer ser útil? Faça o seguinte: vá até o meu armário, pegue um dinheiro que tem lá e vá comprar alguma coisa pra comermos agora e também no almoço.”
Hyejoo se levantou da cama e acendeu a luz, indo para o armário e abrindo uma de suas portas.
“O dinheiro está na gaveta aí embaixo.” Gyuri falou, sem olhar para onde Hyejoo estava mexendo, já que cobriu seus olhos com as mãos por causa da luz.
Seguindo a indicação da mãe, a garota se agachou e abriu a última das três gavetas dali, onde havia muitos papéis, contas que haviam sido pagas, e começou a procurar o dinheiro ali naquele pequena bagunça. Não o achou, mas descobriu que nem era só papel que tinha ali.
Ela encontrou uma foto e curiosa foi olhá-la, imaginando que fosse uma imagem de família, mas se enganou: na foto estavam duas garotas adolescentes e com o uniforme escolar, uma ela reconheceu ser sua mãe, mas a outra ela não fazia ideia de quem podia ser.
Gyuri nunca mencionou uma amiga de adolescência.
“Hyejoo, já achou o dinheiro?” Gyuri questionou, já impaciente pela luz na sua cara.
“Mãe, quem é essa garota aqui na foto com você?” Hyejoo perguntou de forma inocente, e isso fez a mulher tirar a mão dos olhos, totalmente espantada.
“Que foto?” Gyuri perguntou, se levantando da cama num pulo, até ignorando a própria dor. “O que você está fazendo com isso? Eu não mandei você pegar só o dinheiro? Quem deixou você mexer nisso?”
Gyuri tomou a foto de Hyejoo com violência, e a garota até se encolheu, não entendendo o motivo de tanto nervosismo por parte da mãe.
“O dinheiro tá em outra gaveta! Na primeira!” Gyuri vociferou abrindo a gaveta e pegando algumas notas e depois a entregando para a filha, que estava tão espantada com aquela situação, que nem conseguiu dizer nada. “Se não te dou as coisas na mão, você não consegue fazer nada direito! Parece até um bebê!”
“Eu achei que era a última gaveta, tinham três, não tinha como adivinhar!” Hyejoo se defendeu também de forma agressiva.
“Cala a boca!” Hyejoo ordenou, sentindo a cabeça doer um pouco mais forte. “Você só vai sossegar quando me vir morta, num caixão a sete palmos debaixo de terra!” Ela acusou a menina. “Agora sai daqui e vai comprar alguma coisa pra eu comer!”
Hyejoo suspirou fundo, irritada por estar sendo esculachada pela mãe de novo, e dessa vez, sem ter feito nada para merecer tal tratamento, e deixou o quarto pisando duro, enquanto Gyuri, sozinha, olhou para a foto em suas mãos e sentiu o coração pesar. Tinha até se esquecido de que aquela imagem havia ficado em seu armário, mas jamais se esquecia de suas péssimas escolhas do passado.
Estava até arrependida por ter tratado Hyejoo daquele jeito, mas não tinha escolha. Haviam coisas que ela não queria que suas filhas soubessem, e aquela foto era uma delas.
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Enquanto seguia para o culto, Sooyoung mandou diversas mensagens para Kahei, contando tudo o que havia acontecido na noite anterior, em busca de uma orientação naquele momento tão eufórico para ela.
Se Sooyoung fosse o Pinóquio, Kahei seria o seu grilo falante, e era por isso que a jovem guitarrista não queria tomar nenhuma atitude drástica, antes de ouvir um bom conselho de sua melhor amiga.
Porém, as mensagens estavam apenas chegando, mas não sendo visualizadas. Provavelmente Kahei ainda deveria estar dormindo depois de ter transado até de madrugada.
A última foto postada pela chinesa em seu Instagram tinha sido com Haseul, onde ambas usavam tiaras com orelhinhas de gatinhos e aqueles filtrozinhos com bigodinhos e focinhos do mesmo animal. A de Kahei era rosa, pra variar, e a de Haseul preta, e a legenda era apenas dois emojis de gatos e um emoji de coração no meio deles.
Sooyoung acharia brega se fossem outras pessoas ali na imagem, mas com Haseul e Kahei aquilo ficou muito fofo. Elas possuíam uma vibe legal, ela tinha que admitir.
Caminhou mais um pouco e chegou na igreja. Todos da banda já estavam ali, inclusive Jiwoo, que foi para quem seus olhos se voltaram instintivamente.
Ao perceber a chegada da menina ali, Jiwoo ficou tensa, e voltou sua atenção toda para o piano, dedilhando algumas teclas e criando uma breve melodia.
Sooyoung foi na cara e na coragem, puxando uma cadeira e se sentando próxima de Jiwoo, que ficou ainda mais tensa com aquela aproximação. Apenas a simples presença da outra, ainda mais tão próxima, já era mais do que o suficiente para deixar Jiwoo desconcertada.
Aquela essência de Rosas-do-Deserto era a sua perdição e ela, definitivamente, não podia cometer um pecado desse tamanho dentro da igreja.
“Oi, Jiwoo.” Ela cumprimentou a jovem religiosa simpaticamente que assentiu e respondeu baixo ao cumprimento. “Toca um lá pra mim, por favor?”
Jiwoo tocou a nota pedida, e assim Sooyoung começou a afinar sua guitarra.
A filha do reverendo manteve os olhos fixos nas teclas pretas e brancas do piano, evitando a todo custo deixar seus olhos recaírem sobre a tentação ao seu lado.
“Você está linda.” Sooyoung comentou de forma aleatório após um certo período de silêncio e Sooyoung não estava mentindo, Jiwoo usava uma saia preta até os joelhos, uma camisa social branca, dessas que vem com gravatinha na cor preta e um blazer da mesma cor da saia por cima, revelando que se tratava de um conjunto, um sapatinho de salto baixo preto com meias brancas, e seus cabelos estavam penteados para baixo e com uma faixa branca enfeitando-os e a já tradicional franga sobre a testa.
Qualquer outra garota vestida daquela maneira faria Sooyoung rir, mas Jiwoo não, quando o assunto era Jiwoo, era difícil de resistir àquela engomadinha.
O coração de Jiwoo acelerou ao ouvir aquilo, sentindo aquela coisa estranha que misturava euforia e medo, gostando sim de ser notada e elogiada, mas também com medo do que isso poderia acarretar, uma vez que agora nem mesmo na casa do Senhor estava livre das tentações de Satanás.
Ela estava fodida de verdade.
“Obrigada.” Jiwoo agradeceu fria, esforçando-se a manter os olhos nas benditas teclas do piano.
“Você gostou das músicas daquela playlist que eu te mandei?” Sooyoung perguntou de forma inocente sobre um assunto delicado.
Jiwoo engoliu em seco e respirou fundo, querendo ter um poder sobrenatural pra simplesmente evaporar dali e ficar por dias, talvez semanas, em algum lugar longe de tudo e todos, até que conseguisse compreender e encontrar de resistir ao que estava lhe acontecendo.
“Eu não ouvi aquelas músicas e nem pretendo.” Ela mentiu, mas mesmo que não tivesse as ouvido, algumas ela já conhecia por serem músicas mundialmente famosas, então, ficava muito claro pra ela a intenção de Sooyoung ao lhe mandar uma playlist recheada de músicas românticas.
“Jiwoo, eu só queria que você aceitasse conversar comigo sem medos, sem neuras, de coração aberto.” Sooyoung tentou mudar o rumo da conversa, buscando de toda forma conseguir uma abertura por parte da outra. “Você é uma das pessoas que melhor me conhece.” Ela continuou, fazendo uma alusão a sua sexualidade que era um segredo que somente Jiwoo, Kahei e as meninas da banda conheciam. “Me deixa te conhecer melhor também.”
Jiwoo até paralisou ao ouvir aquilo, imaginando que Sooyoung pudesse estar falando de conhecê-la em... sentido bíblico?
“Sooyoung, definitivamente, aqui não é lugar pra se falar sobre ... é... sobre certas coisas, por favor respeite a casa de Deus.” Jiwoo pediu, tão desconcertada com suas próprias paranoias, que nem se deu conta de que Sooyoung estava falando apenas de conversarem sobre o que estava acontecendo entre elas, nada além disso.
Sooyoung suspirou frustrada e balançou a cabeça. Se Deus existisse, ele devia estar lhe punindo por ser tão descrente, ao lhe fazer gostar de uma garota que era não só religiosa, como também filha do pastor que casaria com a sua mãe.
Naquele momento, ao menos, não havia muito para ela fazer, então apenas tomou o seu lugar, e ficou ali, passando o som enquanto os fiéis, que já estavam se tornando rostos conhecidos para Sooyoung, começaram a chegar e os bancos da igreja foram se enchendo.
Quando deu o horário do culto, Jiwoo se levantou de seu piano e caminhou até o altar, indo até o microfone, como fazia em todos os cultos.
“Irmãos e irmãs, fiquem de pé para a oração de agradecimento ao Senhor.” E assim todos se levantavam, inclusive os membros da banda, e assim fechavam seus olhos e uniam suas mãos.
Sooyoung revirou os olhos, mas repetiu o gesto dos demais. Se tinha uma coisa que ela não suportava na igreja era esse senta-levanta insuportável. Qual o problema de ficar sentado no momento de oração?
Se esse Deus existisse, ele era um ser muito cheio de frescuras, isso sim.
“Obrigada, Pai, por Sua bondade, Sua graça, Seu amor, Sua misericórdia, Sua força, Sua alegria e Sua glória.” Jiwoo começou a rezar no microfone, acompanhada em coro por todos ali. “Obrigada por tudo o que o Senhor fez e tem feito em nossas vidas. Nós te amamos, Senhor, e estamos aqui novamente para exaltá-Lo em nome de Jesus Cristo. Amém.” A oração terminou e todos soltaram as mãos e abriram os olhos. “Irmãos e irmãos, recebemos de braços abertos o nosso líder, Reverendo Kim Donghae.”
Ao terminar de falar, Jiwoo voltou rapidamente para o seu piano e começou a tocar “God of Revival” de Brian and Jenn Johnson.
“... Porque não há muro de prisão que Você não possa romper
Não há montanha que Você não possa mover, tudo é possível
Não há corpo quebrado que Você não possa levantar
Não há alma que Você não possa salvar, tudo é possível

A noite mais escura Você pode iluminar
Você pode iluminar, Deus do avivamento
Deixe a esperança surgir e a morte será vencida
Você já venceu, Deus do avivamento.”
Sooyoung tinha que admitir que essa música era até legal de tocar, por causa de sua melodia que era bem bacana, o que estragava era a letra cafona.
Era sempre com ela que Donghae fazia sua entrada na igreja.
“Bom dia, irmãos e irmãs.” Donghae cumprimentou seus fieis. “Antes de dar início ao nosso culto, gostaria de apresentar a mais nova membro de nossa banda: Ha Sooyoung.” Ele apontou para a garota, e todos da igreja olharam para ela.
Tímida, a garota nem sabia o que fazer com aquela atenção repentina e sua primeira reação foi acenar para as pessoas.
Alguns dos seus colegas de banda começaram a rir, Heejin balançou a cabeça negativamente, se esforçando para conter o riso, já Hyunjin a encarou de cara amarrada, como se ela tivesse uma grande ofensa.
“Patética.” Hyunjin falou baixo, mas em altura suficiente para Sooyoung poder escutar.
Jiwoo foi a única a não demonstrar reação alguma, apenas olhava para o pai, como se estivesse esperando a pregação começar, ignorando o que estava acontecendo ao seu redor.
Aqueles crentelhos eram um bando de cuzões. O que Sooyoung tinha feito demais?
Enfim, após aquela apresentação atabalhoada por parte da jovem, Donghae começou com sua falação infinita, quer dizer, culto.
Claro que Sooyoung ficou sentada em sua cadeira, pensando em outras mil coisas e nem sequer ouvindo sobre qual porcaria o reverendo estava falando naquele dia. Sentada há poucos metros de Jiwoo, ela apenas conseguia olhar para o seu cabelo tão brilhante e se lembrar daquele beijo tão gostoso na noite anterior, e na possibilidade, que antes parecia tão irreal mas agora era uma realidade concreta, da outra estar correspondendo aos seus sentimentos.
Jiwoo quase não se mexia, estava praticamente travada naquela cadeira e Sooyoung sabia que o motivo disso era ela, o que estava deixando a filha de Gyuri sentindo uma grande frustração ao mesmo tempo que se animava com a possibilidade real de poder ter Jiwoo, mesmo que precisasse enfrentar aquela horda de crentes insuportáveis que orbitavam no universo da mais nova só para se manter perto dela.
Mas antes precisava saber o que Kahei tinha para falar, não queria tomar uma atitude sua melhor amiga, conselheira e confidente.
Aliás, já tinha passado um tempão, será que Kahei ainda estava dormindo? Por instinto, colocou a mão no bolso, mas logo se lembrou do local onde estava, ainda mais no palco, que ficava na frente de todos os fieis e isso causaria uma fofoca pesada, já que crente amava se fazer de santo, mas não perdia a chance de criar uma intriga e falar da vida alheia.
Enquanto isso ouvia Donghae falar sobre destruição, pecado, apocalipse e um tal de Abadom ou Apoliom, que parecia até nome de banda de metal nórdico, dessas que Hyejoo ouviria no último volume só pra infernizar a vida de sua mãe.
Apoliom fez ela se lembrar do deus grego Apolo, e de suas aulas de história na escola. Será que eles tinham alguma relaçao? Sooyoung não saberia dizer muito sobre o assunto de qualquer maneira, uma vez que ela também dormia nas aulas, como já estava com vontade de fazer ali, inclusive não conseguindo controlar um bocejo, para o horror de Hyunjn.
“... Irmãos, peço que abram suas Bíblias em Apocalipse capítulo nove.” Donghae pediu e pegou a própria Bíblia de cima do altar.
Todo mundo da igreja pegou a sua Bíblia, inclusive as pessoas da banda, com exceção de Sooyoung, que não tinha uma Bíblia e nem pensou em levar a de Gyuri, já que a mãe ficou em casa.
A única de mãos abanando naquele momento foi ela, e por isso recebeu alguns olhares reprovadores por parte de seus colegas de banda, sendo o mais agressivo e demorado deles o de Hyunjin.
Donghae começou a ler a Bíblia, acompanhado em silêncio por todos que ali estavam, menos Sooyoung, é claro, que não estava nem aí praquela leitura que falava de anjos, trombetas, buracos que se abririam na terra, gafanhotos, escuridão, poço, fornalhas e um monstro com cabelos de mulher e dentes de leão. Um típico cenário de filme de terror B.
Após a leitura da Bíblia, vinha a enorme explicação de Donghae, sobre a interpretação do texto, porque aparentemente ninguém ali podia fazer isso sozinho, todo mundo precisava de uma explicação para um livro velho e sem sentido.
Agora ela entendia melhor porque seu líder era chamado “pastor”, uma vez que os outros eram os cordeirinhos que seguiam, sem questionar, tudo o que era dito por ele, mesmo que fossem lhes ordenadas as coisas meia sem noção do mundo. Não acreditar na Bíblia e no pastor era ceticismo, e ceticismo não era muito bem aceito naquele ambiente.
Ele começou falando que nem tudo na Bíblia era pra ser interpretado no sentido literal, muitas coisas estavam escritas ali em sentido figurado, quase como em fábulas. Claro que qualquer pessoa com o mínimo de noção não iria levar a sério um treco que fala que estrelas vão cair na Terra, quando a maior parte das mesmas, a exemplo do Sol, é imensamente maior do que o nosso planetinha minúsculo, tornando essa “previsão apocalíptica” fisicamente impossível.
Mas pra quem acreditava em cobra falante oferecendo maçãs para mocinhas desavisadas, esse tipo de coisa poderia nem parecer tão irreal assim.
Enquanto Sooyoung ouvia tudo em silêncio, mas em pensamento fazia comentários cínicos e debochados sobre o sermão, logo a sua frente, Jiwoo ouvia tudo com o coração apertado e sangrando, sentindo se como cada palavra saída da boca de seu pai tivesse a força de uma violenta pedrada em sua cabeça.
“Muitas vezes nós nos esquecemos que o diabo, está aí, sempre a nossa volta, porque o importa o quanto nós tentamos ignorá-lo ou acharmos que ele é apenas uma entidade, sem rosto, sem presença, quando pensamos assim estamos errados, porque ele é uma pessoa, uma pessoa que busca destruir todos aqueles que se identificam com Cristo.” Donghae explicava, em um tom calmo, caminhando pelo altar. “Abadom ou Apoliom são duas palavras de origens diferentes, mas que possuem o mesmo significado: destruição. Abadom é Satanás, o rei da destruição.”
Jiwoo abaixou a cabeça, envergonhada. Era como se Donghae estivesse sabendo o que estava se passando em sua vida. Como se Deus soprasse algo em seu ouvido, e o fizesse falar sobre aquilo que estava deixando sua filha abalada.
“Os bons cristãos são os alvos mais fáceis de Satanás. Nós não podemos ficar obcecados por quantas orações fazemos em um dia, quantas vezes lemos a Bíblia, quais palavras usamos ou mesmo qual comportamento adotamos na nossa vida. Isso tudo é muito importante, claro, mas não é o suficiente para afastar o Maligno de vez. Nós só nos fortalecemos quando vivemos, verdadeiramente, o Evangelho de Jesus Cristo, porque somente dessa maneira nós não desmoronamos quando o inimigo se aproxima.” Ele prosseguiu. “O diabo nos conhece, não tão bem quanto Deus, mas ele sabe das nossas fraquezas e medos, e é inescrupuloso, por isso não teme em usá-los contra nós mesmos. Ele tira todo proveito do conhecimento que tem sobre nós pra nos destruir e depois nos acusar, pra fazer com que nosso caráter pareça questionável e nossa fé fraca diante do Senhor. Seu arsenal de armas para nos abater aumenta a cada dia, e se nós não começarmos a viver o Evangelho, se não seguirmos cada lição deixada por Cristo, se não nos vestirmos com a armadura de Deus, nós nunca venceremos essa batalha contra Satanás, porque sozinhos não somos nada!” Donghae ficou em silêncio por alguns poucos segundos, mas continuou com o seu sermão enquanto todos ali permaneciam calados e pensativos, ouvindo suas palavras de alerta. “O diabo é implacável, ele cobra com força e fúria aqueles que deixam ele se instalar, ele não se importa com o nosso bem-estar, ele quer nos destruir. Quando Satanás se instala ele causa a destruição, nós começamos a passar por uma série de crises, questionamos nossa própria fé, nosso zelo pela obra de Cristo vai embora, nossos atos param de corresponder a nossa moral, a alegria desaparece, nos sentimos bravos e tristes a maior parte do tempo, e é exatamente isso o que ele quer: nos tornar tão infelizes quanto ele.”
Jiwoo poderia chorar naquele momento, pois seu pai descreveu exatamente como ela estava se sentindo nos últimos tempos: totalmente perdida, com a consciência e a moral vivendo em uma briga, sem alegria e enfrentando uma árdua batalha contra o que parecia ser uma outra pessoa dentro de seu corpo, que em alguns momentos parecia tomar o controle de tudo. Ficava com raiva das pessoas gerando impulsos de agressividade, como quando ficou sabendo que Sooyoung havia ido dormir na casa de Kahei, sentia desejos pecaminosos, como aquela vontade quase incontrolável de tocar a si mesma com pensamentos impuros e o pior de todos: beijar Sooyoung.
Não havia dúvidas que o diabo já estava instalado em si, agora ela precisava arranjar um jeito de vencê-lo e expulsá-lo para sempre, mas como?
Havia aprendido através da própria Bíblia que a cabeça deveria se manter ocupada com aquilo tudo que fosse digno de louvor, mas sentia que não tinha controle sobre os pensamentos e, principalmente, sensações, eles simplesmente aconteciam.
Fechou os olhos, mentalizou Deus e abriu seu coração, sibilando o trecho de Filipenses 4:8:
“Tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo excelente ou digno de louvor, pensem nes...”
Porém, nesse instante, sua oração quase silenciosa foi atrapalhado por um toque de mensagem de celular, que por azar, veio do aparelho de Sooyoung, que tinha se esquecido de colocá-lo no vibracall.
Era como se o diabo tivesse feito isso de propósito, afim de interromper sua oração.
“Merda.” A rockeira sussurrou baixinho, e desligou o aparelho, após receber olhares condenatórios de todos ao redor.
“Eu sei que os jovens hoje em dia, não largam do celular, mas vamos deixar isso de lado um pouco e dedicar esse tempo pra Deus, já que ele dedica todo o tempo Dele a nós.” Donghae falou, evitando olhar para a direção onde a jovem estava, antes de prosseguir com seu sermão.
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Depois de muito, muito tempo mesmo, o culto finalmente chegou ao final, e o encerramento foi Jiwoo tocando e cantando “Happy Day”, o que Sooyoung achava engraçado, já que o reverendo passou duas horas falando do diabo e depois a última música contava sobre como era um dia feliz e que Jesus tinha lavado todos os pecados dos fieis.
Mas tudo bem, o importante é que aquilo já estava chegando a um final, e que seus pecados, caso tivesse, cometidos naquela semana já estavam perdoados.
“Irmãos e irmãs, antes de irmos embora, eu gostaria de relembrá-los que nas próximos duas semanas eu não estarei aqui presente, quem irá estará em meu lugar, conduzindo a nossa igreja, é o Ministro Kim Jaesang, meu irmão.” Kim Jaesang era o irmão caçula de Donghae e pai de Hyunjin. Além de fazer os celebrar os cultos nos próximos dois fins-de-semana, ele iria realizar também a cerimônia de casamento entre seu irmão e Gyuri. “Aproveito também o momento para reforçar o convite de todos vocês ao meu casamento com Ha Gyuri, que irá se realizar no sábado às dezesseis horas. Será um momento de extrema importância para mim e para a minha família, portanto será um momento em que eu gostaria de contar com a presença de cada irmão e irmã em Cristo, para celebrarmos todos juntos o amor, a família e a união de um homem e uma mulher, assim como Cristo se uniu a igreja.” Ele falou animado e sorrindo. “Ide em paz, que o Senhor vos acompanhe, desejo um bom domingo e uma semana iluminada a todos.”
A felicidade de Sooyoung foi tanta, que ela poderia gritar um “aleluia, irmãos” bem alto pra comemorar o fim daquele culto, mas ainda tinha bastante noção das coisas, o que lhe impedia de cometer tal ato e gerar um grande e desnecessário mal-estar entre todos ali, quando só queria mesmo voltar pra casa e ter um pouco de paz e tranquilidade.
Sooyoung não demorou para começar a desligar a guitarra e guardar suas coisas, também não fazendo questão alguma de se despedir de forma adequada de seus colegas de banda, que também não faziam questão alguma de ser simpáticos com ela.
A única que ganhou um pouco de atenção foi justamente Jiwoo, que continuava com os olhos fixos no seu piano, dedilhando algumas teclas e tocando uma melodia qualquer.
“Jiwoo, eu já estou indo.” Sooyoung comentou. “A gente se fala mais tarde?”
“Talvez.” Jiwoo respondeu totalmente evasiva, nem sequer olhando para a outra.
“Só escuta a playlist, depois me diz o que achou.” A jovem insistiu e se abaixou, para poder falar mais baixo. “Aquelas músicas são sobre meus sentimentos por você, só pense nisso, por favor.”
Jiwoo suspirou fundo e fechou os olhos, sentindo um calor inapropriado dentro da própria igreja. Nem conseguiu falar nada, só podia ouvir seu coração batendo forte em seu peito ao ouvir a palavra “sentimentos” saindo da boca de Sooyoung.
“Tchau.” Ela se despediu baixinho e foi embora, antes que Jiwoo pudesse responder qualquer coisa.
“Pai celestial, por favor, não me deixe sozinha, a cada dia mais eu preciso de Sua ajuda. Eu preciso de Você a cada hora, cada minuto, cada segundo, Senhor, por favor, purifique meu corpo, minha mente e minha alma, livrando-me de qualquer coisa que não seja agradável aos Seus olhos.” Ela murmurava, para não correr risco de ninguém ouvir o teor da prece e o desespero em sua voz.
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Sooyoung tentou falar com Kahei durante o caminho de volta pra casa, mas a sua amiga lhe mandou uma mensagem dizendo não poder conversar naquele momento, então ela teve que se manter na espera por um conselho.
Ao chegar em casa foi para o quarto, onde Hyejoo estava deitada no beliche, como sempre jogando no celular e parecendo brava, o que não era incomum, já que a caçula parecia viver numa infelicidade constante.
“Deu tudo certo por aqui na minha ausência? Como a mãe está?” Ela perguntou e Hyejoo suspirou.
“Aquela mulher deve tá ótima, já até gritou comigo e me mandou “calar a boca”, então ele deve tá melhor do que eu, com certeza.” Hyejoo respondeu irritada.
Aquelas palavras pareciam ser inacreditáveis.
“Não acredito que você causou confusão com ela desse jeito, você não tem a mínima noção de nada mesmo, não é?” Sooyoung repreendeu a outra. “Você é uma imbecil!”
“Não me xinga, não, porque você nem viu o que aconteceu!” A mais nova se defendeu, até deixando de lado o seu divertimento e encarando Sooyoung, descendo de sua cama pra isso.
“E precisa ver alguma coisa? Eu já te conheço muito bem, e sei que você não é flor que se cheire.”
“Pois dessa vez você está enganada, porque eu não fiz nada!” Hyejoo começou. “Eu fui lá e tentei conversar com ela, oferecer ajuda, mas ela não quis e além de tudo, fez um escândalo comigo por causa de uma porcaria de uma foto que eu achei sem querer!”
Sooyoung riu da explicação, pois era algo muito difícil de assimilar.
“Foto? Como assim?” A mais velha questionou.
“Eu achei uma foto dela da época de escola com uma menina que eu não sei quem é, tava lá esquecida na gaveta do armário, e eu só perguntei quem era a garota e ela ficou super puta comigo, como se eu tivesse feito uma grande ofensa.” Hyejoo explicou de forma bem resumida a situação, e Sooyoung continuou sem entender. “Sabe, eu nem deveria te falar isso, porque ontem você foi bem babaca comigo, mas vou falar mesmo assim: acho que isso deve interessar a você, essa foto aí, deve ter algo do seu pai, afinal, esse é um assunto proibido aqui em casa.”
Sooyoung riu novamente.
“Claro, claro, essa garota da foto deve ser o meu pai.”  Sooyoung ironizou e deu risada, já Hyejoo balançou a cabeça negativamente.
“Você é burra mesmo, uma porta.” A mais nova atacou. “Óbvio que ela não é o seu pai, mas talvez ela o conheça ou saiba quem ele seja.” Hyejoo explicou com bastante impaciência e agressividade. “Elas deviam ser amigas, usavam o mesmo uniforme escolar e pareciam muito jovens, tipo uns dezesseis ou dezessete anos.”
Sooyoung tinha que admitir que Hyejoo tinha um ponto e que sua suposição até fazia sentido. Talvez ela estivesse certa e essa amiga misteriosa de sua mãe pudesse saber algo sobre sua paternidade.
“Tá, mas você tá preocupada com isso por quê?” Sooyoung questionou, cruzando os braços.
“Pra você parar com aquele seu vitimismo barato “ain mimimi se a mãe morrer mimimi, não tenho pai mimimi, não tenho família mimimi”.” Hyejoo respondeu fazendo uma voz bem fininha e tosca para zombar de Sooyoung. A caçula muitas vezes demonstrava ser incapaz de entender a dor do outro, chamando as pessoas de vitimistas e mimizentas, como naquele caso. Mas ela era gamer, né? Só isso já ganhava a fama de hater de, pelo menos, umas três minorias.
“Quem sabe seu pai não é um milionário e você uma grande herdeira? Assim você pode exigir seus direitos e viver melhor que todo mundo aqui.”
Sooyoung deu uma risada debochada com aquela ideia estapafúrdia.
“Duvido.” Respondeu e deu de ombros. “E outra: é pouco provável que ele seja um milionário, dono de empresas, com mansão e carro de luxo, é mais fácil que ele seja um fodido da vida ou até alguém que já seguiu outro caminho, talvez tenha se casado, teve outros filhos. Acha mesmo que alguém assim vai querer assumir uma filha bastarda que já é quase uma adulta?”
“Você já ouviu falar de exame de DNA? Sei que você é burrona, mas impossível que pelo menos uma vez na vida você não tenha ouvido falar sobre isso.” A mais nova ironizou. “Se você for filha dele, ele não tem querer, vai ter que te assumir de qualquer maneira.
“É claro que eu sei o que é DNA, palhaça!” Sooyoung respondeu. “Mas eu não sei se isso vai valer a pena.” Completou com certo desânimo, e por mais que Hyejoo fosse uma cavala coiceira e insensível, ela notou que havia algo a a mais naquela fala.
“Como é que é? Sooyoung, você tá com medo de saber quem é o seu pai?” Hyejoo questionou um tanto abismada, uma vez que aquilo pra ela não fazia sentido.
Se fosse ela no lugar da irmã, com certeza já teria infernizado a vida de Gyuri até ela confessar o nome de seu progenitor.
“Você não parou pra pensar que existe um motivo pra ela nunca ter me falado quem ele é?” Sooyoung questionou e Hyejoo não disse nada, apesar dela achar que Gyuri nunca falou nada porque sua irmã era muito bunda-mole e não cobrava nada. “Eu já imaginei muitas coisas sobre esse assunto, e algumas delas bem ruins.”
“Como assim ruim?” A garota questionou e Sooyoung balançou a cabeça. “Você acha que seu pai pode ser o quê? Um bandido?” Perguntou de forma irônica.
“Talvez.” Sooyoung respondeu honesta. “Um abusador.” Concluiu e abaixou a cabeça, enquanto Hyejoo ficou em choque e até sentiu uma sensação bem ruim e indescritível. “Talvez ela não queira falar sobre isso porque tem medo ou vergonha, porque foi vítima de uma violência, sei lá, e eu não sei se tô preparada pra confirmar isso e você pode até achar que seja mimimi ou vitimismo da minha parte, eu não ligo.”
Estava aí uma coisa que nunca tinha passado pela cabeça de Hyejoo, mas que a deixou bastante desconfortável. Não era nada fácil pensar na sua mãe como vítima de um crime desses, e isso mudaria completamente a forma dela ver Gyuri, e agora até fazia sentido a mulher ter ficado tão nervosa por ver uma imagem que talvez lhe trouxesse recordações de um passado muito mais doloroso do que ela imaginava. E se fosse mesmo a real situação, a sua fala sobre ela não saber quem era o pai de Sooyoung se tornava ainda mais pesada.
Agora nem ela sabia se estava pronta para ter essa confirmação, mesmo não sendo a filha gerada por suposta violência.
“É, você tem razão, melhor deixar isso pra lá.” Hyejoo concordou e deu um tapinha amigável nas costas de Sooyoung, sendo levemente simpática a sua dor por aquela dúvida.
Mas sabia que aquele pensamento não iria sair de sua mente tão fácil.




















































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