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“Kahei, você tá rindo?” Sooyoung perguntou ofendida, já que sua amiga caiu na gargalhada assim que ouviu a sua confissão. “Como você consegue debochar de uma desgraça dessas?”
“Não estou debochando, amor, só achei engraçado porque semana passada você disse que não tinha interesse algum na menina, e agora se viu apaixonadinha nela?” Kahei esclareceu, deixando Sooyoung em silêncio.
Realmente, a chinesa tinha razão. Era estranho, mas Sooyoung se deu conta de como estava se sentindo em questão de segundos, meio que num tipo de epifania.
“Sei lá, eu acho que eu já tava me sentindo atraída por ela, mas meu subconsciente não aceitava, e tava em negação.” Sooyoung comentou, enquanto tentava buscar explicações racionais pro que estava sentindo. “Isso é muito confuso.”
“E o que você pretende fazer a partir de agora em relação a isso?” Kahei questionou, deixando mais uma vez Sooyoung sem resposta imediata.
Que situação maldita estava.
“Eu não sei. De verdade, eu não sei.” Foi sincera. “Eu nem sei o que poderia acontecer se eu resolvesse investir nela, sabe? Minha mãe ia querer me esfolar viva, o pai dela também, e a sorte é que eu nem tenho pai, se não ia ser mais um pra querer me matar.”
“Eu acho que você precisa pensar bem antes de tomar qualquer atitude.” Kahei a aconselhou. “Se fosse qualquer outra menina, eu diria pra você ir em frente, pegar, dar uns amassos, mas nessa situação, acho que você precisa realmente avaliar dois pontos: como ela reagiria ao saber de um possível interesse romântico seu, e, o principal, que tipo de consequência vocês poderiam encarar se tivessem algo e sua família descobrisse.”
“Sim, você tem razão, e na real, eu não acho que ela mereça ser escorraçada por aquele bando de crente chato por minha causa.” Sooyoung falou, desanimada.
Ela não acreditava em nada religioso, mas Jiwoo sim, e isso era um ponto importante em sua vida e sua personalidade. Um romance homossexual, para a filha do pastor, significaria ir contra os seus princípios, e uma mudança muito brusca em seu estilo de vida, causando danos irreversíveis em sua imagem diante de todos que a conheciam.
Uma coisa era ser tolerante com homossexuais, outra, bem diferente, era se envolver em um relacionamento com alguém do mesmo sexo. A distância entre uma coisa e outra era gigantesca.
“Calma, você precisa raciocinar com tranquilidade, talvez procurar sinais de que ela talvez, assim, possa te corresponder ou ser receptiva em uma possível investida sua.” Kahei sugeriu. “Mas se você quer sinceridade, eu acho que essa situação é um pouco demais, até pra famílias liberais, por que já imaginou, você pegando a filha do marido da sua mãe? Isso é uma coisa muito louca.”
“É mesmo, é errado mas ao mesmo tempo não é, porque tipo, nós não somos nada, ela não é da minha família, nem mesmo uma prima distante.” Sooyoung argumentou e suspirou fundo. “Não há nenhum laço sanguíneo, mesmo distante, entre nós. Isso não deveria ser um tabu.”
“Bom, então por que você não tenta chegar nela de um jeito indireto e avalia a forma como ela reage? Chama ela pra ver um filme lésbico com você.” Kahei sugeriu e Sooyoung balançou a cabeça incrédula.
“Filme lésbico? Ela vai achar que eu tô tirando sarro da cara dela e que sou uma tarada.” A mais nova concluiu objetiva. “Já acho que ela ficou com medo de mim depois do beijo, agora que ela demonstrou confiar em mim de novo eu não posso dar um vacilo desses. Péssima ideia.”
“Sooyoung, meu anjo, eu não falei pra você mostrar um filme pornô pra ela, pelo contrário, mostra esses com histórias bonitinhas e fofinhas de menininhas que se amam e ficam juntinhas.” Kahei fez uma voz bem fina e infantilizada nas últimas palavras com diminutivos, dando ênfase na fofura de sua ideia, que não era nada péssima, Sooyoung é que não tinha tato pra certas coisas.
“Mesmo assim, ainda acho que é meio inapropriado pro momento.”
“Então manda uma música do Scissor Sisters pra ela e pergunta se ela sabe o que significa o nome do grupo. Funcionou com você” Kahei falou e riu, lembrando-se de quando ela explicou para Sooyoung o significado daquele nome e a alusão a posição “tesoura” do sexo lésbico. “Sinto que tirei um pouco da sua pureza nesse dia.”
Aquele dia foi épico, já que a primogênita de Gyuri entregou totalmente sua natureza sáfica ao demonstrar o enorme interesse por sexo lésbico e por essa e outras posições e atos praticados por mulheres que amam mulheres, sobre os quais ela ficou questionando Kahei e ficava mais vermelha que um tomate seco a cada resposta, às vezes propositalmente exagerada, da chinesa.
“Ah vai dormir, Kahei, eu tô falando de uma coisa séria e você aí com palhaçada.” Sooyoung vociferou, impaciente. Kahei era legal e prestativa, mas seu hábito de fazer piadas a todo momento quase levava Sooyoung a loucura vez ou outra.
“E eu também, ou você acha que é fácil encaixar uma tesoura?” Kahei riu da própria piada, mas Sooyoung revirou os olhos, bufou e não disse nada, até porque ela não sabia mesmo a dificuldade desse ato, já que era uma virgem e suas experiências com garotas não passavam de uns beijos, uns amassos e umas mãos bobas de vez em quando, e a única tesoura que tinha experiência em fazer era a do Jokenpo. “Sooyoung, relaxa, descansa, dorme, depois você pensa nisso. Com a cabeça fria, você pensa melhor.”
“Eu vou tentar, mas não sei se vou conseguir.” Sooyoung respondeu, não sabendo como desligar o cérebro e mudar o fluxo de pensamentos. Nunca soube como fazer isso, se é que dava pra fazer.
“Eu tenho que desligar, amor, tá chegando um cliente aqui.” Kahei começou. “A gente se fala mais tarde.” Se despediu fazendo um som de beijo.
“Então até mais. Beijo.” Sooyoung desligou o celular e o guardou no bolso, suspirando novamente, enquanto tentava pensar em como não pensar em Jiwoo e em como iria lidar com a jovem religiosa dali por diante.
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Jiwoo voltava pra casa, com os pensamentos longe, junto de Sooyoung, enquanto caminhava sem pressa alguma. Aquela tarde havia sido realmente maravilhosa, mas ela ainda não conseguia deixar de ficar assustada com tudo o que estava acontecendo, e principalmente, sentindo, afinal, não era o que ela esperava acontecer em sua vida.
O toque de mensagem em seu celular a tirou de seus devaneios.
Era Yeojin.
“Jiwoo, você está muito ansiosa para o encontro com Myungjun amanhã?” Era a pergunta, enviada no privado para a filha do reverendo Kim.
Se não fosse tão controlada, Jiwoo teria soltado um palavrão naquele momento e não por estar brava com sua jovem amiga, mas sim por ter se esquecido completamente do seu compromisso com o garoto.
Sooyoung havia tomado todos os seus pensamentos, anseios e espaço em sua mente, não deixando nem mesmo uma migalha que fosse para Myungjun.
Não estava ansiosa nem preocupada antes porque havia se esquecido do encontro, mas agora estava sentindo uma sensação nada agradável: um frio na barriga, uma quentura subindo pelas pernas e um nó na garganta.
Mas sabia que aquela onda de sensações era mais por medo da reação de Donghae àquela do que por vontade de encontrar Myungjun.
“Estou um pouco, mas, eu ainda preciso falar com o meu pai. Espero que ele não veja isso como algo ruim.” Jiwoo respondeu em um áudio, já que estava na rua.
“Eu espero que tudo dê certo pra vocês dois. Eu acho o Myungjun um fofo.” Yeojin respondeu em escrito e Jiwoo agradeceu e enviou um emoji de coração na sequência.
Guardou o celular e caminhou por mais algumas quadras, em um ritmo mais apressado, e quando chegou em casa, Donghae já estava lá, sentado no sofá da sala e mexendo no celular.
“Filha, como foi no shopping com Sooyoung?” O homem perguntou de forma simpática e abrindo um sorriso ao ver a filha chegando em casa.
“Foi tudo bem.” Jiwoo respondeu, sentando-se no outro sofá. “Nós escolhemos vestidos muito bonitos. Quer ver o meu?”
A garota tirou da sacola o seu vestido cor pêssego e o mostrou para Donghae.
“Bom, eu não entendo muito de vestidos, mas eu sei que você vai ficar linda nesse.” Ele disse sorrindo. “Eu sempre confiei no seu bom gosto e no seu bom senso.”
Jiwoo abaixou os olhos, um tanto envergonhada ao ouvir aquilo. Não conseguia nem imaginar a possível reação de Donghae se ele soubesse das coisas que ela andava fazendo.
“Eu baixei aqui um aplicativo, tô tentando achar alguma coisa diferente pra gente jantar nessa noite, mas tá meio difícil.” O homem comentou, voltando a atenção para o celular, o qual olhava com os olhos cerrados, demonstrando imensa dificuldade em entender o que fazer ali.
“Pai, quer ajuda?” A garota perguntou.
Sabia que seu pai era um verdadeiro noob quando o assunto era tecnologia. Só sabia mexer no básico do básico, até seu celular era de um modelo mais antigo e que ele só usava por extrema necessidade. Até mesmo em seus estudos religiosos, ele preferia escrever tudo a mão e usar os bons e velhos livros.
Donghae era um homem tradicional e conservador em, praticamente, todos os aspectos de sua vida, a única vez que ele fugiu dessa regra foi quando escolheu se casar com Gyuri, uma mulher divorciada, com duas filhas e mãe solteira.
O amor não tinha mesmo explicação.
“Por favor.” Ele respondeu, e entregou o celular nas mãos de Jiwoo, que reconheceu o aplicativo, iFood.
“O senhor vai querer o quê?”
“Que tal comida chinesa?” Ele sugeriu, e a garota concordou, buscando um restaurante próximo.
Após fazer o pedido, ela devolveu o celular para Donghae, e decidiu que era hora de falar sobre o seu encontro com Myungjun no dia seguinte.
Mas isso não foi nada fácil.
Jiwoo não sabia nem porque tinha tanto medo de seu pai, que nunca foi um homem violento, jamais levantou a mão para ela e nem sequer mesmo gritava. Ele sabia impor respeito e ter a voz firme em momentos necessários, mas nunca se alterou de forma ameaçadora. Claro que ela também não era uma filha que dava problemas ou dores de cabeça. Jiwoo sempre seguiu à risca a cartilha de uma filha obediente e prestativa, talvez por isso seu pai nunca precisou ser mais enérgico para lidar com ela, e foi então que ela percebeu que o medo vinha justamente dessa questão: a falta de conhecimento.
Ela não sabia que tipo de reação ele poderia ter diante daquele fato, e isso era algo que dava mais medo do que saber que ele iria se zangar, brigar, gritar. O medo do desconhecido sempre é o pior dos medos.
“Pai, eu preciso falar uma coisa.” Começou, após alguns segundos tomando coragem e pensando nas palavras adequadas. Donghae fez sinal para ela prosseguir. “Pai, eu marquei de sair amanhã.”
“Tudo bem, filha, você tem o dia livre, né? Só tome cuidado.” Ele respondeu de forma tranquila, pegando o controle remoto e ligando a TV, dando uma demonstração do quanto confiava na filha. “Quem vai com você? Suas amigas? Hyunjin?”
“Pai, eu vou sair com um garoto.” Ela esclareceu, e então, Donghae parou de mudar os canais, e a olhou com estranhamento, mas não parecendo bravo, apenas bastante surpreso. “É um garoto da minha escola. Nós combinamos de tomar um milk-shake juntos, mas é só pra conversar, eu juro.” Jiwoo completou, enquanto Donghae parecia chocado.
Ele colocou o controle remoto sobre o sofá, parecendo desconcertado, piscou algumas vezes e chegou a abrir a boca, mas não conseguiu dizer nada.
“Pai, o senhor tá bem?” A garota perguntou, preocupada após o homem ficar daquele jeito.
“Quem é esse garoto? Qual o nome dele? Quantos anos ele tem? Há quanto tempo vocês se conhecem?” O homem perguntou, quase que atropelando as próprias frases, deixando um certo nervosismo transparecer.
“O nome dele é Kim Myungjun, ele está um ano na minha frente na escola, nós nos conhecemos de vista há um bom tempo, mas temos nos falado apenas há alguns meses.” Jiwoo respondeu calma, apesar de estar ansiosa.
Sabia que Donghae gostaria de vê-la ao lado de um rapaz da igreja, mas também tinha consciência de que não era contra nenhuma regra namorar alguém que não fosse da congregação, apesar dela não ser namorada de Myungjun, e não ter certeza se algum dia o seria.
Donghae abaixou a cabeça, ainda processando o que estava acontecendo. Jiwoo permaneceu ali em silêncio, esperando aflita o que o homem iria dizer.
“Eu acho que eu preciso de um vinho pra me ajudar a digerir essa novidade.” O homem falou, se levantando e caminhando até a estante.
“Mas o senhor não bebe, pai.” Jiwoo comentou, surpresa com aquilo. Os vinhos que ficavam em sua casa eram usados somente para fins religiosos.
“Vou abrir uma exceção essa noite.” Ele disse, pegando uma taça. “Deus há de me perdoar.” Completou, enquanto abria a garrafa e depois encheu a taça com a bebida arroxeada.
“Pai, eu não vou fazer nada de errado, eu juro.” A garota falou, um pouco assustada por ver seu pai bebendo. “A prova é que contei para o senhor, quando poderia ter mentido.”
“Sim, eu sei.” O homem confirmou. Não tinha motivos para achar que a garota não estava sendo sincera, mas mesmo assim ainda estava sendo difícil engolir aquilo. “Você sempre foi uma boa filha, espero que você nunca se esqueça de todas as coisas que aprendeu na igreja, que siga sempre o caminho de verdade, já que você pode até conseguir esconder as coisas de mim, mas de Deus ninguém esconde nada.”
“Eu tenho total consciência disso tudo, pai.” A menina respondeu, abaixando os olhos, enquanto Donghae terminava a sua taça de vinho. “O senhor não está magoado comigo, está?”
“Não.” Ele respondeu e suspirou. “Você é uma boa filha e merece um voto de confiança, Jiwoo, mas é difícil pra qualquer pai perceber que os filhos não são mais crianças. Você sempre foi a minha menininha e durante todos esses anos fomos só eu e você, agora, as coisas vão mudar em muitos aspectos e eu não estava preparado pra isso.” Ele explicou, pois não estava irritado, mas sim surpreso e até um pouco triste por ver como o tempo havia passado e sua filha já estava se tornando uma mulher. “Eu vou tomar um banho, se o rapaz da entrega chegar o dinheiro está aqui em cima.” Ele tirou a carteira do bolso, pegou o dinheiro e colocou em cima do armário, antes de deixar a sala.
Jiwoo suspirou, um pouco frustrada com aquela situação, mas ao menos Donghae não havia ficado magoado, porém, se um encontro com um rapaz já o havia deixado daquela forma, ela nem queria imaginar o que ele faria se soubesse tudo o que ela estava fazendo com e por Sooyoung.
Seria um pesadelo sem precedentes.
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Ao chegar em casa, Sooyoung encontrou apenas Hyejoo, já que Gyuri ainda não havia chegado do trabalho. Sua irmã caçula estava deitada em sua cama, olhando para a parede, coberta com seu edredom do Minecraft até o pescoço, demonstrando um enorme desânimo, já que não teve qualquer reação ao ouvir a outra entrando no quarto que dividiam.
Sooyoung, sabendo que Hyejoo não estava em seus melhores dias, optou por não dizer nada e evitar qualquer atrito, então apenas abriu seu armário para guardar o seu vestido e depois iria pegar uma roupa para tomar um banho quente e descansar o resto da noite, pois merecia, mas assim que abriu sua gaveta de peças íntimas, notou que algo estava diferente ali.
“Hyejoo, você por acaso mexeu nas minhas calcinhas?” A jovem questionou.
“Não mexi em porra nenhuma.” A garota respondeu seca e áspera, sem nem se mexer em cima da cama.
“Mexeu sim, isso aqui não tá do jeito que eu deixo.” Sooyoung insistiu, não sabendo o que a sua irmã poderia querer ali, já que ela não tinha nem dinheiro pra esconder.
“E o que eu ia querer com as suas calcinhas, porra?!” Hyejoo retrucou totalmente agressiva e em forma de pergunta, se sentando em sua cama. “Você tá achando que eu sou alguma espécie de tarado, é isso, Sooyoung?”
“Eu tô achando que você anda muito estranha, isso sim.” A mais velha respondeu, certa que aquela impaciência toda era um atestado de culpa, já que era dessa forma que Hyejoo sempre agia quando aprontava alguma coisa, mas não tinha culhões pra admitir. “Se eu descobrir que você andou pegando coisa minha, o bicho vai pegar.” Ela ameaçou a mais jovem, com o dedo em riste.
“Ah, vai se ferrar.” Hyejoo respondeu, revirando os olhos e voltando a se deitar na cama, sem paciência praquela chatice toda de sua irmã. “Tava tudo muito bem até você chegar, garota chata do caralho.”
Sooyoung até chegou a abrir a boca para responder, mas, ouviu o barulho de chaves e a porta principal se abrindo. Sinal que Gyuri estava chegando do trabalho, e como ela precisava de uma autorização para ir dormir na casa de Kahei naquele fim-de-semana, optou por não levar aquela discussão adiante, já que poderia tomar um castigo e ainda perder o seu tempo, já que o que quer que tivesse feito, Hyejoo não iria assumir.
A mais velha saiu do quarto e encontrou Gyuri sentada no sofá da sala, sem os sapatos nos pés e com a cabeça deitada no encosto traseiro, olhos fechados e massageando as têmporas com as pontas dos dedos indicadores e médios.
Quando Gyuri chegava do trabalho assim, era sinal de que não havia tido um dia bom.
“Como foi no shopping?” Ela perguntou após alguns segundos de total silêncio.
“Foi tudo bem.” Sooyoung respondeu, sentindo-se em outro sofá. “Eu comprei um vestido bonito, azul bebê, não muito caro. Quer ver?”
“Depois, agora eu só quero um pouco de descanso e um analgésico, já que a minha enxaqueca tá começando a atacar.” Gyuri respondeu demonstrando muito cansaço.
“Eu pego pra você, mãe.” A garota se ofereceu, se levantando do sofá e indo para a cozinha, onde os remédios ficavam guardados. Pegou um comprimido de Paracetamol e um copo de água, levando-os para Gyuri, que bebeu e depois se deitou no sofá.
Apesar da mulher não ter dito nada, Sooyoung sabia muito bem que o que desencadeava essas crises de enxaqueca em sua mãe era justamente o estresse, e com o seu casamento batendo a porta, ela poderia imaginar que essa era a causa daquela crise.
“Tem alguma coisa pra comer aí?” A mulher perguntou.
“Não, mas se quiser eu posso fazer um lanche rápido pra você comer.” A garota sugeriu, mas Gyuri negou e se levantou do sofá.
“Eu vou pro meu quarto me deitar um pouco e ver se essa dor diminui. Faz alguma coisa pra você e sua irmã comerem, já que eu tô até com náuseas.” Gyuri falou, e saiu dali, enquanto Sooyoung levou as duas mãos na cintura, suspirando.
Já era o seu banho e o merecido descanso, agora ia ficar com a barriga no fogão fazendo janta pra sua irmã folgada.
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Enquanto isso, na casa da família Kim, Donghae, que amava comida chinesa, mal havia tocado no prato, já Jiwoo comeu pouco por já ter comigo no shopping antes e também por estar se sentindo culpada em ver o pai daquela maneira.
Após o jantar, no entanto, ela seguiu para o quarto e deitou-se em sua cama, ainda sem muito sono.
Abraçou o travesseiro e deixou o celular sobre o criado-mudo, não querendo ver mensagens de ninguém. Nem de Myungjun.
Começou a se lembrar de tudo o que tinha aprendido durante sua vida em relação a namoros e sexo, o que não era muita coisa e nada que fugia das regras rígidas da igreja. Em seu anelar esquerdo, ela usava seu anel de castidade.
O objeto era prateado e tinha uma margarida, flor que representava a inocência e a pureza, desenhada ao lado dos dizeres “o verdadeiro amor espera”.
Na comunidade do Amor e da Prosperidade era assim: os anéis de castidade femininos eram iguais aos de Jiwoo, já os masculinos não tinham a flor desenhada, apenas os mesmos dizeres. Todo fiel ganhava um desses ao completar 13 anos, idade que formalmente se tornava um adolescente e jurava perante a Bíblia se manter puro para seu futuro esposo, só trocando o anel pela aliança de ouro no dia de seu casamento, já sem uma idade pré-determinada.
A tradição era antiga e, às vezes, os pais passavam seus anéis de castidade para os filhos, tanto que o de Jiwoo havia sido usado por sua mãe até o dia em que ela se casou com Donghae.
A castidade era uma das virtudes mais bem vistas dentro da igreja, portanto, quando era descoberto que alguém havia quebrado seu voto, a punição era grave, geralmente uma expulsão da comunidade, o que por consequência, gerava uma grande vergonha não somente para a pessoa expulsa da igreja, mas também para toda a sua família.
Se alguém optasse por ter relações sexuais fora do matrimônio, seja sexo antes do casamento ou em um caso extraconjugal, era bom que fizesse isso muito bem  escondido e que ninguém da igreja descobrisse, pois uma vez que isso se tornasse de conhecimento de Donghae, uma reunião com os ministros da igreja era feita para decidir a pena para a falta, que geralmente era a expulsão.
Após ser expulsa, a pessoa não era proibida de frequentar a igreja, ela podia o fazer, mas apenas como visitante, o que implicava em uma série de restrições ali dentro, porém, era a única forma de  talvez um dia a pessoa ser aceita novamente na comunidade, mas jamais ocupar um cargo superior, como ministro e principalmente pastor. A escola de pastores era muito rígida quanto à sua admissão, e somente uma pessoa sem faltas graves e muito correta poderia ser aceita por ela, além de uma quantidade mínima de tempo como fiel da igreja.
Porém, a verdade é que quando uma pessoa acabava expulsa da igreja, era muito difícil que ela voltasse, já que era uma grande humilhação diante de todos, além de quê, sua imagem ficava arranhada para sempre. Às vezes até a família da pessoa acabava se afastando da igreja por conta das fofocas e apontamentos que aconteciam, mesmo com Donghae reforçando que ninguém deveria ser responsabilizado pelo erro de outrem, independente se fossem da mesma família.
Já havia visto várias pessoas sendo expulsas, a maioria jovens que quebraram o voto de castidade e transaram antes de se casarem, e quase sempre com pessoas de fora da igreja, o que a fazia acreditar que era daí que vinha toda aquela preocupação de Donghae. Se Jiwoo cometesse uma falta tão grave como essa, ele dificilmente conseguiria seguir como pastor, não pelas regras escritas, mas sim pelas regras morais.
Ninguém mais o veria como uma referência e sua autoridade passaria a ser questionada, afinal, como acreditar que um homem que não conseguiu cuidar da própria filha iria cuidar de uma comunidade inteira?
Jiwoo amava muito a igreja, mas quando analisava certas coisas, sentia que todos ali viviam em uma espécie de corda bamba moral, quando qualquer passo em falso ocasionaria em uma queda, e a partir daí todos, que antes eram seus amigos, lhe apedrejariam, mas ao mesmo tempo se lembrava de que na própria Bíblia estava escrito o quão estreita era a porta e apertado o caminho que levava a vida eterna, e por isso poucos a encontravam.
No entanto, o som de mensagem em seu celular fez Jiwoo voltar a sua atenção para o aparelho. Apesar de ter em mente que não iria mexer nele, teve a curiosidade de ver quem era, e dependendo da pessoa (a.k.a Hyunjin ou Yeojin mandando mensagem idiota no grupo) ela nem responderia.
Mas era uma mensagem de Sooyoung e seu coração até deu um salto no peito. Jiwoo não conseguiu deixar de babar na foto de perfil, que tinha sido mudada há pouco tempo, onde ela usava uma camiseta preta cavada e bem justa, de uma banda de rock chamada “KISS”, que já tinha sido repassada em várias mensagens de aviso para os jovens da igreja nunca ouvirem nada deles, afinal o nome da banda era a sigla de Cavaleiros a Serviço de Satan ou em inglês, Knights In Satan Service.
Além da camiseta da banda do diabo, Sooyoung usava óculos escuros e fazia com a mão esquerda o símbolo do “chifrinho” satânico, com o dedo indicador e o mínimo levantados e o resto do punho fechado, gesto comum entre rockeiros.
Ela também estava com a expressão facial bastante sacana, boca entreaberta e a língua encostada no lábio superior.
Provocante.
Jiwoo sentiu um calor tão grande só de ver aquela foto, que começou até a se abanar com a mão livre. Deveria ser a sensação do hálito de fogo de Asmodeus, o demônio da luxúria, que com certeza estava logo atrás dela, baforando em seu cangote e lhe instigando a ter pensamentos e sensações indevidas.
“Afasta de mim essa tentação, Senhor.” Pediu baixinho, respirando fundo e tentando voltar ao seu normal.
Enquanto lutava contra aquelas sensações, até se esqueceu de ver a mensagem que Sooyoung havia lhe mandado, que era o que ela deveria ter feito desde o início.
Sentiu-se ainda mais culpada por ver que a garota havia lhe mandado um áudio de música, na maior boa intenção, com a seguinte mensagem: “Não sei se você conhece, é uma música que fala sobre amizade, de uma dupla chamada “Indigo Girls”. Se chama “Power of Two”. Espero que você goste.” seguida por um emoji de coração e o do sorriso tímido.
Jiwoo pegou seu fone de ouvido de dentro da mochila, o conectou no celular e começou a ouvir a canção, que era bem gostosinha, acústica, e a voz da cantora era bem agradável.
“Adorei. A música é linda. Obrigada pela indicação.” Jiwoo respondeu, e enviou um emoji de coração na sequência.
Ela se deitou na cama, e abriu a foto do perfil de Sooyoung, admirando a imagem enquanto ouvia a música em meio a suspiros perdidos.
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Hyejoo chegou na cozinha e viu Sooyoung na mesa, mexendo no celular enquanto sorria meio abobada, feliz por ter conseguido agradar Jiwoo com a indicação de uma música das Indigo Girls, uma dupla de lésbicas feministas e militantes LGBT norte-americanas, coisa que o pessoal da sua igreja era totalmente contra.
Não era um Scissor Sisters, como Kahei havia dito, mas era algo representativo.
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No dia seguinte, Yeojin estava sentada na mesa, conversando com uma amiga de fora da igreja, com o celular em mãos.
“Olha, essas tatuagens aqui de anjo, são muito lindas, né?” Yeojin falava animada. “Eu morro de vontade de fazer um anjo e também uma escrita “Jesus”.”
A garota estava tão entretida com a conversa, que nem viu Hyunjin se aproximando.
“Como é que é, Yeojin? Você falou de tatuagem, é isso mesmo?” A mais velha perguntou, sentando-se na mesa.
“Senta que lá vem sermão.” Yeojin sussurrou e revirou os olhos, já a outra garota se levantou e foi embora.
“Você sabe o que a Bíblia diz sobre tatuagens? Dormiu nessa parte do culto? Pulou esse trecho de Levíticos? Não fareis marca alguma sobre teu corpo.” A garota repreendeu a mais jovem.
“Mas eu não falei que eu vou fazer, só que tenho vontade.” Yeojin se defendeu.
“Eu posso ter vontade de fazer tatuagem? Pode! Posso sair por aí tendo um, dois, três namorados sem o pastor saber? Claro que pode! Posso ouvir músicas que estimulam a fornicação e a promiscuidade? Pode! Você pode tudo, você só não vai poder ouvir o som da última trombeta! Hoje a carne te dá prazer, mas amanhã ela te joga no fogo do inferno! Ter vontade também é pecado!” Hyunjin falou com muita empolgação e emoção, como uma pastora veterana.
Yeojin até murchou, como um gatinho encolhido após levar uma bronca. Nem o reverendo Kim dava tanta lição de moral nos jovens quanto Hyunjin.
“Eu peço perdão pelo meu pecado.” A mais jovem disse, envergonhada.
“Não peça perdão a mim, peça perdão a Deus, e à Ele quem você ofende quando pensa em colocar marcas no seu corpo.” Hyunjin respondeu, apontando para o alto.
“Perdão, Senhor, perdão.” Yeojin disse, fechando os olhos e juntando as mãos.
“Mas mudando de assunto, você viu a Jiwoo por aí?” Hyunjin questionou.
“Vi nada.” A mais jovem respondeu. “Queria ter visto pra perguntar como o reverendo Kim reagiu ontem, sabe? Sobre o encontro com o Myungjun.” Completou com toda a sinceridade de seu coração.
“E por que que você tá tão interessada nisso?” Hyunjin perguntou, arqueando uma sobrancelha, desconfiada.
“Porque meu pai segue tudo o que o reverendo Kim faz, e se ele for tolerante com o namoro da Jiwoo, meu pai pode não implicar se eu namorar um garoto de fora da igreja também.” Yeojin respondeu.
“Ah então é isso? Olha, Yeojin, você deveria ter vergonha de si mesma.” A mais velha começou um novo sermão apontando para a pequena, fazendo a outra novamente murchar. “Eu poderia citar agora vários motivos pra mostrar o quanto você está errada, mas eu vou me ater ao básico e principal: egoísmo.” Yeojin abaixou a cabeça, sentindo-se envergonhada. “Você está torcendo para que o meu tio Donghae aceite que Jiwoo se jogue nos braços de qualquer um pra você poder fazer o mesmo? Isso é uma coisa muito feia e um pecado!”
“Do jeito que você falou agora parece uma coisa horrível, mas eu não acho que seja pra tanto.” A outra argumentou, tentando se defender.
“E você acha isso pouco? Pense bem, reflita e você vai perceber a quão errada está, sem eu precisar dizer nada.” Hyunjin continuou acusando.
“Eu não acho que o Myungjun seja uma má pessoa.” Yeojin falou sincera. “Você mesma disse que acha ele bonitinho e fofo, e eu não tenho dúvidas que ele realmente gosta da Jiwoo.”
“Ser bonitinho e fofo não muda o fato dele ser um idólatra.” Hyunjin respondeu rapidamente. “E eu também não duvido que ele goste da Jiwoo de verdade, mas ainda assim, não acho que seria bom pra ela se envolver com alguém que está vivendo em pecado, e eu tenho certeza que o meu tio Donghae pensa da mesma forma e não vai deixar a Jiwoo fazer uma besteira dessas, porque ele é um homem sensato e conhecedor da Palavra.”
“Pois eu acho que não.” Yeojin comentou e não conteve uma risadinha. “Olha lá a Jiwoo de papo com o Myungjun.” A jovem apontou para frente, e Hyunjin virou-se para trás no mesmo instante, e viu sua prima conversando com o rapaz há alguns metros de distância, para a sua surpresa.
Era visível a animação no rosto iluminado e na postura de Myungjun, já Jiwoo parecia meio acuada, talvez tímida e com certo receio, mas nada que causasse grande preocupação. Aquilo era uma postura normal pra uma menina inexperiente com garotos.
Após uma breve despedida, o rapaz se juntos aos seus amigos com um sorriso enorme e quase saltitando de alegria, já Jiwoo, sentou-se junto das duas colegas com uma expressão nada animadora.
“Nossa, que cara, Jiwoo, você tá se sentindo mal?” Yeojin perguntou, até preocupada com tanto desânimo.
“Está tudo bem, sim, eu só... Tô um pouco ansiosa.” A filha do reverendo Kim respondeu, mentindo. Não estava tudo bem coisa nenhuma, e ela estava ansiosa, mas não era para estar junto de Myungjun, mas sim para aquilo tudo passar rápido, e o problema era o que aconteceria depois, ou melhor, um dos problemas, o outro nó da situação era a própria Jiwoo, cada vez mais confusa.
Havia feito de novo. Havia se tocado novamente na noite anterior, e o pior, duas vezes seguidas, como se já não bastasse o comportamento deplorável que tivera no provador horas antes.
Enquanto cometia o abominável ato, a garota só conseguia se lembrar de como eram macios os lábios de Sooyoung, como era envolvente o seu perfume e como ela era linda e sensual.
Jiwoo era muito mais fraca do que imaginava. Suas defesas contra a tentação da carne caíam por terra toda vez que ela se lembrava da morena.
Satanás deveria estar se refestelando no inferno com confetes e serpentinas ao ver o quão patética era a filha de um líder cristão como Donghae
Sua fé era tão fraca que caiu na primeira tentação mais forte que encarou. Seria apedrejada moralmente se algum dia isso caísse nos ouvidos do povo da igreja.
“O seu pai ficou bravo com você?” Yeojin voltou a questionar a jovem, após um breve período de total silêncio na mesa.
“Não, ele só estranhou um pouco, mas já está tudo bem.” Os lábios de Jiwoo diziam que tudo iria ficar bem, mas a sua expressão facial dizia o oposto, e era uma situação tão gritante que Yeojin achou melhor nem perguntar mais nada e deixou Hyunjin mudar o assunto da conversa.














































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