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“Por que as coisas têm que ser tão difíceis, Senhor?” Jiwoo perguntou baixo, enquanto a água quente caída do chuveiro batia contra o seu rosto.
Já fazia cerca de meia hora que estava naquele banho, enrolando para sair, tudo porque não conseguia parar de chorar.
Desejava tanto que aquela dor em seu peito fosse levada para o ralo como a água que escorria por seu corpo, mas para a sua infelicidade, sentimentos não iam embora tão facilmente.
Mas a hora combinada para Heejin passar em sua casa se aproximava e ela não poderia se atrasar, pois assim iria estragar o passeio, e por essa razão, se viu obrigada a sair do banheiro que estava sendo o seu refúgio temporário.
Sabia que enfrentaria dias de tormenta e passaria por uma fase bastante delicada e até mesmo perigosa, onde não poderia, de forma alguma, fraquejar.
Seu único conforto era saber que não estaria sozinha dessa vez, e, se Deus quisesse, esqueceria Sooyoung de uma vez por todas.
Desligou o chuveiro e se vestiu ali no banheiro mesmo, já que antes de ir pro banho já tinha escolhido e separado as roupas que usaria naquela ocasião: uma blusa de lã preta, saia xadrez longa preta e cinza por cima de uma meia calça bege, como uma proteção a mais para as suas pernas contra o frio crescente, um sapato estilo boneca preto e com um salto pequeno, e uma jaqueta de veludo vermelho escuro para completar.
Fez uma maquiagem um pouco mais pesada do que costumava usar, e após usar o secador de cabelos, deixou seus fios castanhos soltos, caindo sobre os ombros, sem colocar qualquer adorno na cabeça.
E mesmo depois de pronta, permaneceu ali no banheiro, enrolando e evitando um possível encontro com Sooyoung, e nem era por receio da outra desconfiar que ela não iria pra reunião religiosa nenhuma por causa das roupas que estava vestindo, mas por medo de ver a outra tão machucada que lhe faria desistir de manter aquela distância dela.
Passou um tempo e seu celular tocou acusando mensagem e era de Heejin, avisando que ela e Wonpil já estavam na frente da casa.
Era chegado o momento, e Jiwoo teria que sair do banheiro após mais de uma hora trancada lá dentro.
E assim que o fez e seguiu o caminho até a porta da rua, viu que todo aquele temor foi exagerado e desnecessário, já que, aparentemente, Sooyoung nem sequer havia saído do quarto.
Pegou no quarto do pai a bolsa de camurça caramelo com alça transversal, onde guardava um estojo de maquiagem pequeno, para caso de precisão, as chaves de casa, carteira com dinheiro e documentos. Até tinha um cartão de crédito adicional dado por seu pai, mas naquela noite só poderia usar dinheiro, já que se Donghae visse um nome de um bar na fatura do cartão da filha, Jiwoo iria ficar bastante encrencada.
O carro dirigido por Wonpil estava parado bem em frente a sua casa, e ela então, se acomodou no banco de trás, cumprimentando o jovem casal, que responderam simpáticos.
Jiwoo suspirou e apesar de abrir um sorriso, ela não estava feliz.
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Dentro do quarto, Sooyoung estava deitada na cama, coberta por um grosso edredom cinza até o pescoço e encolhida.
As lágrimas ainda rolavam por seu rosto, e o fazia há tanto tempo, que um pedaço da fronha branca do travesseiro da garota estava encharcado. Sua garganta estava com aquela horrível sensação de estar fechada.
Como gostaria de ter o poder de voltar no tempo e desfazer todas as merdas que tinha feito, e se possível, nem sequer sair de casa para encontrar com Jiwoo naquela tarde maldita.
Não sabia porque exatamente tinha agido daquela maneira. Sooyoung que tinha um histórico até grande de burradas cometidas durante sua curta vida, nunca havia feito algo de proporções semelhantes.
Tinha que reconhecer que Jiwoo estava certa mesmo por querer se afastar, pois ela havia se comportado de maneira monstruosa e poderia ter criado problemas ainda maiores tanto para si quanto para a menina religiosa.
O pior de tudo era a constatação de que aquele seu comportamento era idêntico ao de sua mãe.
Agora Sooyoung pôde constatar que ela sim, se tratava de uma versão mais nova de Gyuri, pois um ato completamente insano e agressivo daqueles era algo totalmente plausível de vir de sua mãe, e isso a assustava e muito.
Ela não queria ser igual a Gyuri.
Mas, diante do histórico tanto seu quanto da mãe, era difícil que a história não se repetisse, uma vez que, Gyuri passou por uma série eventos traumáticos muito jovem, sendo expulsa de casa e abandonada à própria sorte com uma criança no ventre. Teve que aprender a ser adulta, se virar para se sustentar e sustentar um bebê na marra e isso lhe deixou profundas marcas que refletiam em sua personalidade até hoje.
A frustração por ter uma vida de sonhos interrompida por uma gravidez indesejada nunca lhe abandonou, talvez diminuiu no período em que esteve feliz em seu casamento com Yangnam, mas voltou com o dobro da força após o divórcio e os seus bodes expiatórios acabaram sendo as filhas, que tiveram que aguentar toda a violência verbal, psicológica e física como resultado do profundo ressentimento de Gyuri com a própria vida e com os pais das meninas, que eram os maiores culpados por ela se encontrar naquela situação.
E, assim como sua mãe, Sooyoung também teve uma vida marcada por situações estressantes, tristes e traumáticas que afetaram parte de sua personalidade. Quando estava em um bom estado, podia ser uma pessoa com algumas qualidades, mas quando com raiva agia de maneira cínica, debochada e agressiva, chegando a picos de violência em situações que poderiam ser consideradas pequenas, ou até mesmo bobas, como foi o caso de Jiwoo conversando com aquele garoto.
Até tentava se controlar, tentava não ser daquela maneira, porém, não existia um verdadeiro controle, ela apenas abafava seus impulsos, que ficavam ali adormecidos e iam se acumulando, até um momento em que, como um copo cheio, transbordava por uma simples gota.
Foi exatamente o que houve naquela situação: envenenada pelas palavras de Hyunjin no dia anterior, ela se viu com mais um obstáculo entre si mesma e Jiwoo, e com tanto medo de perder a outra, deixou-se tomar por uma fúria ensandecida e agiu como um demônio.
E bom, por sua natureza cética, Sooyoung não acreditava em demônios ou em qualquer outro tipo de ser místico. Não atribuiria suas ações ruins a uma suposta criatura maligna invisível, que teria lhe comandado como uma marionete, não.
Seu demônio era ela mesma.
E ela teria que aprender a enfrentar a si mesma se quisesse mudar e nunca mais perder pessoas que se aproximavam como havia perdido Jiwoo.
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O bar em que Heejin e Wonpil levaram Jiwoo era, realmente, um lugar bastante agradável. As paredes eram em tom escuro de azul, com mesas de madeira e cadeiras estofadas também azuis.
O lugar não era muito grande, haviam poucas mesas espalhadas pelo ambiente, e no fundo um balcão, onde muitas garrafas coloridas de bebidas alcoólicas estavam expostas, com alguns bancos, desses sem encosto, para os que iam ali somente para beber ou sem companhia.
A iluminação era feita toda por lâmpadas suspensas na cor âmbar, o que dava ao local um ar retrô, coisa que Jiwoo, particularmente, gostava muito.
Também havia um palco não muito grande, e naquela noite, uma jovem cantora, aparentemente na casa de seus vinte e poucos anos, era quem fazia um show acústico de baladas e músicas antigas, acompanhada por uma banda com um baterista, um baixista, um guitarrista, um tecladista, e ela própria além da voz, também tocava violão.
Ao sentarem em uma mesa, Jiwoo de um lado da mesa sozinha, de frente para Heejin que tinha Wonpil ao seu lado, tratou logo de pegar o cardápio e ler item por item da lista, levando alguns minutos para isso.
“Meninas, eu vou pedir uma bebida, vocês vão querer o quê?” Wonpil perguntou, antes de chamar um garçom.
“Soju, claro.” Heejin tratou logo de responder, e olhou para Jiwoo. “Você vai querer um suco?”
“Soju é bom?” A garota perguntou, interessada.
Jiwoo nunca tinha tomado nada alcóolico na vida, e soju era uma bebida típica coreana e que lhe despertava certa curiosidade, já Wonpil e Heejin se entreolharam.
“É muito gostoso, só que é meio forte, ainda mais pra você que nunca bebeu nada.” Heejin respondeu.
Jiwoo sentiu-se um pouco insegura ao ouvir aquilo, ainda mais por não estar só violando as regras da igreja sobre o consumo de álcool, mas também as leis civis, já que ela ainda não tinha idade legal para fazer esse tipo de coisa.
“Só uma garrafa faz tanta diferença assim?” Ela questionou e deu uma risadinha, tentando esconder que estava insegura, mas querendo fazer algo diferente na esperança de que pudesse se sentir menos triste.
“Bom, uma só para experimentar acho que não vai ter problema, né?” Heejin concordou e olhou para Wonpil, buscando afirmação do namorado.
“Tudo bem, mas é bom que você coma alguma coisa junto com a bebida, porque assim evita de você ficar alterada ou passar mal.” O rapaz disse e Jiwoo concordou. “E não vai tomar o soju puro, não, porque além de ter bastante álcool, o gosto também é muito forte.”
“É, Wonpil tem razão.” Heejin completou. “Pede Subak, Jiwoo, é uma delícia.” A mais velha sugeriu para a amiga, que assentiu, aceitando a ideia.
Após chamar um garçom, Wonpil pediu dois coquéteis Subak, um coquetel que era a mistura de soju e refrigerante de limão dentro de uma pequena melancia, para Jiwoo e Heejin, uma garrafas de cerveja para si, e também Kimchi Jjigae, uma espécie de ensopado com carne de porco, e Yukpo, que era carne seca grelhada em fatias. Ambos os alimentos faziam parte do que os coreanos chamam de ‘Anju’, que são comidas tipicamente consumidas com bebidas alcoólicas.
Enquanto eles esperavam pelo pedido, Jiwoo voltou sua atenção para a banda tocando no pequeno palco há poucos metros de distância, tentando se distrair e não ficar pensando em como Sooyoung deveria estar naquele momento, sozinha em casa, após a última conversa entre elas.
A jovem logo reconheceu a canção que estava sendo executada: Bad Girl, da Madonna.
A cantora norte-americana não era das mais queridas entre boa parte dos cristãos por uma série de coisas vindas de muitos anos atrás, desde suas performances de ‘Live to tell’ encenando uma crucificação, que eram vistas como ofensivas com Jesus, o seu videoclipe de ‘Like a prayer’, que misturava elementos religiosos com erotismo, e até a sua aberta defesa dos direitos LGBT, que, por muitos era tida como uma afronta aos princípios cristãos e da família tradicional.
Mas ainda assim, Jiwoo ouvia e gostava de algumas de suas canções, especialmente as mais lentas, mas ouvir ‘Bad Girl’ naquele momento, estava a fazendo somente se lembrar de Sooyoung.
I don't want to cause you any pain
But I love you just the same
And you'll always be my baby
In my heart I know we've come apart
And I don't know where to start
What can I do? I don't wanna feel blue
Bad girl, drunk by six
Kissing someone else's lips
Smoked too many cigarettes today
I'm not happy when I act this way

As bebidas foram servidas primeiro, e isso atraiu novamente a atenção de Jiwoo para seus amigos e para o coquetel, que era esteticamente muito bonito, já que a bebida ficava dentro de uma pequena melancia pequena cortada pela metade, com bastante gelo, um canudo transparente e um guarda-chuvinha vermelho como adorno.
Ela levou a boca até o canudinho e tomou um longo gole da bebida, e pela mistura com refrigerante e também com a melancia, era bem doce.
“Jiwoo, bebe devagar.” Heejin alertou a amiga e deu uma risadinha.
“É bom mesmo.” A filha do reverendo concordou e tomou outra dose da bebida, dessa vez mais devagar e em quantidade menor.

Após o garçom trazer a comida, que estava muito boa, Jiwoo decidiu pedir outro coquetel.
“Você tem certeza, Jiwoo? Você nunca bebeu antes, cuidado pra não passar mal.” Heejin a alertou.
“Se acontece alguma coisa contigo, nós vamos nos ferrar lá na igreja.” Wonpil argumentou, e depois comeu um pedaço de carne.
“Não se preocupem, eu tô bem.” Jiwoo assegurou e fez sinal para o garçom, pedindo a segunda dose do coquetel.
Depois disso, Jiwoo, que já estava se sentindo mais leve e solta, chamou novamente o garçom.
“Eu vou querer um coquetel de makgeolli com morango.” Ela disse para o rapaz, que foi ao bar preparar o pedido.
“Jiwoo, eu não acho que você deveria beber mais.” Heejin falou, já preocupada e a outra deu os ombros.
“Tô ótima.” Jiwoo respondeu confiante e abriu um largo sorriso.
“Mas vai ser a última, hein?” Heejin disse, fazendo a outra bufar.

E Jiwoo tomou mais um drinque, dessa vez com makgeolli, outra bebida tradicional coreana que despertava a sua curiosidade. O teor alcoólico dela era bem menor que o de soju, o problema era que nesse coquetel pedido pela menina, também havia rum, e essa sim era uma bebida forte.
A banda se apresentando começou a tocar a música “Piano in the Dark”, de Brenda Russell, balada super conhecida dos anos 80.
“I KNOW I´M CAUGHT UP IN THE MIDDLE...” Jiwoo começou a cantar a plenos pulmões assim que chegou no refrão da música, como se fosse ela a própria vocalista da banda, não dando nenhuma importância aos olhares assustados de Heejin e Wonpil e de algumas outras pessoas que estavam próximas de sua mesa. “I CRY JUST A LITTLE WHEN I THINK OF LETTING GO... Choro mesmo, mas não é só um pouquinho, não.” Ela comentou e deu uma risadinha melancólica. “OH NO! GAVE UP ON THE RIDDLE, I CRY JUST A LITTLE WHEN HE PLAYS PIANO IN THE DARK.” A jovem deu uma fungada e sua expressão mudou drasticamente para tristeza. “Só que ela toca guitarra e não piano.”
“Do que você tá falando, Jiwoo?” Wonpil perguntou, confuso.
“Não é nada.” Heejin respondeu, tratando logo de cortar o assunto.
“Mas fala a verdade, pra quê ficar cantando música triste assim?” Jiwoo perguntou para os amigos. “Aí eles fazem a gente pensar nas coisas que a gente não quer pensar!” Ela completou colocando as mãos sobre o rosto. “Eu só queria que Deus tirasse a Sooyoung da minha cabeça e do meu coração!”
“Como é que é!? A Sooyoung!?” Wonpil perguntou de olhos arregalados, completamente chocado com o que ouviu.
Já Heejin balançou a cabeça negativamente.
“Nada não.” Jiwoo respondeu rindo, após perceber que tinha falado demais e não dando a mínima para isso devido ao elevado nível de álcool consumido. “Só umas coisas aí.”
Wonpil piscou os olhos, ainda tentando entender o que havia acabado de descobrir.
“Jiwoo, acho melhor você parar de beber agora, né? Já tá até falando coisa que não deve.” Heejin tentou pegar o copo da mão de Jiwoo, mas a garota se desvencilhou.
“Isso é meu! Eu comprei com o meu dinheiro! Meu! Tá bom? Eu tô cansada de... das pessoas falarem o que eu tenho ou não que fazer! A vida é minha e eu nunca posso fazer nada que eu quero!” Jiwoo disse de forma impaciente e até meio agressiva. “
Heejin suspirou e colocou a mão no rosto, já muito arrependida por ter tido aquela ideia imbecil de levar uma garota chateada pra um bar.
Era óbvio que não ia dar certo.
“Eu acho melhor a gente pedir a conta e voltar pra casa.” Wonpil sugeriu, se levantando para ir até o bar acertar tudo, já receoso que esse passeio pudesse se tornar um grande problema para os três, e por mais de um motivo.
Se o reverendo Kim descobrisse que Jiwoo havia ido para um bar e se embriagado, as coisas iriam ficar bastante complicadas para eles.
“Não!” Jiwoo falou alto quase um desespero e segurou em sua mão, impedindo-o de seguir. “Por favor, não. Eu não quero... Não me faça voltar pra casa agora, não.” Ela implorou, quase chorando. “Eu não quero ver a Sooyoung, você entende? E agora ela mora lá na minha casa? Como é que eu vou fugir disso?”
“Mas Jiwoo,  o que houve? Você está tendo algum problema com ela?” O rapaz perguntou, preocupado, fazendo Heejin até gelar com medo da resposta da amiga, sabendo que tudo o que estava sendo dito seria motivo de um amargo arrependimento após o efeito da embriaguez cessar.
“É que eu tô triste.” A filha do reverendo respondeu após pensar por algum tempo. “Tô triste, tô triste, não tô feliz. Eu vou chorar, chorei bastante já. Eu queria assim que Deus tivesse piedade.” Ela olhou para o alto e suspirou após o desabafo.
Heejin e Wonpil se entreolharam novamente, preocupados e a jovem suspirou.
“Wonpil, vai lá e acerta essa conta, enquanto isso eu levo ela pro carro.” Heejin falou mais baixo para o rapaz, que mesmo desconfiado, assentiu. “Vamos, Jiwoo.”
“Pra onde?” Jiwoo a questionou.
“Dar uma volta.” Heejin mentiu e se levantou de sua cadeira e segurou nas mãos de sua amiga, lhe ajudando a fazer o mesmo.
A garota deu uma pequena desequilibrada, mas conseguiu andar até bem, mesmo trançando um pouco as pernas.
Ao chegar no lado de fora do lugar, enquanto caminhava em direção ao carro de seu amigo, Jiwoo acabou tropeçando na sarjeta, e se Heejin não tivesse sido rápida para lhe segurar, ela teria levado um tombo feio.
“Jiwoo, cuidado!” Heejin falou, enquanto a mais nova começou a rir da própria situação vexaminosa. “Se você tivesse caído, iria se machucar.”
“Sabe de uma coisa, Heejin? Meu pai vai me matar!” Jiwoo perguntou e tratou de responder na sequência, rindo e depois chorando ao mesmo tempo, quando chegaram ao veículo.
Enquanto estavam esperando por Wonpil, Jiwoo ficou cantarolando ‘Amazing Grace’, talvez o mais famoso de todos os hinos cristãos, com mais de três mil versões em diferentes idiomas, interpretado por artistas como Elvis Presley e Ray Charles, escrito pelo inglês John Newton em 1778.
“Amazing grace how sweet the sound that saved a wretch like me. I once was lost but now I'm found. Was blind but now I see.” Jiwoo cantava com a voz um tanto esganiçada e desafinada, e a cena até poderia ser engraçada se Heejin não soubesse o quanto sua amiga estava sofrendo naquele momento.
Então Wonpil entrou no carro, trazendo consigo uma barra grande de chocolate.
“Jiwoo, é pra você.” Ele disse entregando o doce para a garota, que sorriu e agradeceu. “A glicose vai ajudar a abaixar o álcool no seu sangue.”

Wonpil deu algumas voltas com o carro, ganhando tempo para Jiwoo se recuperar, mas era óbvio que ela só estaria cem por cento normal após uma boa noite de sono, mesmo não estando em um estado que pudesse causar grandes danos e preocupações.
E não demorou para que ela começasse a bocejar e demonstrar sinais de cansaço.
Heejin até gostaria muito de levar a menina para dormir em sua casa naquela noite, mas se os seus pais notassem que a garota estava bêbada, pegariam o telefone e ligariam para Donghae no mesmo instante. Eles também não acreditariam se ela dissesse que iria dormir na casa do reverendo, achariam que era uma mentira para dormir com seu namorado.
Quando chegaram na casa do reverendo Kim, Jiwoo já apresentava uma leve melhora em seu estado, mas ainda assim, era notável que ela havia bebido um pouco além da conta, e por essa razão, Heejin entrou em casa com ela, e até lhe ajudou a trocar de roupa para dormir, assegurando que ela não se jogaria no sofá e ficaria lá até o amanhecer do dia seguinte.
Era o mínimo que podia fazer por Jiwoo.
E após a garota pegar no sono, ela foi embora, levando uma cópia da chave da casa, a qual devolveria no dia seguinte, no ensaio da igreja.
“Está tudo bem com a Jiwoo?” Wonpil perguntou, assim que sua namorada entrou no carro.
“Sim, ela dormiu agora.” Heejin respondeu séria. “Péssima ideia a minha de levar a Jiwoo praquele bar. Eu sou muito burra.” Ela desabafou, sentindo-se bastante culpada por todo o ocorrido. “E você, pelo o amor de Deus, não vai falar pra ninguém sobre esse negócio da Jiwoo com a Sooyoung, hein, Wonpil?”
“Então é verdade mesmo? A Jiwoo e a Sooyoung? Elas estão, tipo, juntas?” O rapaz perguntou. “Eu tô chocado de verdade... Então quer dizer que a Jiwoo é...?” Ele nem terminou de pronunciar. “Meu Deus... O reverendo Kim nunca vai aceitar uma coisa dessas.”
“O que você quer dizer com ‘uma coisa dessas’?” Heejin questionou o rapaz.
“Você sabe, Heejin.” Ele respondeu meio sem jeito.
“Isso é ridículo, sabia? Eu acho que já passou, e muito, da hora de nós cristãos pararmos de agir como se ser gay fosse o pior pecado do mundo.” A jovem argumentou. “Você acha que o pecado da Jiwoo é pior do que o nosso? Ou pior que o pecado dos seus amiguinhos que vivem trocando fotos de garotas sem roupa no Telegram? Não é!”
“Heejin, não brigue comigo.” Ele se defendeu. “Sinceramente, pra mim, isso não é um grande problema, eu nunca vou mudar a forma como trato a Jiwoo por causa disso.” Prosseguiu. “Mas as coisas na igreja não dependem do que eu penso, e se algum dia o reverendo Kim descobrir vai ser um escândalo dos grandes, porque ele vai ser obrigado a expulsar a própria filha.”
Heejin sabia que Wonpil estava com a razão ao falar daquilo. Se essa história fosse descoberta e delatada por alguém, Jiwoo, e também o reverendo Kim, passariam por uma grande humilhação perante a comunidade religiosa.
“É por isso que nós não devemos jogar pedras nela. Se um dia acontecer o pior, ela precisa estar ciente que nós estaremos do lado dela, a apoiando, independentemente de qualquer coisa.” Heejin finalizou o assunto, e o rapaz assentiu.
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Quando ouviu o despertar do alarme do celular, Sooyoung já sentiu um enorme desânimo tomar conta de si, mas seria obrigada a ir para a escola, nem que fosse se arrastando, já que Hyejoo estava certa sobre dizer que se ela continuasse com seguidas faltas, sua mãe seria comunicada.
Sendo assim, ela se levantou da cama e trocou de roupa, vestindo seu uniforme.
Não quis demorar muito em casa, então só tomou mesmo um copo de leite, escovou os dentes e saiu logo de casa, antes mesmo de Jiwoo sair do quarto do pai.
Ouviu quando a religiosa chegou na noite passada, e até estranhou por notar que Heejin havia entrado em casa junto dela, mas de qualquer forma, não teve coragem de sair da cama para perguntar se estava acontecendo algo, até porque, depois da última conversa com a garota, ficou claro que ela não queria mais nada com Sooyoung, e pudesse até ficar chateada se ela aparecesse ali.
De qualquer forma, a jovem tinha agido da maneira que considerou a melhor naquele momento.
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Jiwoo acordou com uma dor de cabeça chatinha, e viu que muito cedo Heejin havia lhe mandado mensagem perguntando como ela estava.
Como não bebeu em quantidade exorbitante a ponto de ter uma amnésia alcóolica, Jiwoo soube logo do que se tratava o teor da pergunta, e respondeu a amiga, antes de seguir para o banho.
Não deveria ter bebido daquele jeito, quer dizer, não deveria ter bebido nada, porque além de ser menor de idade, sabia que isso era contra as regras da igreja, regras essas que ela estava pisando em cima dia após dia com um pecado diferente a cada vez.
Jiwoo sabia que estava cada vez mais longe daquela garota religiosa e dedicada do início de sua vida, por estar se embrenhando em um labirinto que só tinha uma saída: o caminho da perdição.
E como se não bastasse a cena ridícula, ainda acabou entregando para Wonpil a realidade de sua relação com Sooyoung, e mesmo com Heejin lhe garantindo que o rapaz não contaria nada para ninguém, ela estava envergonhada e nem sabia como iria encará-lo a partir de agora.
“Senhor, eu prometo que eu nunca mais não vou nem segurar um copo de bebida na mão.” Ela falou baixo, após se vestir e ir para a cozinha, tomar um café-da-manhã e depois tomar um analgésico para se livrar daquela dor incômoda na cabeça. “O diabo é a bebida.”
Sim, foi por causa da bebida que ela falou demais e entregou seu maior segredo para Wonpil, e portanto, não iria nunca mais beber, com medo de que pudesse acabar falando o que não devia pra alguém menos compreensivo e com isso acabar se ferrando e ferrando Sooyoung por tabela.
Foi pra escola também sem muita vontade. Preferia mil vezes ter ficado em casa, vendo televisão e tentando se distrair enquanto esperava o remédio fazer efeito e a dor de cabeça ir embora, mas, infelizmente, temendo ser delatada por Hyunjin a Jaesang que poderia falar com Donghae, ela se viu obrigada a fazer o que não queria naquele dia.
Por chegar um pouco mais tarde que o habitual, ela teve de ir direto para a aula, já que o sinal tocou assim que ela pisou na escola.
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Durante o intervalo, após sair de uma aula chatíssima e interminável de matemática que ajudou a piorar a sua dor de cabeça, Jiwoo seguiu para o pátio, onde avistou Myungjun.
Ficou paralisada e engoliu em seco, enquanto observava o rapaz arrumando suas coisas dentro da mochila, que estava em cima de um banco.
Ela respirou fundo, tomou coragem e andou em direção a ele.
“Myungjun?” Ela o chamou, e ele se virou no mesmo instante.
Jiwoo se sentiu bastante mal ao notar uma pequena escoriação em sua testa, o lábio superior um pouco inchado e um pequeno hematoma abaixo do olho esquerdo, estava roxo claro, mas ainda era visível.
Apesar de tentar o seu máximo, a jovem não conseguiu esconder a surpresa e fez até uma expressão de susto ao vê-lo assim.
Na hora da confusão, foi tudo muito rápido, mas seu rosto agora mostrava o quanto Sooyoung tinha sido certeira e violenta em seus golpes.
“Tava bem pior ontem.” Ele comentou, meio impaciente e colocou a mochila nas costas “Por sorte os meus pais acreditaram na mentira que fui atropelado por uma bicicleta, caso contrário, você e aquela...” Ele crispou os lábios antes de continuar, se policiando para não falar algo indevido. “Aquela garota teriam problemas.”
“Eu entendo que esteja chateado e queria dizer que sinto muito e também pedir desculpas.” Ela respondeu, e o rapaz balançou a cabeça negativamente.
Myungjun estava bastante irritado e isso preocupava Jiwoo.
“Eu não estou chateado, estou profundamente decepcionado com você!” Ele respondeu mantendo o tom impaciente. “Eu não me importo com o que as pessoas são, o que elas fazem da vida delas, acredito no livre-arbítrio e na lei de causa e efeito, mas você não podia ter escondido de mim que tinha uma namo...” Ele parou de falar ao ver o olhar assustado da menina. “Se eu soubesse disso antes, nunca teria ficado atrás de você.”
“Myungjun, não é nada disso.” Jiwoo tentou esclarecer que Sooyoung não era sua namorada, mas como ela iria explicar a real situação delas para o rapaz? Seria uma situação embaraçosa, onde a emenda ficaria mil vezes pior que o soneto.
“Jiwoo, você parece uma boa menina, mas está cercada de pessoas tóxicas e cruéis que podem te prejudicar.” Ele falou, se referindo não somente a Sooyoung, mas também a Hyunjin, a quem ele tinha total noção de que o detestava apenas por conta de sua religião. “E eu não quero entrar numa disputa com outra pessoa por você. Não é isso que eu acredito ser o verdadeiro amor e também não quero ser contaminado por toda essa gente, e se você aceitar um último conselho: é melhor você começar a tomar cuidado com quem anda.”
“Myungjun, por favor...” Jiwoo tentou argumentar, mas a verdade é que ela nem sabia o que dizer.
“Não se preocupe, eu não vou contar nada pra ninguém.” Ele garantiu e mesmo sem mencionar nada específico, Jiwoo soube do que ele estava falando, e então, o rapaz simplesmente se virou e foi embora.
A garota colocou as mãos na cintura, abaixou a cabeça e suspirou, frustrada por essa situação terminar de maneira tão melancólica e que impossibilitava brechas para uma possível amizade com alguém que tinha se provado decente, e também por ele ter ficado com a imagem de que ela era uma pessoa sacana, que saía por aí enganando e usando os outros.
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Jiwoo até tentou prestar a atenção nas aulas, mas estava muito difícil. Mesmo após a dor de cabeça passar, ela ainda estava com os pensamentos bastantes inquietos e o humor deprimido por causa de tudo o que estava acontecendo.
Parecia que alguém tinha aberto a sua caixa de Pandora particular e com todos os males ali contidos soltos, era uma tempestade após a outra.
Agora só lhe restava ir para o ensaio da igreja e encarar Heejin e Wonpil depois do vexame no bar, mas o jovem casal lhe tratou da mesma forma de sempre.
Como chegou primeiro que todo mundo, a jovem aproveitou para tentar se distrair tocando alguma coisa no piano, e escolheu algo clássico: a Bagatela do Piano, ou Fur Elise, de Beethoven, clássico famoso, principalmente por ser uma das principais canções encontradas nas caixinhas de música e porta-joias.
E assim, os jovens do coral foram chegando, a única exceção foi Hyunjin, o que causou um certo estranhamento em todos, já que ela era sempre uma das primeiras a aparecer e sempre reclamava da falta de compromisso daqueles que se atrasavam.
Por algum motivo, no entanto, com tantas coisas ruins acontecendo, Jiwoo já estava ficando até receosa com o motivo daquele atraso sem nenhum aviso prévio.
“A Hyunjin tá doente ou algo do tipo? Estranho ela não ter chegado até agora.” Heejin perguntou.
“Mais cedo na escola ela estava ótima.” Yeojin respondeu e pegou o celular do bolso, para ver se não havia nenhuma mensagem não lida. “Ela não mandou nada até agora.”
“Vamos esperar mais cinco minutos, Hyunjin nunca se atrasa, é provável que ela tenha um bom motivo pra isso.” Jiwoo falou e depois voltou a atenção para as teclas do piano, dedilhando-as sem muito ânimo.
Enquanto isso, os outros membros do grupo continuaram conversando entre si, e o assunto principal era o estranho atraso de Hyunjin.
Porém, não demorou muito para a garota finalmente aparecer ali, e para a surpresa de todos, não estava sozinha. Hyunjin apareceu na igreja acompanhada de um garoto, cuja a família havia chegado do interior há poucas semanas e estava ainda em processo de integração a Igreja do Amor e da Prosperidade.
Claro que todos estranharam, afinal Hyunjin não era do tipo que andava com meninos por aí. Seu pai jamais deixaria a filha fazer tal coisa.
“Desculpem o atraso, pessoal, mas foi por um bom motivo.” Ela começou a se explicar. “É que eu tenho uma novidade, como vocês podem ver” Apontou para o garoto, que sorriu um tanto tímido.
“Pra quem ainda não sabe, meu nome é Han Jisung.” O rapaz alto e de cabelos negros se apresentou e os outros membros do coral o cumprimentaram.
“Então, o meu pai está ajudando a família do Jisung a se integrar com a nossa congregação, e adivinhem só? O Jisung tocava guitarra em sua antiga igreja.” Hyunjin continuou falando bastante empolgada e até sorrindo.
Já Jiwoo, ao ouvir aquilo, até engoliu em seco, confirmando que aquela semana ainda estava reservando mais surpresas ruins para ela.
“Por esse motivo, o meu pai me pediu para trazê-lo aqui hoje, para ele fazer um teste com a gente.” Ela completou e olhou para o rapaz, que sorriu de volta para ela. “Não é ótimo saber que finalmente vamos ter um guitarrista decente?”
A maioria ali concordou com ela, é claro, já Jiwoo fechou os olhos e suspirou, já imaginando que passaria por uma outra discussão com a prima e uma situação embaraçosa diante dos colegas de grupo.
Mais uma. Parecia até que aquilo estava virando rotina.
“Jisung, eu vou buscar a guitarra pra você.”  A menina disse animada.
“Hyunjin, espera.” Jiwoo falou, fazendo a outra parada no mesmo instante. “A guitarra não está aqui.”
“Como assim?” Hyunjin perguntou, desfazendo seu sorriso. “Está aonde, então?”
“Está na minha casa.” Jiwoo respondeu e olhou para Jisung, por quem estava se sentindo mal, já que ele tinha saído de casa a toa naquela tarde. “Jisung, eu peço desculpas por isso, prometo que vou devolver a guitarra no domingo.” Completou, lembrando-se de que Sooyoung iria precisar do instrumento no sábado, e mesmo muito chateada com a menina, não podia tirar a guitarra três dias antes de sua primeira apresentação.
“No domingo?” Hyunjin questionou com certa impaciência. “Mas que diabos você vai ficar fazendo com essa guitarra, Jiwoo?” Pra Hyunjin a indagação era quase retórica, porque ela sabia muito bem que sua prima não tocava guitarra, mas Sooyoung sim.
“Eu estou praticando para passar o tempo.” A filha do reverendo mentiu de forma descarada, mas sua resposta tosca não convenceu Hyunjin, e nem mais ninguém ali, na verdade.
“Você deveria ter vergonha de mentir assim na casa de Deus!” Hyunjin a repreendeu e deixou todos ali desconfortáveis. “Essa guitarra é da igreja, comprada com o dinheiro suado dos dez por cento do dízimo doado por todos os fiéis, não é sua propriedade particular pra você colocar nas mãos daquela garota que nem merece ter o nome mencionado aqui!”
“Hyunjin, não precisa ficar brava, eu posso trazer a minha própria guitarra.” Jisung disse, tentando amenizar o clima pesado que foi instalado ali.
“Não, Jisung, você não precisa fazer isso. A igreja dispõe de uma guitarra e você vai usar ela.” Ela garantiu ao garoto. “Eu também já estou farta de ver a Jiwoo agindo como a princesa herdeira, como se o fato do pai dela ser o pastor da Igreja  lhe desse o direito de sair por aí fazendo o que bem entende!”
“Hyunjin, não é pra tanto.” Heejin respondeu intervir, já que Jiwoo parecia mortificada naquele momento.
“Eu sei que não deveria ter pego essa guitarra sem falar com vocês, mas eu já disse que a devolverei no domingo.” Jiwoo se defendeu. “Por favor, não vamos criar caso, nós não podemos perder outro ensaio.” Tentou abafar a situação.
“Devolva essa guitarra hoje!” Hyunjin ordenou, cruzando os braços.
“Já disse que vou devolver no domingo!” Jiwoo se manteve firme, deixando Hyunjin ainda mais irritada.
“Jiwoo, quando você vai parar de se comportar dessa maneira ridícula?” Hyunjin perguntou, aumentando o tom.
“No mesmo dia que você parar de se comportar como se fosse uma juíza do tribunal da Inquisição!” Jiwoo respondeu quase de imediato, chocando a prima, que se sentiu extremamente ofendida, afinal, na Idade Média o tribunal da Santa Inquisição católica perseguiu, torturou e matou milhares de pessoas consideradas hereges, e em meio a bruxas, judeus, homossexuais e até mesmo gatos lançados nas fogueiras em praça pública,  também foram executados os protestantes evangélicos,  que eram vistos como traidores da igreja.
“Pelo o amor de Deus, todo ensaio agora é briga de vocês duas!” Brian interviu, impaciente. “Está ficando insustentável essa situação! Se não parar com isso, eu vou embora!”
“Não precisa ir embora, Brian.” Hyunjin falou, visivelmente decepcionada. “Quem sai sou eu. E pra sempre.” A sua sentença deixou os colegas surpresos, e fez Jiwoo abaixar a cabeça, mas manter o silêncio.
“Hyunjin, não faça isso.” Yeojin pediu  para a amiga. “Nós precisamos de você.”
“Só digo uma coisa antes de ir embora: ‘Como é feliz aquele que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.” Hyunjin falou o Salmo 1:1, em claro recado para Jiwoo, insinuando que a prima não seria feliz por escolher ficar do lado de uma pecadora como Sooyoung.
E talvez Hyunjin estivesse com a razão, afinal, a vida de Jiwoo estava indo de mal a pior.
Mas mesmo assim, Jiwoo manteve sua posição de não devolver a guitarra antes de Sooyoung poder tocar naquele show, e Hyunjin cumpriu o que disse e foi embora, e Jisung foi atrás dela.
“Pessoal, chega de dispersão, vamos focar no ensaio.” Jiwoo falou, sentindo até hipócrita, já que ela sabia que depois do acontecido, ela própria não conseguiria se concentrar.
E foi dito e feito: naquele ensaio, Jiwoo foi quem mais errou, mas apesar disso, ela se manteve firme e conseguiu finalizar a atividade no horário certo.
“Jiwoo, se você quiser eu te acompanho até em casa.” Heejin se ofereceu assim que se aproximou da amiga, enquanto essa arrumava as suas coisas.
“Eu agradeço muito, Heejin, mas você não precisa desviar do seu caminho só por minha causa.” Jiwoo respondeu, recusando companhia naquele momento. “Eu preciso de um tempo sozinha.”
Só queria ficar sozinha para tentar organizar os pensamentos e encontrar a melhor maneira possível de dar aquela notícia para Sooyoung.
“Se precisar de qualquer coisa me liga ou manda mensagem.” Heejin fez questão de frisar, antes de se despedir e cada uma seguir seu caminho.
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Em casa, Sooyoung estava dentro do quarto, sentada em sua cama, fazendo a única coisa que conseguia lhe distrair e esquecer de todos os problemas e coisas ruins acontecendo em sua vida: tocar guitarra.
Naquele momento, em especial, a canção que estava tocando não seria tocada no sábado, mas sim que representava o amargo sentimento que lhe habitava, aquele arrependimento tão grande e a culpa devastadora que não saíam de seu coração.
Ela estava tocando “Jealous Guy”, de John Lennon.
Uma história, nunca confirmada, era que John escreveu essa música como um pedido de desculpas para Cynthia Powell, sua primeira esposa, a quem ele havia agredido com um tapa no rosto, quando ainda eram namorados, após vê-la dançando com outro rapaz.
“I was dreaming of the past and my heart was beating fast. I began to lose control. I began to lose control.” Ela cantava sentindo profundamente cada palavra que saía de sua boca. “I didn't meant to hurt you. I'm sorry that I made you cry. Oh my, I didn't want to hurt you. I'm just a jealous guy.”

Ao chegar em casa, Jiwoo ouviu o som da música vindo de seu quarto e sentiu seu coração apertar e seu peito doer mais um pouquinho, quando imaginava que isso não seria capaz.
Seria difícil dizer para Sooyoung que ela teria que devolver a guitarra e fazer com que a garota entendesse e acreditasse que não estava agindo por vingança.
Jiwoo foi andando devagar e ao chegar na porta do quarto, que estava entreaberta, parou para ficar ouvindo a garota, por quem nutria uma verdadeira admiração por ver enxergar seu amor pela música, e era sempre agradável de se ouvir, mesmo não sendo fã dos mesmos artistas que ela.
“I was feeling insecure you might not love me anymore. I was shivering inside. I was shivering inside. I didn’t meant to hurt you. I’m sorry that I made you cry. Oh Jiwoo, I didn’t want to hurt you. I’m just a jealous girl.” Sooyoung alterou duas palavras do refrão, para adaptar a música à sua realidade e assim como na música original, ela começou a assobiar a melodia, deixando a sua interpretação ainda mais sentimental e linda.
Já Jiwoo estava a cada segundo se sentindo pior, e ouvir o seu nome ser cantado pela outra só fez aumentar a pressão interna.
Era quase um pecado que alguém com o talento e a paixão de Sooyoung não pudesse seguir sua vontade e viver da música.
Pediu em um sussurrou força e coragem para Deus, olhou para cima, fechou os olhos, respirou fundo e contou mentalmente até três, antes de bater na porta, fazendo Sooyoung parar de tocar no mesmo instante.
“Posso entrar?” A garota religiosa perguntou, com a expressão bastante séria.
“Claro.” Sooyoung respondeu, estranhando aquela abordagem, afinal, era bastante claro que Jiwoo a estava evitando o máximo possível.
“Sooyoung, bom, eu... eu tenho que te falar uma coisa.” A religiosa começou. “Uma nova família chegou na igreja há algumas semanas. Eles vieram do interior e faziam parte de uma congregação nossa.”
Sooyoung arqueou uma sobrancelha e estranhou aquele assunto, mas se manteve em silêncio para não atrapalhar.
“E nessa família tem um garoto que fazia parte da banda na antiga igreja dele.” Quanto Jiwoo disse aquilo, Sooyoung até sentiu um frio na barriga e uma quentura nada agradável nas coxas.
Já estava prevendo o que viria a seguir, por isso até abaixou a cabeça antes mesmo de ouvir o resto.
“E ele vai fazer um teste para tentar a vaga de guitarrista da nossa banda, e por essa razão, você vai precisar devolver a guitarra pra igreja.” Jiwoo finalizou. “Sinto muito.”
“Tá certo, eu vou arrumar as coisas na capa dela e te entregar.” Sooyoung respondeu, já se levantando e já tentando pensar em como daria essa notícia, que havia caído como uma bomba, em sua cabeça.
“Sooyoung, você pode ficar com ela até sábado, eu só vou levar de volta ora igreja no domingo.” Jiwoo esclareceu. “Eu sei que não vai resolver muita coisa, mas pelo menos consegui tempo para você poder ir lá tocar com a sua banda.”
Se a notícia anterior tinha sido dura de receber, o complemento foi ainda pior.
Saber que mesmo depois de tudo o que ela tinha feito, Jiwoo ainda agia para lhe ajudar. Foi doloroso como receber um tapa na cara, e deixou um gosto ainda mais amargo para ela.
Jiwoo era realmente uma pessoa boa demais para Sooyoung. Ela sabia que não merecia alguém de coração tão puro assim.
Tanto Sooyoung não merecia, que até se esqueceu de agradecer, então Jiwoo deixou o quarto. A rockeira ficou estática por alguns poucos segundos, e então, tomou uma atitude, deixou a guitarra de lado e foi atrás de Jiwoo, encontrando-a na sala, em pé, olhando  pela janela.
“Jiwoo, eu preciso falar uma coisa pra você.” Sooyoung disse, fazendo a garota virar-se para trás para lhe olhar. “Você ainda quer me ouvir?”
“O que você precisa me falar?” Jiwoo perguntou, enquanto Sooyoung crispou os lábios e colocou as mãos no bolso, meio tímida e acuada, com um nó na garganta.
“Queria que você soubesse que eu estou realmente muito arrependida por tudo o que eu te fiz. Sei que agora é tarde e não dá pra desfazer mais nada.” Sooyoung começou. “A Hyejoo tem razão quando fala que eu sou burra, porque eu sou mesmo burra pra caramba, faço tudo errado sempre. Estrago a vida de todo mundo.”
Jiwoo engoliu em seco ao ouvir aquilo. Também estava sentindo vontade de chorar, mas se segurava.
“Eu só queria pedir perdão pelo sofrimento que te causei.” Sooyoung prosseguiu. “E também dizer que reconheço o seu direito de seguir com a sua vida, seja com aquele garoto ou com qualquer outra pessoa. Eu não vou ser uma pedra no seu caminho, Jiwoo.” Ela garantiu, mesmo tendo a noção do quanto seria difícil e doloroso ver Jiwoo com outra pessoa. “Só peço que você não guarde mágoa de mim, porque eu gosto muito de você, e mesmo que eu mereça todo o seu desprezo, é doloroso demais saber que eu te machuquei tanto assim.”
Sooyoung fechou os olhos e uma lágrima escorreu por seu rosto. Ela estava se sentindo como na música 'Creep', do Radiohead. Enquanto Jiwoo era como um anjo, Sooyoung era um apenas um uma aberração, que não sabia o que estava fazendo ali, já que, claramente, não era o seu lugar.
Ela queria ser especial como Jiwoo, mas nunca passaria de um verme.
Jiwoo cruzou os braços e abaixou a cabeça. Seu coração estava despedaçado, mas, estava lutando contra o próprio desejo de abraçar Sooyoung, lhe dar um beijo e dizer que tudo ia ficar bem.
Mas não podia. Não deveria.
Sooyoung enxugou as lágrimas e então voltou para o quarto na sequência, também com o coração esmigalhado, como se fosse um frágil cristal arrebentado por uma marreta.
Como se isso não bastasse, agora teria que também se adequar a nova realidade: além de perder Jiwoo, também perdeu a banda e o seu grande sonho junto.































































































You're my sunshineOnde histórias criam vida. Descubra agora