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“Pode falar agora?” Foi a pergunta de Kahei, assim que Sooyoung atendeu sua ligação e saiu pra fora de casa pra poder conversar com mais privacidade.
“Finalmente, hein? Eu já estava começando a ficar preocupada, ainda mais depois de ver a frase que você colocou no seu perfil do WhatsApp.” Sooyoung respondeu.
A frase dizia: “O amor é natural, não exigente.”.
Ela logo imaginou que a paz entre Kahei e Haseul tivesse acabado e a frase fosse eu uma indireta pra segunda depois de uma briga, já que a vocalista tinha se mostrado ser uma pessoa bem ciumenta e, por consequência disso, exigente.
“Isso é referência de uma música, amor, eu estou bem.” Kahei respondeu após dar um risinho achando fofa a preocupação da amiga. “ “A night to remember” do Shalamar, porque tive uma noite para ser lembrada pro resto da vida.”
“Eu não quero nem imaginar o que aconteceu pra você dizer isso.” Sooyoung respondeu brincando.
“Mas você nem pode imaginar mesmo, você é muito pura e nem pensa em certas coisas.” Kahei concordou. “Mas você sabia que gatos cruzam mordendo o pescoço?”
Sooyoung chegou a abrir a boca, para perguntar que caralhos aquilo tinha a ver com a conversa, quando se lembrou da foto postada pela chinesa no dia anterior, com ela e Haseul usando orelhinhas de gato.
Tudo fez sentido naquele instante, e o que parecia uma coisa fofa e inocente, não era tão fofa, muito menos inocente.
“Eu passei uma manhã quase no céu, assistindo um show ao vivo.” Kahei respondeu a pergunta que Sooyoung tinha lhe feito anteriormente, mudando o assunto outra vez.
Kahei passou a manhã se sentindo no céu, já Sooyoung ficou trancafiada naquela igreja, se sentindo no inferno.
“Show ao vivo?” Sooyoung estranhou pelo horário. “De algum artista ocidental?”
“Não, foi um show exclusivo pra mim.” Kahei esclareceu com uma risadinha sacana. “Haseul, um violão e nada mais.”
“Um show acústico.” Sooyoung concluiu se sentindo bem boba por já estar pensando coisas indevidas àquela altura.
“Foi acústico mesmo, mas quando eu falei “nada mais” eu não estava me referindo a instrumentos musicais, e sim a peças de roupas.” Kahei esclareceu em seu tom sapeca, deixando Sooyoung levemente corada com o que imaginou, mesmo sem querer. “Nunca imaginei ver alguém tocando “Wonderwall” pelado pra mim.”
Ela sabia que tinha safadeza no meio, era da natureza de Kahei, mas estava ligeiramente surpresa com toda a animação do relacionamento das duas ultimamente por concluir que de santinha Haseul só tinha a cara.
“Mas e aí, o que houve pra você querer falar comigo tão cedo?” Kahei quebrou o silêncio que perdurou por alguns segundos após a revelação sobre o show nu de Haseul.
Bom, nesse momento Sooyoung deixou de lado toda a sua surpresa pelo o que havia acabado de ficar sabendo e contou tudo o que se passou no resto do último sábado para sua melhor amiga, que ouviu atentamente cada uma de suas palavras.
Claro que no meio dos acontecimentos, Sooyoung também tratou de explicar seu ponto de vista sobre os fatos, dizendo que por essa razão estava achando que Jiwoo também estava afim dela, começando por tê-la beijado primeiro na noite de sábado, como num momento de catarse, depois por ter confessado abrir sua caixa de roupas para pegar um moletom e dormir com ele, por causa do cheiro, e por último todas as reações e comportamentos depois de se beijarem.
Ligando as peças, Sooyoung conseguia já visualizar uma imagem clara, como num quebra-cabeças, e que, pra ser sincera, não era tão difícil assim de montar, outras pessoas só não percebiam isso com clareza, porque não olhavam direito para a situação, talvez por nunca imaginarem algo desse tipo acontecendo com alguém como Jiwoo.
Kahei concordava. Quem iria imaginar uma menina evangélica, criada dentro da igreja desde que nasceu, filha do líder de uma congregação e com grande destaque dentro da mesma, poderia se envolver em algo tão grave, segundo a visão cristã, assim?
Na verdade, isso poderia acontecer com qualquer um, mas para algumas pessoas o peso da verdade seria muito maior do que para outras, e Jiwoo estava no primeiro grupo.
“...Eu tô cansada de ficar fingindo, não consigo mais agir como se não sentisse nada, e agora que eu sei que ela também está sentindo algo por mim, quero dar um passo à frente, quero ficar com ela, quero ter a Jiwoo pra mim.” Sooyoung concluiu seu longo discurso no telefone com essa fala totalmente guiada pelo seu coração.
Era óbvio que ela estava realmente determinada a conquistar de vez o coração da filha do reverendo, e teria muito maiores agora que estariam morando juntas, mesmo com Hyejoo, sua mãe e Donghae vivendo sob o mesmo teto.
“É frustrante, se eu fosse um garoto, será que as coisas seriam assim? Será que ela teria tanto medo dos próprios sentimentos? Não é errado, não interessa o que está escrito na Bíblia, eu tô pouco me fodendo pra essa merda religiosa, não vou deixar minha vida ser podada por uma porcaria de um livro criado há sei lá quantos séculos atrás!” Completou com verdadeira revolta.
“Eu entendo a sua determinação, sua frustração, mas acho que vai ser um pouco trabalhoso você mudar a cabeça de uma pessoa como ela.” Kahei respondeu, tentando ser sensata e realista, apesar de sim, concordar com Sooyoung em relação a religião. “Ela cresceu acreditando no que estava escrito nessa porcaria de livro, então, acho que se você realmente quiser tê-la, vai ter que ter mais paciência, aliás, muito mais paciência.” Frisou a última frase, sabendo que se Sooyoung apertasse muito, a garota espanaria como um parafuso, e então teria de ser “consertada”.
Sooyoung suspirou com certo desânimo, pois sabia que Kahei estava certa.
O que não estava certo, era em pléno século XXI, depois de tanta evolução científica, tecnológica e cultural, as pessoas ainda se deixassem guiar por uma religião tacanha e sem sentindo como o cristianismo, ainda mais uma pessoa maravilhosa como Jiwoo, que não precisava daquela merda pra ser quem era. Sooyoung sabia que o caráter e a bondade da menina nada tinham a ver com a religião, já que seus colegas de banda, criados no mesmo ambiente, não demonstravam possuir tais qualidades.
“Eu só peço que você tome cuidado, porque sabe-se lá o que pode acontecer com você ou com ela, caso vocês venham a ter algo e isso seja descoberto, não é? Você sabe que sua mãe tem uma tendência a violência e pode te machucar, já o pai dela você não conhece, é um terreno novo, cuidado porque pode não parecer, mas talvez ele seja um campo minado.” Kahei alertou sua amiga, que não tinha como discordar de suas palavras.
Tudo era muito incerto, e por mais que Donghae não demonstrasse sinais de agressividade, quem poderia prever sua reação caso soubesse que ela tinha “desvirtuado” sua filha?
Era tudo uma grande incerteza e Kahei tinha um bocado de razão em suas palavras, mas Sooyoung seria cuidadosa.
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Gyuri ainda estava em seu quarto, se sentindo melhor após a violenta crise de enxaqueca que teve. Melhor, apenas fisicamente, já que seu emocional continuava bastante abalado após Hyejoo ter encontrado aquela foto de vinte anos atrás.
Ver aquela imagem lhe trouxe à tona um caminhão de lembranças, algumas muito desagradáveis e outras que rendiam certa nostalgia de um tempo onde ela podia agir livremente, ou assim acreditava, sem imaginar o quanto as escolhas ruins de uma garota poderiam refletir pelo resto de sua vida.
No seu caso, amargava as consequências de seu erro diariamente há dezoito anos.
A sociedade era implacável quando o assunto era punir mulheres e deixar os homens livres. Foi ela quem carregou Sooyoung em seu ventre por nove meses, ela quem sofreu as dores do parto, ela quem precisou perder noites e noites de sono toda vez que o bebê começava a chorar, e o mais doloroso: ela quem foi apontada nas ruas como puta, prostituta, vagabunda e todos os nomes misóginos que a sociedade inventou para rotular uma mulher, no seu caso, ainda uma menina, que por algum motivo, não se encaixou nos rígidos padrões morais impostos a ela.
Porém ainda assim, acreditava que tinha feito a melhor escolha ao esconder o nome do pai de seu bebê. Se já foi apontada e ofendida de todos os lados sem que soubessem de sua história completa, caso a verdade viesse à tona, sabia que os julgamentos seriam maiores.
Se ela mesma não foi capaz de se perdoar, quem diria os outros?
Ao conhecer Yangnam, acreditou que pudesse ter uma nova chance, de começar de novo e renascer como uma nova mulher, e durante o início de seu casamento isso se concretizou: a gravidez de Hyejoo foi completamente diferente da de Sooyoung, tinha um pai presente, foi mimada por ele, recebeu carinho e o principal: tinha uma estrutura, que considerava ser sólida, para formar a família que todos gostariam de ter.
Mas tudo isso agora parecia apenas um sonho distante, e quando Yangnam a deixou, acusando-a de ser uma vagabunda, como todos antes dele, ela acordou para uma realidade ainda pior, não sendo mãe solteira de apenas uma, mas de duas garotas.
Gyuri amava suas filhas, claro, elas eram parte de sua vida, sangue de seu sangue, mas não dava pra negar que havia um forte ressentimento da parte dela contra as duas garotas, que não era por culpa delas, mas sim de seus pais.
Era muito difícil para Gyuri não se lembrar que enquanto ela estava dando duro, trabalhando loucamente, fazendo contas e mais contas, se revirando pra sustentar as filhas, Yangnam e o pai de Sooyoung viviam muito bem, e no caso de Yangnam, ninguém o cobrava por dar o mínimo para a filha, pelo contrário, ele ainda era aplaudido por fazer o básico do básico.
Era vergonhoso, mas ela sabia que muitas vezes os tapas desferidos contra suas filhas não eram, na verdade, para acertar e machucar Sooyoung e Hyejoo, mas sim os seus pais. Infelizmente, Gyuri usou sim suas filhas, algumas vezes, como bode expiatório, e tinha total consciência do quanto isso era moralmente reprovável, pedindo perdão ao Senhor todas as noites por ter cometido um pecado dessa gravidade contra a própria família, no entanto era difícil pra ela olhar para as meninas e não ver ali a imagem dos homens que foram desonestos, cruéis e canalhas com ela, e quando elas desrespeitavam a mãe, era como se esses homens zombassem de Gyuri  de novo e de novo, daí a origem de seus ataques furiosos e extremamente violento contra as filhas.
Elas eram metade deles e nada no mundo poderia mudar isso, mas também não era como se eles fossem se importar em ver que as filhas tinham apanhado.
O pai de Sooyoung nem a conhecia, e se dependesse de sua vontade, nem nascido a garota teria, já Yangnam era um excelente “pai de selfie”, uma vez que enquanto ainda morava na Coreia, vivia postando fotos dos passeios, presentes e momentos incríveis ao lado de Hyejoo para ganhar elogios de amiguinhos e garotas desavisadas, mas no mundo real, vivia ameaçando não pagar a pensão, reclamava que tinha de ficar com a filha em alguns finais-de-semana enquanto seus amigos iam badalar, regulava tudo o que dava pra ela, e ainda com muita má vontade, sem contar o quão desrespeitoso ele era com Gyuri, acusando-a de mentir para pegar dinheiro e para viver de luxos e sair com outros homens, coisa que ela nunca fez.
Nunca se esqueceria de uma vez, quando Hyejoo teve uma forte gripe e ela precisou implorar para que ele comprasse o remédio prescrito pelo médico, já que era fim do mês e seu salário tinha acabado. Depois de muita discussão e ofensas, principalmente da parte dele, ele comprou o medicamento, mas Gyuri fez questão de devolver o dinheiro no mês seguinte, tudo por conta desse estresse desnecessário que ele criou em torno de uma situação simples.
Era impossível pra ela não ter rancor desses dois homens que apareceram em sua vida, mentiram, iludiram e foram embora, mas não sem deixar um pedaço deles para ela cuidar e se lembrar da existência dos dois diariamente.
Ela foi a única a pagar um preço alto por ter feito escolhas ruins e se sentia injustiçada.
Várias vezes havia passado pela sua cabeça a ideia de um suicídio e um fim àquela sua existência tão infeliz, e o único motivo pelo qual ela não chegou às vias de fato foi as suas filhas.
Apesar de tudo, Sooyoung e Hyejoo não tinham culpa de serem frutos de relações ruins e não mereciam viver carregando o peso de serem filhas de uma mãe solteira e ainda por cima suicida.
Hyejoo, bem ou mal, ainda tinha um arremedo de pai, mas e Sooyoung? Yangnam poderia até aceitá-la e criá-la, ele gostava da menina, mas a sua família não. Poderia deixar uma carta com o nome de seu pai biológico, e mesmo com um exame de DNA comprovando a sua história, só Deus sabe o que poderia acontecer com ela.
Sooyoung era tão sozinha no mundo quanto Gyuri e ela não podia ser egoísta a ponto de fugir da batalha e deixar a filha passar pelas mesmas coisas que ela passou.
Gyuri foi renegada pela família por ter feito uma péssima escolha, Sooyoung seria por ser fruto dessa péssima escolha. Gyuri foi punida por seus erros, já Sooyoung seria punida pelas consequências dos erros de sua mãe.
Ser mãe era também ser responsável pelo destino de outras pessoas, e isso era um peso enorme.
Quando soube que estava grávida aos dezoito anos, entrou em completo desespero. Procurou pelo pai de seu bebê, Won Daehyun, um rapaz um pouco mais velho, de vinte e dois anos, que surtou ao concluir que não estava preparado para ter um filho e disse que ela deveria tirar essa criança, assim ninguém nunca ficaria sabendo de nada. Ele mesmo arranjaria o dinheiro e o lugar para ela realizar o procedimento.
Naquela altura, apesar de arriscado, era o melhor a se fazer.
Gyuri aceitou, mas os dias que vieram não lhe deram paz, e ela nem conseguia dormir com tamanho peso na consciência. Aquela gravidez era o seu pior pesadelo, algo que ela nunca quis e nem poderia. Ainda era jovem, tinha uma vida toda pela frente, e deveria fazer como toda mulher de bem, casando-se primeiro com um bom homem e depois formando uma família.
Quando ele lhe disse que estava tudo pronto pra realizar o procedimento, Gyuri titubeou. Ela não era religiosa como agora, mas tinha suas crenças, o medo de cometer um pecado grave foi maior, afinal cresceu ouvindo que aborto era um crime terrível, um assassinato, portanto ao escolher entre ser punida por Deus ou por sua família, ela escolheu a segunda opção.
É claro que ele não gostou nenhum pouco, insistiu pra que ela fosse em frente com o plano, que eles não podiam ter um filho, eles nem eram casados, aliás, nem mesmo namorados. Ele tinha compromisso com outra mulher e não iria abrir mão disso por causa de uma criança indesejada.
Ainda assim, Gyuri manteve sua posição firme e decidiu não abortar a criança, causando extrema fúria nele, que então a ameaçou, dizendo que ela até podia querer ter esse “bastardinho”, mas se ousasse a falar que o filho era dele, iria se arrepender amargamente. E por óbvio, passou a ofendê-la com todos os xingamentos misóginos imagináveis, acusando-a de ter engravidado de propósito para destruir a vida dele e forçá-lo a largar sua namorada para ficar com ela.
Óbvio que isso não passava de uma paranoia ridícula e acusação infundada, porque Gyuri nunca quis engravidar aos dezoito anos, muito menos de um cara que não era nada seu,, mas sim namorado de sua melhor amiga.
Ong Eunhee, a garota da foto encontrada por Hyejoo, foi durante anos a melhor amiga de Gyuri, e por uma triste e pesada ironia, foi a única a estender sua mão para aquela que considerava quase uma irmã, sem nem fazer ideia que o pai do bebê em seu ventre era seu próprio namorado.
E foi justamente por causa de Eunhee que ela nunca contou nada sobre o pai de Sooyoung. Não ficou com medo das ameaças de Daehyun, ele era só um bostinha mau-caráter, mas sim sentiu imensa vergonha e arrependimento. Seria doloroso demais encarar Eunhee, que era uma menina amável, doce e muito inocente, uma pessoa que merecia amigas e, com certeza, namorados melhores.
Ao ser enxotada pela sua família, Gyuri perdeu o contato com ela, na verdade, ela passou a fugir de Eunhee, porque sentia muito remorso por tudo o que fez, porém ainda torcia para que a jovem tivesse abandonado aquele traste e se casado com um homem decente, que a amasse verdadeiramente e a merecesse, coisa que Daehyun não era e nem praticava.
Sua opção por guardar esse segredo foi dura, mas necessária, por isso não tinha arrependimentos quanto a isso.
Preferiu ser julgada, acusada e condenada como a mulher adúltera da Bíblia, só que sem Jesus para lhe salvar na hora do apedrejamento, do que encarar a maior vítima de sua traição e admitir o quanto tinha sido uma péssima pessoa pra ela.
Era uma história difícil e vergonhosa para ela e que não convinha, em nenhuma hipótese, que suas filhas soubessem. Aliás, não convinha que ninguém soubesse, nem mesmo Donghae. Não queria que ninguém no mundo tomasse consciência que ela tinha sido tão devassa a ponto de ir pra cama com o namorado de sua melhor amiga.
Nunca foi uma boa filha, mas era diferente de Sooyoung e Hyejoo. Na frente de seus pais se comportava de forma recatada e tímida, totalmente dissimulada, mas por suas costas era outra pessoa e fazia de tudo e mais um pouco, por isso a surpresa quando ela apareceu foi tamanha. Sua máscara de santinha caiu, e as surpresas só não foram maiores por ela ter escondido a identidade do pai da criança.
Se algumas pessoas da igreja já lhe olhavam torto por conta de sua condição de mãe solteira,  pelos cantos murmuravam que um homem casto e digno como Donghae jamais deveria se casar com alguém como ela, e bom, isso não deixava de ser uma verdade incômoda.
Donghae era um homem excelente, além de gentil e honesto, ele a tratava como um ser humano e não um depósito de esperma, porque era exatamente isso o que muitos pensavam dela: que ela era só uma mulher desesperada atrás de um homem pra sustentar as suas filhas, e por isso estaria disposta a fazer qualquer coisa no âmbito sexual. Ela era uma “mulher fácil”, por isso daria pra qualquer um que se aproximasse.
Sabia que Donghae estava tratando-a de forma justa, como tratava a todos a sua volta, mas já estava acostumada a ser tão maltratada que o básico parecia algo de outro mundo, e por isso ela se encantou por ele, mas nunca esperou que ele pudesse algum dia corresponder aos seus sentimentos.
Foi para Donghae que ela confessou toda a sua situação familiar desastrosa, seus problemas com suas filhas, as eternas brigas com Yangnam, mesmo com ele vivendo agora em outro país, e confessou até mesmo algumas coisas de seu tempo de solteira, como sobre o vergonhoso fato de ter considerado abortar Sooyoung.
Esperava por um sermão severo, julgador e nada compreensível em resposta, mas recebeu um abraço carinhoso e foi chamada de “amiga” pelo reverendo, que depois lhe deu palavras de consolo, dizendo que se ela optasse pelo aborto naquele momento, sua vida atual poderia ser mais fácil, mas estaria vivendo uma vida mentirosa, e tanto a sua consciência quanto o seu coração nunca encontrariam a paz sabendo que sacrificaram uma criança inocente, e nada bom poderia ser construído em cima do cadáver de um bebê.
Gyuri se aliviou por saber que, ao menos esse pecado, ela não precisou carregar por toda a vida.
Donghae também lhe fez tentar mudar a sua atitude de mãe, uma vez que naquela altura Gyuri parecia só conseguir ver os erros e os defeitos de Sooyoung e Hyejoo, então ele lhe lembrou que todo mundo possui qualidades e as filhas dela não eram diferentes. Frisou que Gyuri deveria tentar consertar seus maus comportamentos, mas também deveria buscar pontos positivos nas garotas e deixá-las saber que a mãe reconhecia e apreciava as qualidades e coisas boas que tinham e faziam.
“O medo só faz morada onde o respeito e o amor já não habitam.” foi a frase dita por ele e que marcou aquela conversa para Gyuri.
Filho precisa de bronca quando necessário, mas precisa muito mais de carinho e reconhecimento, pois assim eles passam a nutrir respeito por seus pais e não apenas o medo de punições.
E além de pastor, ele também era pai, e tinha mais do que autoridade para falar do assunto, uma vez que criou uma filha praticamente sozinho desde que sua primeira esposa faleceu, e pelo comportamento impecável de Jiwoo, era mais do que óbvio que ele tinha feito um ótimo trabalho.
Gyuri não podia negar que sentiu uma ponta de ressentimento por não ter encontrado o reverendo antes, mas sim aqueles dois canalhas que lhe deram filhas tão problemáticas ao invés de uma garota como Jiwoo, porém, a luz no fim do túnel surgiu quando o homem se declarou e ela finalmente enxergou a última e derradeira chance de formar uma família dentro dos preceitos cristãos e ser uma mulher respeitada e bem vista na sociedade.
No fundo ela não entendia muito bem o que fazia um homem do quilate de Donghae olhar para uma mulher como ela, a única explicação era Deus ter se apiedado depois de tê-la punido com tantos anos de sofrimento pela terrível traição cometida contra sua melhor amiga.
De qualquer forma, conhecer Donghae e ter a chance de se casar com ele era uma benção do Senhor, a qual ela agarrou com firmeza, já que, depois de tanto tempo, ela pôde sonhar e ter um companheiro novamente. Não precisaria mais aguentar a barra pesada da vida sem ajuda, com Donghae, ela estaria segura e protegida. Não era nada fácil ter que viver em modo de luta contra o mundo 100% do tempo, precisava e merecia um descanso.
Sendo assim, Gyuri tinha total consciência de que deveria se dedicar muito a esse relacionamento para ele funcionar, já que ela era a maior beneficiada de estar com um homem como Donghae, e não o contrário.
Por isso era mais do que necessário ela se moldar e se tornar uma mulher que nunca foi, ou melhor, nunca teve a chance de ser: uma esposa modelo, mãe compreensiva, e acima de tudo, alguém honrada e vista como decente aos olhos da sociedade.
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Jiwoo estava em seu quarto, tentando estudar para uma prova de geografia que teria naquela semana, mas as palavras daquele livro simplesmente não se fixavam em sua mente, como nada nos últimos tempos.
Essa semana seria cheia e a partir da próxima ela passaria oito dias com Sooyoung e Hyejoo apenas, enquanto Donghae e Gyuri estariam aproveitando suas merecidas lua-de-mel. Na noite anterior, as horas passadas com as duas garotas tinham sido um terror, pela parte da caçula, e bom, confusão, pela parte de Sooyoung.
Do jeito que estava, era capaz de tirar uma nota baixa nessa prova por falta de concentração nas aulas.
Ouviu o celular tocando, e olhou para ele, levando poucos segundos para olhar para a tela do aparelho e ver que era uma chamada de vídeo de Sooyoung.
Ela fechou os olhos e debruçou a cabeça sobre sua mesa, bufando.
“Senhor, me ajude.” Murmurou, com um fio de esperança de que aquilo fosse apenas uma ligação corriqueira para tratar de assuntos normais, mesmo que no fundo soubesse que isso era improvável, já que Sooyoung nunca ligava pra ela.
Após o quarto toque, Jiwoo atendeu a chamada e viu Sooyoung na frente de sua casa, sentada no degrau, com a guitarra em seu colo e a caixa de som ao seu lado.
“Oi, Jiwoo.” Ela cumprimentou a garota, posicionando seu celular com a ajuda de um apoio improvisado com um clip entortado, que ela aprendeu na internet.
“Oi, Sooyoung.” Jiwoo respondeu ao cumprimento com um pequeno sorriso.
“Você pode falar agora? Prometo que não vou tomar muito do seu tempo.” Sooyoung perguntou de uma maneira tão adorável, que mesmo que aquela ligação fosse durar duas horas, Jiwoo não poderia lhe dizer não.
“Tudo bem, se for não demorar muito eu posso falar.” Respondeu como se outra opção tivesse passado pela sua cabeça. “Preciso estudar pra uma prova.”
“Bom, eu só queria que você ouvisse uma música.” A mais velha explicou, e tirou do bolso um pedaço de papel, o abriu e exibiu para o celular, evitando assim falar e correr o risco de ser ouvida.
‘Essa é uma música que sempre me faz lembrar de você. Espero que você goste dela tanto quanto eu.’ e um coraçãozinho desenhado.
Só de ler aquilo Jiwoo já sentiu seu coração bater mais forte e ficou inteira quente e trêmula, não conseguindo nem formular uma resposta. Seu racional já deu um grito, ordenando que ela encerrasse aquela chamada, desligasse o celular e o escondesse até que o perigo passasse, mas algo maior agia impedindo-a de fazer o que era correto e necessário.
Era mais forte do que ela.
Após guardar o bilhete de volta no bolso, Sooyoung começou a tocar a música, e a escolhida foi “Rush Rush”, da cantora Paula Abdul, muito famosa no final dos anos 80 e início dos 90.

“Você é o murmúrio de uma brisa de verão.
Você é o beijo que acalma a minha alma
O que estou dizendo é que estou envolvida com você
Essa é a minha história, e a história segue
Você dá amor, você recebe amor
E mais do que o paraíso conhece
Você vai ver
Eu vou correr, eu vou tentar
Vou levar este amor direto pra você
Todo o meu coração, toda a alegria
Oh baby, baby, por favor
Depressa, depressa
Rápido rápido, amor, venha pra mim
Depressa, depressa
Eu quero ver, quero ver você se libertar comigo
Depressa, depressa
Eu posso sentir, eu posso te sentir através de mim toda
Depressa, depressa
Oh, o que você faz comigo

Jiwoo já conhecia essa música há tempos e a achava linda, mas a interpretação de Sooyoung era sem dúvidas, a versão mais bonita que já tinha ouvido, com todo o respeito a Paula Abdul.
Já tinha visto a jovem cantar e tocar muitas vezes antes, mas naquela vez, tinha algo muito diferente acontecendo, havia alma, havia coração, uma total entrega por parte da rockeira a cada verso cantado e acorde tocado.
É claro que aquilo mexeu muito com Jiwoo e foi impossível conter as lágrimas ao ouvir aquela serenata moderna.
Foi a primeira vez que ela não pensou em diabo quando Sooyoung lhe abordou. Não fazia sentido pensar que algo ruim estava por trás de um gesto tão belo.
Não havia nada além de sentimentos ali e Jiwoo desejou poder ser outra pessoa, filha de outro alguém, e não por causa de Donghae, mas sim pra poder talvez se envolver com Sooyoung sem culpa, como Kahei, e as lágrimas de emoção se misturaram a de tristeza.
Pela primeira vez Jiwoo não estava com medo de punições divinas ou inferno, mas sim triste por saber que nunca poderia levar aquilo adiante, pois os riscos eram grandes e perigosos demais.
Quando terminou de tocar, Sooyoung também tinha lágrimas nos olhos. Era a primeira vez que usava uma música pra se declarar pra alguém, então estava torcendo muito para aquilo ser suficiente para amolecer o coração da outra e derrubar suas defesas.
“Você gostou da música?” Ela perguntou, e abriu um sorriso mesmo bastante emocionada e ansiosa pra ouvir o que a outra menina tinha pra dizer.
Jiwoo, no entanto, não conseguiu responder, apenas cobriu o rosto tentando esconder suas emoções e num gesto brusco, encerrou a chamada, para a frustração de Sooyoung do outro lado da ligação.
Se estava chorando de emoção e tinha a esperança de conseguir se aproximar, emocionalmente falando, de Jiwoo, agora suas lágrimas eram de tristeza e um pouco de raiva também por ter sido tratada dessa forma rude.
Tudo bem que Jiwoo tinha uma série de questões, mas era sempre bastante doloroso e vergonhoso ser destratado após uma declaração, ainda mais uma com tantos sentimentos envolvidos.
Sooyoung estava se sentindo a principal palhaça de um espetáculo circense melancólico, e o pior, é que foi ela a única pessoa a se colocar nessa situação, portanto não tinha nem como delegar a culpa.
Tentou imaginar o que suas amigas falariam nesse momento. Jung Eu e Yerim a mandariam parar de ser tão dramática, Jin Sol diria pra ela não ficar triste e proporia uma pegação como prêmio de consolação pra lhe animar, Haseul talvez não diria nada, porque não tava nem aí pra ela, já Kahei lhe diria pra ela ver isso como uma oportunidade pra desencanar de Jiwoo e seguir em frente, procurar outras garotas e ser feliz com elas.
Isso era o mais sensato a se fazer, e bom, era o que iria tentar se desapaixonar de Jiwoo.
Começou a tocar “I want love” de Elton John.
“Eu quero amor, mas é impossível
Um homem como eu, tão irresponsável
Um homem como eu se sente morto
Em lugares onde outros homens sentem-se livres
Eu quero amar do meu próprio jeito
Depois de tudo o que eu aprendi
Eu carrego muita bagagem
Ah cara, eu vivi muita coisa
Mas eu quero amar, apenas de um jeito diferente
Eu quero amar, não me coloque pra baixo
Não me emparede, não me cerque
Eu quero amor, isso não significa nada
Esse é o amor que eu quero, eu quero amor.”
Após terminar de cantar, guardou as coisas e voltou para dentro de sua casa, já estava ficando muito frio lá fora.





































































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