Duas trocas de roupas limpas e artigos de higiene básica. Ivan colocou tudo em sua melhor mochila e passou os olhos ao redor do quarto. Percebeu seu corpo tremer, à beira de um ataque de pânico, quando sua mãe entrou no recinto.
— O que está esperando?
O garoto apenas a olhou. Simplesmente não entendia como a mãe poderia estar tão tranquila com a situação. Ela entregaria os filhos ao mundo sem pensar duas vezes em menos de uma hora e deixaria a responsabilidade de cuidar de uma criança nas mãos dele, outra criança, com somente dezessete anos nas costas.
Os olhos azuis marejaram. Não queria aquilo. Segurou o choro e temeu abrir a boca para responder à pergunta.
A mãe se adiantou e lhe puxou para um abraço apertado, e Ivan se permitiu chorar. Mais alto que ela, envolveu-a com os braços.
— Eu amo você, querido. Estamos fazendo o que é certo, tudo bem?
Ela levou uma das mãos ao rosto do filho, e tirou o cabelo molhado de lágrimas de seus olhos.
— Estamos? - É tudo o que conseguiu dizer.
Uma longa pausa de incerteza.
— Vão ter que confiar em nós.
○
Sara e Thiago Annenberg praticamente correram com os filhos ao encalço.
Com máscaras de respirar improvisadas - lenços, bandana, uma camisa velha – a família correu escadaria abaixo no prédio.
Alex agarrou a mão do pai, que a segurou com força. Com as chaves na outra mão, Thiago abriu a temida porta da rua.
Não saíam há tempos, e muito menos viam as ruas com tanto movimento. Famílias na mesma situação que eles dispersavam-se na viela residencial do centro. Os Annenberg deixaram a porta fechar sozinha atrás deles e se misturaram ao caos da multidão. Todos com o mesmo destino.
○
A estação ferroviária da Zona Central estava sobrecarregada de pessoas às 3:58 da manhã. Não importava mais a recomendação de manterem-se afastados e isolados uns dos outros. Todos tinham prioridades agora.
Alex vê sua mãe entregar os documentos dela e do irmão na catraca da estação quando finalmente conseguem alcançá-la.
O segurança devidamente protegido com seu traje analisa os documentos em sua mão, e acena positivamente com a cabeça.
— Podem passar, vai ter a checagem de sintomas logo a frente. - Alex se adiantou, puxando o pai pelo braço, mas o segurança impediu seu caminho. - Só vocês. - Se referiu a ela e Ivan, que não falou nada desde que saíram.
Inconscientemente Alex ainda tinha esperança de conseguir levar os pais consigo. Não podiam estar falando sério sobre deixá-los.
A multidão atrás deles só aumentava.
Sara se adiantou e puxou os dois filhos para um abraço apertado. Depois, o marido se juntou à família.
— Vamos nos ver de novo, eu prometo... - A mãe sussurrou nos ouvidos dos filhos. Alex chorava, porque sabia que sua mãe não tinha como ter certeza.
A despedida acalorada não demorou tanto quanto seria suficiente para eles.
Ivan jogou sua mochila nas costas e pegou a irmã pela mão.
Antes de se virar para seguir seu novo caminho, virou para a mãe e lhe deu mais um abraço apertado, usando-o como desculpa para perguntar:
— O que injetou na gente?
Sara disfarçou e lhe sorriu tristemente.
— Essa é a minha contribuição para protegê-los, filho.
Sem mais perguntas. A multidão os separou e Ivan puxou a irmã para dentro da catraca. Não ousou olhar para trás, por mais que Alex olhasse.
○
As plataformas estavam lotadas de crianças e adolescentes. Nenhum dos dois disse nada.
Tinham uma típica relação de irmãos. Discussões e provocações, mas no fundo, afeto e carinho, amor. Nunca precisaram demonstrar. Não com palavras. Era o caso dessa situação.
Ivan passou um dos braços pelos ombros da irmã e a puxou para si. O corpo de Alex tremia de medo do desconhecido.
Os trens passaram em minutos, todos com o mesmo destino – que, sinceramente, não sabiam qual era.
Quando finalmente Ivan conseguiu cortar caminho para entrar com a irmã no vagão, sentaram-se no chão, ao lado da porta.
Não diriam nada um ao outro pelas próximas horas.
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Depois da Ruína
AventuraDurante a pandemia de um vírus mortal que assola o mundo, os irmãos Annenberg, Alex e Ivan, deixam a vida como conhecem e mergulham de cabeça no desconhecido. A questão permanece - que destino terá a humanidade depois da ruína? ○ História Original;...