Equívoco

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Jason Todd estava acabando de comer o último de seus sanduíches de pepino enquanto assistia Batman e Asa Noturna contra Coringa e seus ajudantes. Os mocinhos tentavam impedir uma fuga após o roubo de produtos químicos, ou melhor, impedir que pessoas inocentes fossem atropeladas pela quadrilha.

— Se eu estivesse lá, já teria parado eles... — ele resmungou com o restante do sanduíche na boca.

— Se não tivesse agido mal com uma criança por estar bêbado, estaria lá, Mestre Jason.

— Ele não é uma criança, é o Damian!

— Mestre Jason, modos por favor! — o mordomo pediu, odiava ver seus sanduíches rebolando na boca das pessoas.

O rapaz se calou e voltou a acompanhar a perseguição. As várias telas estavam divididas em um mapa da cidade com rastreadores, a visão pelas câmeras do Batmóvel e um jornal local que cobria a perseguição.

Não demorou muito até tudo estar resolvido: capangas do Coringa incapacitados enquanto Batman cuidava pessoalmente do palhaço, pessoas sãs e salvas voltando às ruas, Dick preocupado com Damian...

— Alfred, ele já acordou? — o rapaz perguntou pelo comunicador do veículo.

— Ainda não, Mestre Dick. Pela dosagem pesada dos medicamentos, só deve acordar em uma hora. — o mordomo respondeu.

Cansado daquela preocupação exagerada com um pirralho farsante, Todd se levantou da cadeira com uma desculpa subentendida de levar a louça suja para a cozinha, ocasionalmente poderia abrir uma das várias garrafas de vinho por engano. Ele resmungou por todo o caminho, principalmente na volta quando avistou Damian saindo do quarto e apoiando a perna quebrada no chão – para ele, prova mais do que suficiente de que era tudo forjado.

— Olha só quem está indo passear! — ele disse sínico, parando no meio do salão e esperando que Damian falasse algo para tentar desmentir.

O garoto, entretanto, nem havia notado ele lá. Continuou tentando andar sozinho, se apoiando na parede até conseguir chegar de frente a escada, quando se apoiou no corrimão. Ele estava com fome, mas o "senhor Pennyworth" não estava no quarto como da outra vez, logo, ele se viu obrigado a procurar o mordomo pela mansão.

— Eu deveria filmar isso e mandar para o otário do Dick! O frágil e indefeso bebê Wayne caminhando perfeitamente com a perna quebrada!

Novamente Jason foi ignorado, o que só o fez ficar ainda mais irritado com tudo aquilo. Ele sabia que Damian só poderia estar mentindo – ou sendo controlado por algum psicopata -, e foi por acreditar fielmente nisso que tomou ações tão extremas:

Ele subiu as escadas e agarrou Damian pelo pijama, começando a gritar ameaças e ordens para que ele parasse de atuar. Quando não foi respondido, ou melhor: quando foi respondido com um começo de choro e pedido de desculpas, ficou ainda mais irritado.

Todd pensou em jogar o rapaz de onde estavam, tentar acertar o lustre com ele ou qualquer coisa do tipo, qualquer coisa que fizesse Damian revelar que tudo não passava de uma brincadeira para ganhar atenção, que ele estava bem e se lembrava de tudo – incluso como "aterrissar" no chão em segurança com uma perna quebrada.

— Isso chega a dar pena... — o mais velho disse em tom frio, descendo as escadas e só jogando Damian no chão quando já estava nos últimos degraus — Até quando pretende continuar com isso!? Até se cansar da sua vida de garotinho mimado e voltar como se nada tivesse acontecido!? Depois de todo mundo se sentir inútil por sua culpa!?

A essa altura, o pequeno Wayne já nem tentava entender o que tinha feito de tão errado "antes" para ser tratado daquele jeito. Só conseguia chorar e sentir medo, medo ao ponto de não conseguir respirar, um medo que o lembrava de um pavor ainda maior - mas apenas o sentimento, sem as causas.

— Um assassino... — Todd o chutou, o que fez com que o corpo de Damian batesse contra a parede, ele estava bem mais leve — Um verdadeiro demônio! — Ele o segurou, levantou-o pelo pijama com as duas mãos — Um inconsequente que não merece o manto de Robin!

Damian tentava se desculpar pelo que nem sabia que tinha feito, mas ele já não tinha ar nos pulmões e nem conseguia respirar. Tudo o que saiu além de murmúrios de dor foram cacos de um pedido de perdão.

— Até quando vai continuar fingindo!?

Jason parou com a gritaria e ficou em silencio, ouvindo o som de algumas gotas pingando no chão. Damian se fingir de criança desmemoriada e frágil era uma coisa, mas se humilhar daquele jeito só para continuar com sabe-se lá o que queria já ultrapassava todos os princípios que ele poderia ter.

Ele largou o garoto, se afastou alguns passos murmurando xingamentos e tentou pensar no que faria. Pela primeira vez desde que tudo aquilo começou, desde que Damian havia sumido, sido encontrado e depois acordado; pela primeira e única vez Jason Todd começou a aceitar que talvez fosse verdade: não havia mais Damian, o Robin filho do próprio Batman, havia só uma criança quebrada que todos tentavam remontar.

— Olha... — ele começou — Eu não sou esse cara malvado que estou parecendo, tá? Eu sei que já deve ser tarde pra acreditar em mim, mas eu não fiz por mal nem nada assim... — O garoto não respondeu, ainda estava jogado no chão, chorando ao ponto de soluçar — Mas que porra! Para de chorar e me escuta, seu...!

Damian não estava mais em si.

Os olhos estavam revirando, parando no absoluto e tenebroso branco.

As mãos estavam fechadas em punho, tremiam descontroladamente com os braços retorcidos em frente ao próprio corpo.

Todd se abaixou ao lado dele, tentou segurá-lo ou ampará-lo da melhor forma possível, mas ele continuou se debatendo. Nada adiantou e, como se ser o culpado de tudo aquilo já não bastasse, Damian estava começando a se engasgar – ao menos era o que parecia.

— Santo Deus! — Alfred gritou. Havia estranhado o sumiço demorado de Jason, mas nunca esperou ver aquilo novamente acontecendo.

— Alfred, Alfred eu não fiz por mal! — o rapaz começou a tentar se explicar, mas foi completamente ignorado. O mordomo praticamente arrancou Damian dos braços dele e deitou o garoto no chão — Alfred, você acredita em mim, né!?

— Não é hora para isso, Mestre Todd! — o mais velho o repreendeu. Jason tinha certeza que se as mãos de Alfred não estivessem segurando a cabeça de Damian, teria levado um tapa.

— A-Alfred... Alfred, ele vai morrer? Ele vai morrer desse jeito por minha culpa!?

Eram coisas demais para Alfred conseguir lidar: Damian estava tendo uma crise epiléptica, semelhante a que havia tido quando acordou a primeira vez; Jason estava em negação, culpa, ou seja lá o que aquilo fosse – era o menos relevante agora.

— Avise Batman para voltar imediatamente! — o mordomo mandou. De todos, era Bruce quem conseguia ser mais eficaz em lidar com o filho na situação atual, seria melhor que a criança acordasse com ele por perto.

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NOTA

Foi uma reação exagerada do Jason? Provavelmente sim. Lembrando: ele achava que o "irmãozinho" estava mentindo para chamar atenção – o que não envolve apenas fingir que esqueceu, mas causar problemas e preocupação para a Batfamília. Jason as vezes fica um pouco descontrolado, como na última parte – na verdade, é algo bem melhor feito do que a minha escrita permite.

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