Segunda Sessão, SL

1.3K 114 70
                                    

SEGUNDA SESSÃO, SRA. S LOPEZ SOZINHA

Transcrição completa de nossa conversa, acrescida de minhas notas.

Sra. Santana entra, hesitante, desculpando-se. senta-se, cruza as pernas, descruza as pernas, Inclina-se para a frente, recosta-se, gira a aliança repetidas vezes, a mulher parecia cansada. Confiro minhas anotações: sra. Lopez trabalha para uma firma de consultoria técnica na área de informática, atende a grandes empresas da cidade que visita frequentemente para resolver problemas in loco, horários imprevisíveis, ocasionais chamadas de emergência no meio da noite, viaja muito, não tem filhos. uma vida atribulada. Mas seu cansaço não parece ser apenas físico, percebo uma profunda fadiga emocional, ela tem um sorriso encantador mas que não se reproduz nos olhos, olhos esses que parecem cansados, vazios, tristes. como de hábito, remexo nos meus papéis, esperando que ela relaxe, ofereço café e chá, e ela agradece mas pergunta se pode fumar. fico surpresa, ela não fumou durante a primeira sessão, talvez não fume na frente da esposa.. um segredo particular. respondo que sim, é claro que ela pode fumar, não aconselho ninguém a fumar mas na condição de ex-fumante, sei que um cigarrinho pode ser de grande auxílio nesse tipo de situação. É importante, no ponto em que estamos que ela não se sinta censurada em nenhum aspecto, talvez possamos lidar com o tabagismo mais tarde por ora vamos cuidar do casamento, ela retira da bolsa uma bonita cigarreira de couro, um porta-isqueiro do mesmo material e acende um cigarro. o gesto é tão elegante que a sra. Santana se mostra inusitadamente sensual - parece uma atriz daqueles filmes preto e branco, aqueles policiais clássicos como "Disque M para matar". a impressão é radicalmente diferente daquela produzida na primeira sessão, depois de dar uma longa tragada no cigarro, ela fica visivelmente mais relaxada.

Agora podemos começar.

Eu: Então me diga, sra. Lopez. Por que resolveu voltar aqui sozinha?

Sra. Lopez: (dá de ombros, desvia o olhar): Na verdade, não sei. não creio que tenhamos um problema, quer dizer, eu amo a minha esposa, minha casa, nossa vida...

Nota: Ela não termina a frase, há um grande "mas" pairando no ar, esperando para ser dito. Seja o que for, ela aparentemente não sabe como continuar.

Eu {incitando-a): Mas...

Nota: sra. Lopez assume um ar distante, decerto está mentalmente revivendo cenas do seu casamento, coisas que a deixam triste mas depois apenas sacode os ombros.

Eu: E no entanto você veio, Sozinha. não se trata mais de um lote-surpresa arrematado num leilão por mero capricho... não se trata de uma simples conferida no óleo, não é mesmo?

Nota: sra. Lopez olha para as próprias mãos, balança a cabeça.

Eu: Está claro que você sente a necessidade de falar sobre alguma coisa.

Nota: Sorriso forçado, insisto no assunto.

Eu: Então, qual é o problema?

Nota: sra. Lopez traga o cigarro e olha pela janela, tenho a impressão de que é uma dessas pessoas que trancam tudo dentro de si, não será fácil para ela compartilhar os sentimentos mais íntimos, especialmente em voz alta, por fim ela se volta para mim.

Sra. Lopez: Há um buraco entre nós, um buraco que vai sendo preenchido com tudo aquilo que deixamos de dizer uma a outra, que nome você dá a isso?

Eu (com sarcasmo): Casamento.

Nota: sra. Lopez reflete um pouco, dá mais um trago no cigarro.

Sra. & Sra. Lopez (Brittana)Onde histórias criam vida. Descubra agora