Fogo e gelo

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Brittany
Ela foi embora tão facilmente, como se eu fosse apenas uma estranha que ela havia convidado para dançar. como ela conseguia ser tão fria depois de tudo o que havíamos dito, depois de tudo que havíamos sentido nos braços uma da outra? ou o que achei que tínhamos sentido... obviamente eu estava remando sozinha naquele barco. fiquei ali, observando-a partir, desejando odiá-la, intoxicada por aquele corpo que serpenteava dentro do vestido preto, por aqueles cabelos naturalmente ondulados que balançavam delicadamente sobre os ombros. ainda sentia o perfume dela: uma flor tropical em noite de verão. ah, se ela desse uma olhadinha para trás, só uma vez... mas não olhou. minhas mãos se apertavam em punho. "fica fria, Brittany. sua mulher é uma víbora. fica fria." estes versos de Robert Frost ecoaram na minha mente: "Alguns dizem que o mundo terminará em fogo, outros dizem que em gelo." para mim, o mundo havia terminado em fogo e em gelo.

Santana
Eu mal havia atravessado a porta do toalete feminino quando minhas emoções saltaram do peito e se traduziram em lágrimas, nem sabia ao certo o que estava sentindo. mas de uma coisa eu tinha certeza: eu era uma idiota por me permitir senti-los. olhando minha imagem no espelho, não reconheci aquela mulher frágil e machucada que me devolvia o olhar. eu parecia uma fugitiva daqueles romances açucarados de banca de jornal. "Sinto muito, queridinha", eu disse à outra, no espelho, enquanto secava as lágrimas com um lenço de papel. "Só leio livros de James Bond." retoquei a maquiagem e censurei a mim mesma por ter baixado a guarda. além disso, mal podia acreditar que havia deixado a arma em cima da mesa. Isso não combinava nem um pouco comigo. bem, e agora? em uma das extremidades do toalete, uma mulher rechonchuda recostava-se na parede, ao lado de uma ampla seleção de brindes de perfumaria: cremes, loções, sprays de cabelo, perfumes, sabonetes. Até mesmo cigarros gratuitos e fósforos também, é claro. rapidamente avaliei os artigos.
Boa noite — a mulher disse, sorrindo, à espera de uma bela gorjeta.
Boa noite — respondi e então tive uma ideia. — Olha só pra tudo isto aqui, sabia que muitos destes produtos são inflamáveis! — a mulher fechou um pouco o sorriso, sem saber o que responder. sorri e esfreguei as mãos uma contra a outra. eu era dessas que sabem fazer de um limão uma limonada.

Brittany
Meus olhos estavam pregados na porta daquele toalete como uma pulga, em um cachorro sarnento. de jeito algum eu deixaria aquela mulher escorregar entre meus dedos. eu conhecia aquele lugar pelo avesso. sim, já usamos o banheiro feminino além das necessidades próprias dele antes mas isso agora não vem ao caso, então sabia que ali não havia janelas. e sabia que Santana era esperta o bastante para não tentar fugir pela porta dos fundos, ninguém ousaria atravessar a cozinha daquele chef a não ser que tivesse instintos suicidas. "Nenhuma saída, gata, a não ser para os braços da mamãe aqui." esperei, olhei para o relógio, continuei a esperar. ela estava demorando demais, até mesmo para uma Santana. talvez não estivesse se sentindo bem, quem sabe estava mais abalada do que sugeria aquele seu rostinho impassível? eu estava prestes a conferir o que se passava com ela quando... a camareira do banheiro das mulheres passou por mim como um morcego saído do inferno, como se tivesse visto o diabo com os próprios olhos. ou talvez a diaba. oh-oh... levei a mão ao coldre. merda, a arma tinha ficado em cima da mesa, antes que eu pudesse me virar para buscá-la... cabuuuum! o chão tremeu. os candelabros chacoalharam, a porta do banheiro começou a cuspir fumaça e então a baderna se instalou, os alarmes dispararam, os aspersores começaram a jorrar água. as pessoas gritavam, atropelando cadeiras rumo às saídas de emergência. voltei à minha mesa e peguei a arma, tentei abrir caminho através da multidão, mas a histeria era ainda maior. foi então que a vi, cabeça baixada, passando pelo estande da recepcionista junto à porta principal. tentei alcançá-la, porém mal pude me mexer. Santana desapareceu na multidão como um fantasma mas até então eu não tinha tirado os olhos de cima dela. em nenhum momento se deu ao trabalho de virar o rosto para ver se eu ainda estava ali, se nada tinha me acontecido. mas por que faria isso? Os fogos de artifício eram obra dela, uma cortina de fumaça para sua fuga. uma homenagem à sua independência, mas eu não deixaria aquilo barato em hipótese alguma. depois de ajudar uma matrona ofegante a ficar de pé, tomei o rumo da porta, abrindo caminho a cotoveladas. por fim cheguei a rua, a tempo de ver Santana se escafeder no Mercedes-Benz. merda! chutei o ar à minha frente, furiosa comigo mesma. ela tinha conseguido mais uma vez e agora? olhei na direção que ela havia tomado, pensando no que fazer. alguém me tocou timidamente no ombro, virei-me para trás para ver o que era.
Desculpe a intromissão — disse um dos refugiados do restaurante — Mas a senhora não está... ticando? — olhei para o cara, o infeliz devia estar bêbado como um gambá mas eu não tinha tempo para...tic-tic-tic... filha da puta! eu estava mesmo ticando, o barulho vinha de algum lugar no meu terno, mas de onde? e em que momento ela tinha colocado aquilo ali? caralho, eu tinha dado aquele mole todo, babando por ela como uma cachorra carente, enquanto a vadia bancava a gostosona só para plantar alguma coisa no meu bolso! o ruído parecia vir de todos os lados. foda-se! tirei o terno o mais rápido que pude e joguei-o para o...Buuum! pedacinhos de terno caíram do alto como confetes ao vento, o sujeito que me havia alertado tremia debaixo de uma caixa de coleta dos correios. agora eu estava realmente puta, eu adorava aquele terno.

Sra. & Sra. Lopez (Brittana)Onde histórias criam vida. Descubra agora