Segunda Sessão, BL

1K 108 59
                                    

SEGUNDA SESSÃO, SRA. B LOPEZ SOZINHA

sra. Brittany Lopez entra no consultório e se senta, desculpa-se pelo atraso, embora não haja atraso nenhum. a mulher parece cansada, confiro minhas anotações: sra. Lopez tem institutos/academias de dança, internacionais, viaja muito, sem filhos, uma vida agitada. mas seu cansaço não parece apenas físico, seu olhar sugere que algo mais está consumindo sua energia. Como de hábito, remexo nos meus papéis, esperando que ela relaxe. Ofereço café, chá etc, ela agradece e depois saca do bolso um cantil de prata, com um sorriso no canto dos lábios - desses que deixam pessoas derretidas por dentro -, pergunta: "Se incomoda se eu...?" Olho para o relógio de parede, ainda nem é meio-dia, mas o gesto me pareceu perfeitamente natural para a sra. Lopez "Como diz a canção: Em algum lugar do mundo já passa das cinco...'", ela brinca, faço uma anotação, Brittany Lopez é mais afável do que se mostrou na primeira sessão, além disso, pareceu-me uma mulher gentil, confiável e equilibrada - como aquelas esposas que aparecem nos comerciais de seguros, essa sra. Lopez me parece... sei lá, diferente. tem um pouco de James Bond - ou talvez até de Frank Sinatra, tem aquele charme do célebre "Rat Pack": Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr., casualmente dá um gole na bebida, e só então percebo que não está usando a aliança no dedo. confiro minhas anotações. não há dúvida de que usava a aliança quando esteve no consultório pela primeira vez, na companhia da esposa, pode parecer um detalhe sem importância mas é algo que costumo reparar quando recebo casais, uma aliança de casamento é mais que um símbolo, tem um valor muito grande para a maioria das pessoas, cogito se a sra. Lopez tem um bom motivo para não estar usando a sua, estou certa de que vem por aí uma história bem interessante.

Ligo o gravador, esperando descobrir do que se trata:

Eu: Me diz uma coisa: por que resolveu voltar aqui sozinha?

Sra. Lopez: (dá de ombros, desvia o olhar): Na verdade, não sei.. Não creio que tenhamos um problema. Quer dizer, amo minha mulher, minha casa, nossa vida...

Nota: Ela não termina a frase, há um grande "mas" pairando no ar, esperando para ser dito. no entanto, ela aparentemente não sabe como continuar.

Eu (incitando-a): Mas...

Nota: sra. Lopez assume um ar distante, decerto está mentalmente revivendo cenas difíceis de sua vida, algo definitivamente aperturba mas está claro que não sabe como falar sobre o assunto, e isso é muito comum, claro, sempre é mais difícil pra alguém no casal. então retrocedo e tento uma nova abordagem.

Eu: Procure relaxar, sra. Lopez. Estamos aqui para conversar, só isso, não há respostas certas ou erradas, fale um pouco de sua mulher. O que a deixou atraída por ela logo no início?

Sra. Lopez (agora sorrindo): Ela era encantadora... instigante... misteriosa...

Nota: Ótimo. Ela está se abrindo.

Eu: E hoje?

Nota: O rosto da sra. Lopez assume uma expressão sombria, os olhos se fecham.

Sra. Lopez: Nenhum mistério.

Nota: Espero, paciente, que ela diga mais alguma coisa mas simplesmente olha para mim e sacode os ombros. Como se dissesse: "É só isso.", brinca com o cantil, dá mais um gole na bebida (seja lá qual for) e depois baixa os olhos, conformada com sua decepção, percebo que terá dificuldade para se abrir. Na verdade, estou convicta de que será preciso dinamite para fazê-la continuar a se abrir. Reflito, tamborilando a caneta sobre a mesa.

Eu: Vou lhe passar um pequeno dever de casa.

Nota: Ela olha para mim como se dissesse: "Está gozando com a minha cara, não está?"

Eu: Nada complicado, eu garanto.
Quero que vá para casa e escreva sobre os seus sentimentos.

Nota: sra. Lopez cai na gargalhada, como se eu tivesse acabado de contar uma piada hilariante numa rodinha de clube. Depois se recompõe, visivelmente envergonhada.

Sra. Lopez: Não está falando sério, está? Está. Bem... Olha, doutora, escrever não é o meu forte. Meu negócio é dança.. tenho instituições, já lhe falei sobre isso, não falei? Além disso, ando sempre muito ocupada. Estou com esse projeto em Atlanta, um pepino atrás do outro.

Eu: Compreendo. Mas não precisa se preocupar, não se trata de uma redação para a escola. não é necessário caprichar na gramática, nem mesmo terminar as frases é apenas um exercício. Uma experiência, digamos assim, não precisa mostrar a ninguém.

Sra. Lopez: Ninguém?

Eu: Ninguém.

Sra. Lopez: Nem mesmo... pra ela?

Eu: Pra sua mulher? Não, não precisa mostrar a ela. Nem a mim. Claro, pode mostrar a mim, se quiser porém o mais importante é que você se sinta livre para escrever sobre qualquer coisa. Para ajudá-la a descobrir exatamente o que está a perturbando. Às vezes, para conhecermos nossa própria história, precisamos contá-la a nós mesmos.

Nota: sra. Lopez leva o cantil à boca mais uma vez, parece desconfiar que eu esteja contando os seus tragos, rapidamente, tampa o gargalo e guarda o frasco no bolso da camisa social.

Sra. Lopez (dando de ombros): Tudo bem, só se eu puder desenhar também (Ri como se não estivesse preocupada) que mal pode haver nisso? vou pagar pra ver o que acontece. Por que não? afinal, a senhora deve saber o que está fazendo, certo?

Eu: Pode fazer o que quiser, excelente.

Sra. Lopez: Mas não estou prometendo nada.

Nota: sra. Lopez se apressa em sair, aperta minha mão como se fôssemos velhas amigas de escola, atabalhoada, anda em direção à porta. Depois para, vira-se para mim.

Sra. Lopez: Humm... Doutora?

Eu: Diga.

Sra. Lopez: Bem, é que... como devo começar?

Eu: Que tal começar pelo começo? tente se lembrar de como conheceu sua mulher, dos motivos que a fizeram se apaixonar por ela...

Sra. Lopez: Ótimo. Isso mesmo, então, tchau.

Nota: sra. Lopez sai pela porta como se a sirene da escola tivesse acabado de soar, faço uma anotação e balanço a cabeça.
Fico pensando se voltarei a vê-la.

Sra. & Sra. Lopez (Brittana)Onde histórias criam vida. Descubra agora