Mais mentiras

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Brittany
Uma poderosa BMW preta se materializou no nosso encalço. Sany e eu olhamos para trás e vimos o carro se desdobrar em mais dois, os três nos perseguindo como aviões de caça em formação, aproximando-se para o golpe final. gostei de ver os reflexos de Sany. a maioria dos agentes teriam começado a gritar, a choramingar e a criar problemas. em vez disso, Sany calmamente pegou sua arma e se preparou para criar problemas, para eles. ainda ao som do Air Supply, Sany pulou para o banco de trás. segui seus movimentos pelo retrovisor, arrastando-se de bruços, ela avançou mais duas fileiras de bancos reclinados e parou na terceira, deixando o encosto em pé, à guisa de escudo. depois jogou no bagageiro tudo o que encontrou dentro do carro: cesta de piquenique, equipamentos de hóquei, tacos de golfe. e formou uma espécie de bunker. santo Deus, por que será que as pessoas carregam tanta tralha dentro do carro? Sany apertou um botão e o vidro de trás baixou automaticamente, permitindo que ela atirasse sem qualquer obstáculo. depois assestou a arma sobre o encosto do banco e... mandou bala! infelizmente tive de ultrapassar uma caminhonete que estorvava o caminho e com o movimento, acabei arruinando a ofensiva de Sany.
Porra, Brittany! — ela berrou. — Tirou carteira por telefone? segura firme esse volante! — o que não era tão fácil assim.
Não sei como as pessoas conseguem dirigir essas porcarias! — eu disse. a minivan tinha a estabilidade de um touro bêbado.
Então é melhor você treinar em um estacionamento vazio! — Sany voltou para o banco da frente. — Cai fora, amor. — eu hesitei, e ela me puxou pelo braço, dizendo: — Acontece que eu sei dirigir essa porcaria. — eu detestava quando ela começava a me dar ordens.
Sim, senhora. — concordei, em um tom de voz meio azeda. por outro lado, se ela assumisse o volante, eu ficaria livre para mandar os nossos perseguidores para o espaço, ou melhor, para o inferno. eu pelejava para manter o carro firme na pista enquanto tentávamos trocar de posição, o que não seria nada fácil de se fazer em alta velocidade. Sany acabou sentada no meu colo, de frente para mim e de costas para o volante. uma posição adorável se estivéssemos em um dríve-in, mas muito perigosa a 130 por hora numa auto-estrada. fiquei meio sem graça, seus olhos furavam os meus, fazendo com que eu me sentisse diante de são Pedro nos portões do paraíso, prestando conta de todos os meus atos na Terra. ficamos assim por alguns segundos, uma nuvem de perguntas sem respostas pairando acima de nossas cabeças mas ali não era hora nem lugar para lavarmos a roupa suja do passado. com muita dificuldade, arrastei-me para o lado, permitindo que ela virasse o corpo e assumisse a direção. o que não poderia ter demorado mais nenhum segundo, pois, assim que ela botou as mãos no volante... wham! um dos nossos perseguidores jogou o carro contra o para-choque da van, provocando um terrível solavanco. enquanto Sany ajustava o retrovisor, eu me arrastei até o banco de artilharia no fundo da van. de volta ao jogo, éramos como duas guerreiras suburbanas, prontas para enfrentar o resto do mundo. uma metralhadora começou a cuspir fogo de um dos carros, reduzindo a pó todas as janelas traseiras que haviam resistido até então, o carro que tinha acertado o nosso para-choque minutos antes agora se aproximava pela direita com a fúria de um tubarão assassino.
Atenção! — gritei. — Do seu lado! Joga pra esquerda! — Sany conferiu minha informação pelo retrovisor externo com a fleuma de quem estava a caminho do shopping e precisava mudar de pista. merda, outra BMW preta avançava pelo lado do motorista, será que ela não estava vendo?
Pra hoje, de preferência! — vi a expressão no rosto dela pelo retrovisor: Sany parecia soltar fogo pelas ventas. só porque eu não havia feito nenhuma outra confissão embaraçosa? as coisas sempre tinham de ser do jeito dela.
Tá bem, tá bem... — gritei do banco de trás. — Amor.. eu acho que devo te contar, já fui casada antes, uma vez.— não fiquei surpresa ao constatar que minha confissão tinha tido o efeito de uma tijolada. Sany parecia ter sido atropelada por um trem.
o quê?
— Isso mesmo — eu disse, tentando diminuir a importância da revelação. — Achei que você devia saber e meu sobrenome não é Carter, é Pierce.— esperei por uma reação qualquer, mas ela não disse nada. parecia estar digerindo as novidades, ótimo. mas de repente enfiou o pé no freio, sem dó nem piedade, estava tão alterada que cheguei a achar que seus cabelos iam pegar fogo. antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, o carro atrás de nós se espatifou na traseira da van, enterrando o capo debaixo do chassi e levantando nossas rodas traseiras do asfalto. então seguimos assim, engatadas, a mais de cem por hora. o impacto me lançou contra o painel da frente e arrancou a arma da minha mão. tacos de golfe me acertaram por trás, jogada ali, no banco da frente, eu parecia uma bolinha de papel amassado. Sany olhou para mim, faiscando. tentei sorrir, já convencida de que aquelae informações deveria ter permanecido onde estava, enterrada sete palmos abaixo do chão.
Foi jogo rápido — tentei explicar. — Uma bobagem.
— Uma bobagem?
— Uma besteira que fiz em Las Vegas, só isso. — Sany partiu para cima de mim, distribuindo socos para todos os lados. — Para com isso! Para! — gritei com um taco de golfe na mão.
Não estou brincando! — não tínhamos tempo para aquilo! tínhamos de matar aqueles caras que tentavam nos matar. depois, e só depois, Sany e eu poderíamos matar uma aoutra. rolei de volta para o banco de trás, ainda com o taco na mão. depois pulei a janela de trás e me joguei no capo da BMW, um dos passageiros surgiu pelo teto solar mas eu estava devidamente armada e pronta para atacar. antes que pudesse mirar, levou uma tacada certeira na cabeça. eu já havia dito a Sany: aquelas poucas horas no campo de golfe ainda serviriam para alguma coisa. quando o assassino caiu para trás, vi que carregava uma granada presa ao colete. sem titubear, puxei o pino da granada, empurrei o cara pelo teto solar e pulei de volta para a minivan.
Pisa fundo, amor! Vai, vai! — Sany por certo percebeu a urgência na minha voz, pois dessa vez obedeceu sem contestar. pisou fundo o acelerador, fazendo com que a tração dianteira nos livrasse do engate com a BMW. mais um segundo e... Blam! o carro atrás de nós se desmanchou em uma enorme bola de fogo.
Parabéns! — exclamou Sany ao volante.
Obrigada, coração. — respondi. Sany não disse mais nada, mas eu já conhecia aquele tipo de silêncio: o tipo que não dura muito.
Qual o nome dela? — falou por fim. — Nome, sobrenome, identidade, data de nascimento... quero a ficha completa. — como se eu fosse dizer alguma coisa.
Não, não, não, nada disso. você não vai matar ela, ela era uma boa pessoa. — o olhar que Sany me lançou teria feito até o capeta borrar as calças. — Quer dizer, boazinha.— fula da vida, Sany resolveu descontar nas vítimas mais próximas: os perseguidores. os dois carros restantes encostaram na van, um de cada lado, formando uma espécie de sanduíche de Sany.

Sra. & Sra. Lopez (Brittana)Onde histórias criam vida. Descubra agora