Europeu

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Santana
Com a discrição de sempre, passei de um carro a outro assim que cheguei à cidade. "Quem não planta não colhe", resmunguei para mim mesma ao me jogar no banco de trás do táxi que me levaria até o centro, onde eu era aguardada. chamadas no meio da noite não eram nem um pouco incomuns no meu ramo de trabalho. e o salário, nada desprezível. meu Deus! Se Britt sequer suspeitasse do que fazia quando escapava da nossa vida sufocante no meio da noite... o que ela acharia? talvez nem se importasse. senti um leve tremor e depois olhei pela janela, observando a cidade que se desfraldava do lado de fora. as pessoas andando pelas ruas, as luzes brilhantes cortando o céu da noite, tudo isso me fazia lembrar de um parque à beira-mar ao qual alguém havia me levado quando eu ainda era pequena - alguém de cujo rosto já não me lembrava muito bem. - os brinquedos vertiginosos, os espetáculos de aberrações - coisas que me deixavam ao mesmo tempo fascinada e aterrorizada, embora eu pudesse contar com a segurança de um braço forte que me levava pela mão - e que de vez em quando me jogava para o alto, mas jamais me abandonava, até que um dia me abandonou. Inferno! "Calma, concentre-se", disse a mim mesma. "Você tem um trabalho a fazer." Abaixei a janela para deixar o vento fresco varrer as dores do passado, escolhi um dos prédios mais adiante e comecei a contar os andares, um joguete que me divertia sempre que andava de táxi, depois de contar os andares, calculava o número de apartamentos em cada andar e o número de pessoas em cada apartamento, chegando por fim ao número de pessoas que moravam no prédio inteiro. quantas pessoas estariam escovando os dentes na pia do banheiro naquele exato momento? comendo comida chinesa? fazendo amor? quantas pessoas comuns? quantos segredos? e então o motorista parou junto ao meio-fio. Através da janela, olhei para o alto e vi meu destino final: o elegantérrimo e caríssimo hotel Hudson, ocupação máxima todas as noites. quem eram essas pessoas? e que diabos faziam para ganhar dinheiro suficiente para ficar ali, em vez de se hospedarem num motel à beira de estrada em Nova Jersey? lá em cima, num daqueles andares privilegiados, um dos hóspedes igualmente privilegiados esperava por mim, talvez até salivasse, ansioso por minha chegada e meu trabalho era dar a ele uma noite literal de sonhos, por assim dizer. eu sabia exatamente o que ele fazia para poder se hospedar ali, dei uma bela gorjeta ao motorista e, sussurrando, disse a ele que se esquecesse da minha cara. Depois peguei minha "maleta de médico" e saí do carro, cuidando para não sujar as botas de salto alto na sarjeta, caminhando em direção ao hotel, senti meu casaco se abrir acidentalmente e percebi que o porteiro quase desmaiou. Ótimo. Era exatamente assim que meu cliente deveria reagir ao ver o modelito de couro preto que eu havia escolhido para aquela noite. sempre foi mais fácil lidar com os homens quando eles estão de joelhos, atravessei o lobby como uma pantera. Procurei não chamar muita atenção, mas os homens, contumazes caçadores, não tiraram o olho da minha carcaça até me verem entrar no elevador. uma vez dentro, passei a mão pela longa coluna de números e apertei o mais alto deles. Suíte presidencial. Nada menos que o melhor para esse homem e isso incluía a mim também. entretanto, eu daria a ele muito mais do que seu dinheiro podia comprar. eu entrei nesse ramo anos atrás, muito antes de conhecer minha esposa. mesmo depois de casada, continuei com minha... carreira particular, era experiente, bem treinada, excelente profissional. orgulhava-me de ser a melhor de todas. O elevador parou no último andar, as portas se abriram com um chiado, "Hora do espetáculo" pensei com um frio no estômago, a descarga de adrenalina que geralmente sinto minutos antes de entrar em ação. quantas secretárias ou quantos programadores poderiam dizer a mesma coisa? quando as portas duplas da suíte se abriram, fui recebida por um guarda-costas do tamanho de um freezer de açougue.
- Carlotta? - ele rosnou, apenas sorri e entrei, enquanto ele trancava a porta atrás de mim, rapidamente analisei o espaço: portas, janelas, distribuição dos espaços. na sala principal, mais quatro guarda-costa
- cada um mais feio que o outro - se apertavam diante da TV, assistindo a um programa de perguntas e respostas. Sorri. Um bando de Einsteins. Perfeito.
- O que tem aí nessa bolsa? - perguntou o freezer, não respondi. apenas abri a bolsa para que ele inspecionasse. um a um, ele retirou todos os meus instrumentos de trabalho: um chicote comprido e safado, outro de nove tiras, um par de algemas. Nada disso o fez corar. Decerto já vira o chefão fazer isso outras vezes. jogou a tralha de volta e empurrou a bolsa nas minhas mãos.
- Temos que tomar um avião daqui a uma hora - alertou, pisquei os olhos e disse:
- Sou o gatilho mais rápido do Oeste. - ele balbuciou qualquer coisa, apontou para um corredor e depois voltou à televisão. os gorilas tentavam adivinhar o nome de um filme antigo, do qual era exibido um pequeno trecho. não faziam a menor ideia. aliás, não faziam a menor ideia de nada. mas o filme era fácil, preto e branco, Cary Grant, filme simpático a respeito de um cadáver, um dos meus favoritos.
- Este mundo é um hospício - soprei, antes de sumir no corredor. ficaram extasiados quando o apresentador do programa confirmou que eu estava certa, caras como esses jamais esperam que uma mulher tenha cérebro, isso me faz detestar sem exceção todos eles, acham que prestamos apenas para uma coisa, engano deles, sorte minha. meu trabalho fica muito mais fácil quando me dão por idiota e então chegou a hora, com todas as antenas em pé, entrei silenciosamente no quarto e fechei a porta. fui recebida com uma fanfarra de gargarejos e cusparadas no banheiro: meu anfitrião se refrescava para me receber. nojo. mas isso me dava tempo para estudar o lugar, cama enorme e colcha com estampa de zebra. (eca!) portas de vidro que davam para uma ampla varanda no alto do prédio. (Excelente!) abri minha bolsa sobre a cama e... senti o cheiro do meu cliente, que se aproximava sorrateiramente pelas minhas costas, virei o rosto e ofereci a ele o meu sorriso mais sensual, o homem grunhiu como um cachorro..parecia um pastor alemão prestes a abocanhar um suculento filé de carne crua. Marco Racin, Europeu ensebado e vulgar, cinquenta e poucos anos. "Poxa, Marco, como você está acabado!", pensei. mas a expressão em meu rosto dizia: "Vem aqui, garanhão! A noitada está paga, e eu sou toda sua!" ele andou ao meu redor, lentamente, lambendo os beiços como se admirasse a mercadoria, sem me alterar, deixei que olhasse. queria que ficasse excitado a ponto de comer das minhas mãos. depois de alguns instantes, andei até a porta, tranquei-a e virei-me para ele. Racin vasculhava a bolsa que eu havia deixado sobre a cama.
- Achou alguma coisa interessante? - eu disse, quase ronronando. depois abri um botão e deixei que o casaco caísse aos meus pés, revelando os trajes da noite: uniforme completo de dominatrix.

 depois abri um botão e deixei que o casaco caísse aos meus pés, revelando os trajes da noite: uniforme completo de dominatrix

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- Muita coisa - ele babou. em seguida, tomou-me nos braços suarentos e sussurrou alguma coisa no meu ouvido, nada que valha a pena repetir aqui.
- Muita gente já foi presa por dizer isso, bonitão - respondi.
- Não no meu país - ele devolveu. beleza,ele estava no ponto. hora de entrar em ação, estalei os nós dos dedos, empurrei-o sobre a cama e peguei minha bolsa.

Sra. & Sra. Lopez (Brittana)Onde histórias criam vida. Descubra agora