CAPÍTULO 10 - Gava-Casagrande

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Marina.

Eu tinha passado todo aquele dia levemente cansada e com uma dorzinha de cabeça insistente que eu definitivamente tinha feito por merecer depois de ficar por horas conversando com Felipe na minha sacada e bebendo mais garrafas de cerveja de qualidade duvidosa do que eu realmente deveria.

Não era como se eu me arrependesse, de todo modo. Ainda que eu o tivesse conhecido e deliberadamente o escolhido, naquele momento, como a boca que eu iria beijar para dar um basta nos pensamentos sobre Maurício, ele tinha sido uma surpresa agradável - apesar de sempre parecer estar a um mísero passo de contar para todo mundo que a gente tinha trocado uns beijos pouco castos.

No entanto, o saldo era positivo. Eu podia admitir que ele era adorável com seus óculos redondos, referências filosóficas e com seu jeitinho amigável.

De todo modo, eu não estava muito animada para pensar sobre a nossa relação meio-amizade-meio-flerte porque meu celular não parava de vibrar com mensagens de parabéns e eu estava levemente deprimida por estar sozinha no meu novo apartamento exatamente naquele sábado. 23 de maio. Meu aniversário.

E eu me sentia a pessoa mais solitária de todo o planeta Terra, já que ninguém na empresa sabia meu aniversário (acho que eles ainda não tinham configurado aqueles e-mails corporativos automáticos que avisam a todos os funcionários que eles deveriam dar parabéns aos colegas) e as pessoas que normalmente estavam comigo nesse dia tinham ficado no Espírito Santo e, naquele momento, não poderiam estar ali.

Todas as mensagens de aniversário eram uma comemoração seguida de uma desculpa, mas pelo menos as pessoas estavam se lembrando, ainda que a ausência deixasse a lembrança um pouquinho agridoce.

Como geminiana, eu estava falhando no quesito desapego.

Então, meu celular começou a vibrar de forma muito insistente e eu estiquei a mão para apanhá-lo sobre a mesa de cabeceira, me ajeitando na cama ao ver que era uma chamada de vídeo da minha mãe.

— Oi, mãe — eu disse, vendo seu rosto familiar na tela do meu celular e sentindo um aperto no coração ao ver meu pai e ela se esmagando para caber na câmera juntos.

— Feliz aniversário, filha! — os dois disseram, juntos, arrancando talvez o meu primeiro sorriso de todo aquele dia.

— Obrigada — eu disse, acenando para os dois. — Vocês são tão lindos, eu estou com tanta saudade!

Meus pais, Lúcia e Carlos Henrique, eram ambos bancários e eu sempre vivi com eles em Cachoeiro, nossa cidade natal, até me mudar para Vitória para fazer faculdade. Eles, claramente vendo que eu não iria voltar para a Capital Secreta (embora Vitória seja a capital oficial do ES, todo capixaba sabe que Cachoeiro é que é a capital de verdade), solicitaram a remoção para a agência de Jardim da Penha e estávamos morando todos na mesma cidade de novo, pelo menos até eu resolver vir para São Paulo.

Eu nem sabia que dava para sentir aquela quantidade de saudade sem explodir.

— Também estamos com saudade, Mari — continuou minha mãe, dando seu sorriso afável de quem sabia que eu estava prestes a chorar. — Nós vamos para São Paulo te ver no próximo feriado, eu prometo.

— Como está tudo aí, filha? — meu pai perguntou, erguendo as sobrancelhas grossas e me encarando com os olhos verdes quase idênticos aos meus. — Ninguém tentou te atacar, te assaltar ou nada assim, certo?

Dei risada para eles.

— Na verdade São Paulo é muito mais tranquilo do que o JN faz a gente acreditar, pai — contei, mas ele não pareceu muito confiante com aquilo. — Eu estou inteira e todas os meus pertences ainda são meus, o que considero uma vitória absoluta.

Amor em Revisão (Concluído).Onde histórias criam vida. Descubra agora