Marina.
— Te atrasei? — perguntei, abrindo a porta do carro de Felipe e me adiantando para dentro antes de ele me convidar. Acho que a gente tinha intimidade a esse ponto, ou pelo menos foi o que eu disse para mim mesma para me convencer de que não estava sendo uma tremenda mal-educada.
— Não! — Ele abriu um sorriso que eu prontamente retribuí. — Acabei de chegar.
— Nesse caso... — me estiquei para dar um beijo na sua bochecha. — Oi, Galhardinho.
— Oi, Má. — Ele estava cheiroso e sem óculos, notei. — Você está linda.
— Você também — disse eu, apagando a marca de batom na sua bochecha com dedão logo após colocar o cinto de segurança. Ele sempre falava que era muito estranho o fato de que eu realmente beijava a sua bochecha e não apenas batia a minha na dele, o que, convenhamos, era muito esquisito. — Mas você sempre é lindo.
Ele girou a chave na ignição e pude ouvir o ronco baixo do motor do carro. Felipe negou com a cabeça meio risonho.
Finalmente o dia do show da Casaca, a banda de reggae capixaba, tinha chegado. Toda a galera do Sujinho resolveu dar uma chance para a banda e foi obrigada a escutar um sermão de Vitório sobre não aceitar bebida de estranhos e ter sempre em mente que, nesses lugares, bala não é a do tipo que Felipe trafica na VixSão — e aí ele se corrigiu falando que Felipe não traficava nada, mas quem nos oferecesse durante o show sim, ou pelo menos era uma pessoa muito mal intencionada.
Foi um ótimo discurso para adultos com mais de vinte e sete anos, certamente.
Originalmente, eu iria para o Ibirapuera com Camila e Malu, porém Evaristo escondeu a chave do meu apartamento e eu não conseguia sair de casa, porque, obviamente, eu não tinha força para arrombar a porta e nem estragaria minha saia de couro sintético recém comprada tentando e foi muito difícil encontrá-la escondida em um buraco que ele cavou no fundo do sofá, porque eu não sabia que aquele rombo existia. Felizmente, Felipe também estava atrasado e se dispôs a me levar.
Eu estava muito animada, porque era como ter um pedacinho de casa bem no coração de São Paulo, e eu nem sabia que estava com tanta saudade do meu Espírito Santo — Rui e Vitório pareciam entender a minha empolgação, já que estávamos em São Paulo há bastante tempo e encontrar brechas para ir para Vitória era muito mais complicado do que no plano ideal de estar na capital capixaba pelo menos uma vez por mês. Era o Casaca! No Ibirapuera! O combo perfeito, eu diria.
— Você tem um excelente senso de humor, Má — ele disse, com as bochechas levemente rosadinhas de alguém que não sabia ouvir um elogio. Um filósofo belo, recatado e do lar.
Ele trocou da quarta para a quinta marcha. Alguma coisa no câmbio manual me dava um certo desespero (trocar marchas é uma tarefa complicada para motoristas que não são fãs de dirigir, como é o meu caso), mas Felipe fazia aquilo com muita naturalidade, provavelmente sem nem notar que estava fazendo.
— Você lindinho e cheiroso e de preto em um show? — Ergui as sobrancelhas, mesmo que ele não pudesse ver. — Tamara é uma garota de sorte. — De repente, o rosadinho das bochechas dele foi ficando consideravelmente mais próximo do vermelho, confirmando todas as minhas suspeitas (não que tenham ficado muitas depois do dia da serenata de Ulisses) — Eu disse Tamara? Quis dizer número cinco.
Felipe deu uma risadinha envergonhada, típica dele. Me virei meio de lado para ficar olhando.
— Eu devo começar a te chamar de número quatro a partir de agora? — perguntou, encarando o trânsito. Seu braço direito, que segurava o volante, estava marcando a camisa que ele estava usando e eu tenho certeza que minha cama nova tem muito a ver com esse fato.
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Amor em Revisão (Concluído).
RomanceA vida de Marina Carvalho era completamente satisfatória. Trabalhava em um emprego que ela gostava, na cidade que ela viveu desde sempre e tinha um namorado que parecia perfeito. Até que fez as contas e descobriu que as coisas não estavam tão bem:...