John

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-Sherlock... Acorde! Sherlock!

(...)

Mesmo à contra gosto, peguei meu casaco, calçei as botas e fiz o que Sra. Hudson mandou. Sem pestanejar, pego o primeiro taxi que vejo e vou para a 221B da Baker Street mentalizando que tudo aquilo era apenas um equívoco da senhoria.

Não posso negar o impacto que me causou olhar para o batente gasto da tão conhecida fachada daquele lugar, e, como se meu cérebro fosse arrebatado por uma enxurrada de lembranças, me sinto nauseado quase que instantaneamente.
Respiro fundo por alguns minutos antes de entrar pela porta da frente, de onde costumava ser meu lar há algum tempo atrás.
E por incrivel que pudesse parecer, tudo naquele lugar permanecia igual, sem nenhum porém, ou qualquer mudança significativa. A escada continuava maltrapilha, com dúzias de objetos estranhos, contudo impecavelmente limpa; o cheiro de limpeza e biscoitos de gengibre me acertam em cheio, trazendo a tona boas memórias. Memórias essas, não tão antigas assim.
Olho para o topo da escada e fico levemente melancólico; mesmo sabendo que havia prometido a senhoria que iria fazer algo ao homem que ali estava, ainda assim sentia um enorme nó se formar em meu estômago, fazendo com que por pouco não desistisse de minha benfeitoria e rumasse o mais rapidamente possível, para longe dali.

Subo as escadas enfim, e paro novamente encarando a porta encardida à minha frente. Sabia que atrás da mesma algo muito perturbador me esperava, e era isso que me deixava deveras receoso. Todavia, não exito e  bato três vezes, aguardando respostas. E nada.
Bato novamente, dessa vez com mais força. Nada!

-Sherlock?

Nada.

Então giro a maçaneta com cautela e a mesma se encontra trancada.

-Filho da... -Falo para mim mesmo. O inevitável teria de acontecer. Entretanto, o medo do desconhecido me invade.

Medo esse, do que iria encontrar ao lado de dentro. Sherlock era inconstante, indecifrável e impossível de conter; qualquer coisa poderia me aguardar do outro lado, e obviamente  o medo que sentia tinha mais à ver com o fato de que o mesmo poderia estar... Não John! Não pense isso!
Mentalizo algumas vezes. Por mais idiota que Sherlock fosse, ele nunca atentaria contra a própria vida. E então com um impulso inesperado, jogo meu corpo contra a madeira bruta da porta, que para minha surpresa era mais dura do que eu imaginava. Foi preciso três tentativas para que ela se abrisse com um estrondo, arrebentando totalmente as velhas dobradiças e fechadura.

E como o previsto, a visão inicial fora alarmante, nunca em todos os anos que morei naquele endereço, vi algo tão deplorável.
Estava um total caos. Papéis espalhados por todo lado, cartuchos de munição no chão, vários buracos de bala aqui e ali nas paredes que se viam empilhadas de recortes e linhas de tecido. Xícaras de chá em cima da mesa de centro, roupas nas poltronas, seringas aos montes sob pires, e a lareira que antes era razoavelmente organizada, agora mal se dava para ver, tamanha era sua bagunça. O aposento inteiro continha uma grossa camada de pó, como se estivesse abandonado por meses, e o local cheirava a comida estragada e roupa suja.
Fico abismado por tempo demais parado no hall de entrada, tentando acostumar meus olhos a tantas informações. Olho mais atento agora, há procura de alguma coisa e alguém.
Apenas um móvel estava parcialmente limpo, exceto pelo pó... E era minha antiga poltrona. Nela apenas um tão conhecido objeto repousava; o violino.

-Sherlock? -Chamo a meia voz, esperando uma resposta, mas ela não vem. Meu coração rapidamente começa a palpitar nervosamente. Apuro minha audição absorvendo qualquer ruído, e então ouço uma respiração descompassada, meio rouca e esquisita.

Ando pelo aposento e o encontro jogado no sofá. A primeira vista, não reconheci o homem ali deitado, foi preciso mais que alguns instante para poder assimilar toda aquela situação.
Me aproximo por fim, e então o vejo de verdade.

Sherlock Holmes, o homem impecavelmente limpo e arrumado, que matinha suas feições saudáveis, agora era um homem maltrapilho, sujo, encolhido em cima de um sofá cheio de quinquilharias, com fundas olheiras sob os olhos parcialmente fechados, os lábios ressecados e entreabertos, a pele brilhando de suor, com seus cabelos grandes demais colados na testa, parecendo magro o suficiente para deixar claro que se via doente. Estava febril, e em seu braço exposto, dava-se para notar as feridas causadas pelas seringas que usava para se injetar.
Aquilo me pega desprevenido. Era horrivel vê-lo naquela situação pesar de tudo que ainda sentia em meu coração, ver Sherlock Holmes tão à mercê das frustações da vida doia mais do que o esperado. Me ajoelho ao seu lado, e tento lhe dispertar.

-Sherlock... Está me ouvindo?

Ele nem ao menos se mexeu, e naquele instante vejo a gravidade do ocorrido. Como que isso foi chegar há esse ponto? Chamo mais algumas vezes, e então Sherlock sussurra fraco:

-John... Não chore John...

Meu coração aperta instantaneamente, e sinto um nó se formar em minha garganta. Ele repete mais algumas vezes aquela mesma frase como um mantra, estava visivelmente delirando de febre. Com isso, sem pensar duas vezes, pego meu celular e ligo para Molly Hooper lhe pedindo socorro com urgência, e logo após telefono para Mycroft e Greg Lestrade.

Ambos se prontificaram em ajudar, deixando claro a importância que Sherlock tinha em suas vidas.
Enquanto isso, tomo algumas providências. Não poderia deixá-lo daquela forma, não saberia dizer o tão doente Sherlock estava mesmo sendo médico. Lhe deixo deitado sobre o sofá bagunçado e corro até o banheiro para encher a banheira com água quente. Me encaminha logo depois ao quarto do mesmo, para providenciar roupas limpas e então arrumar a cama para lhe repousar.
Em seguida pego Sherlock pelo braço, colocando seu peso contra o meu corpo, e, era incrivel o tanto que ele pesava, mais do que realmente aparentava; também era alto demais, o que de fato dificultou muito nossa locomoção.

-O que você fez Sherlock? -Perguntou inconscientemente lhe colocando sentado no vaso sanitário.

-John...

Olho ansioso para o homem. Estava tirando suas roupas, o que era um tanto constragedor para mim. Mas ao ouvir sua voz fraca sinto um pingo de alegria e alívio me atingir.

-Sherlock, não durma, olhe para mim!

-John, não chore mais...

E novamente ele repetia a mesma frase, aquilo me deixa em partes confuso, porém causando-me uma dor ainda maior.

-Sherlock, olhe para mim por favor -repito.

-Quando você chora, meu coração sangra... John.

Meus olhos ardem. Por Deus, ele precisava parar de falar aquele tipo de coisa. Olho para ele, Sherlock ainda estava de olhos fechados. Então seguro seu rosto em minhas mãos, tiro seus cabelos dos olhos e falo com firmeza.

-Sherlock, por mim... Abra os olhos. Por mim Sherlock!

E então vejo, aquele brilho cristalino de cor indefinida que eram as orbes dele, avermelhados pelo excesso de drogas e igualmente aéreos, mas tão belos quanto me lembrava. Isso, automaticamente me da forças.
Sherlock pisca algumas vezes, e logo duas lágrimas rolam sobre seu rosto, fazendo com que me sentisse desconcertado.

-John, é você mesmo? -Holmes pergunta com a sombra de um sorriso nos lábios ressecados.

-Sou eu Sherlock. Eu mesmo.

-Oh... Achei que era alucinação...

-Com a graça de Deus, e Sra. Hudson, não sou. -Digo tentando aliviar a tensão. -Está sentindo minhas mãos em seu rosto? -Pergunto. -Não feche os olhos Sherlock, olhe para mim, por favor... -Falo ao ver seus olhos fechando novamente. -Fique olhando em meus olhos, uh?!

Ele então me olha firme nos olhos, e pela primeira vez em meses, sinto algo bom, algo que não saberia explicar, como se uma chama se acendesse em meu coração e aquecesse todo meu corpo.

-John, não chore...por favor.

-Fique calado Holmes, vou lhe dar banho antes que os outros cheguem e começem a deduzir coisas sobre nós. -Digo sorrindo, espantando à lagrima traiçoeira que caiu em meu rosto, Sherlock sorri também, fraquinho... Mas iluminado.

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Chorei hein

Aprendendo a Amar (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora