Torre - 04 - Me sinto culpado

14 2 5
                                    

- Entendo... Então o Egar estava envolvido também...
- Sim. Pelo que entendi, Jolin fazia toda a logística e Egar o acobertava na Cidade. Jolin tinha... err... outros motivos. No entanto Egar parece ter lucrado muito com esse negócio.

Voltei para o andar de cima e contei para a senhora Finarla o que descobri da conversa com Jolin. Meu pai e ela estavam nos aposentos de trabalho dela. Ele parecia exausto e também com um olho roxo. Obrigado pai. Você é meu herói.

- Deveria era eu mesmo ter dado um jeito nesse covarde... Agol? 3 dias de serviço na composteira pra você.
- Sim... senhora...

A composteira é usada tradicionalmente desde nossos ancestrais. É assim que mantemos limpa a nossa vila e ainda produz adubo para nossas pequenas plantações e pomares. Todo o lixo e dejetos produzidos nas casas são levados para lá e misturados com folhas, gramas e hoje frutos defeituosos. O mal cheiro exalado faz com que poucos se voluntariem para cuidar, então virou uma espécie de punição aos que saem da linha na vila.

Nós temos pouquíssimas regras na vila. A grande maioria de nosso povo, por ter uma expectativa de vida tão longa, tem pouco interesse em ambição. O que os fazem serem pacíficos e pacientes. Claro que toda regra tem uma exceção, mas a maioria prefere uma vida pacata e sem muitas emoções. Aos que saírem da linha, como alguns preguiçosos ou brigões, na maioria dos casos, acabam indo pra composteira.

- Thalli, precisamos ir até a Cidade para contarmos isso ao senhor Adler, líder da Cidade das Águias. No entanto temos outros problemas urgentes para tratar. Pelo estado que Thorel se encontra e na falta de um mercador usual, teremos problemas com os suprimentos em breve.
- Sim. Espero que ele consiga se recuperar logo, mas ele teve um grande ferimento na garganta. Me preocupo se ele conseguirá falar.
- Isso mesmo. Não podemos contar agora com ele e tampouco poderei me afastar da vila. Te enviarei junto com seu pai para fazer as trocas nas vilas ao redor, no lugar de Thorel. Ele tem anotações de seu itinerário. Verifique nossos estoques e esteja pronto dentro de 3 dias. Tudo bem, Agol?
- Haaaa... sim, senhora.
- Sim, senhora!

AHHHHHHHHHH!! Finalmente vou conhecer o que há fora da vila! Eu to feliz! Eu to feliz! Espera... nós estamos em uma crise. Eu não deveria ficar desse jeito, mas... Estou muito animado! Quero contar para Soha. Soha... Será que ela está bem? Se acalme, Thalli. Você tem pessoas na sua mão agora que dependem de você. Haaaaa... Fuuuuu...

- Senhora Finarla?
- Sim? Mais alguma coisa?
- Errr... Eu poderia ir ver a Soha agora?
- Ah... Claro. Pode ir, mas antes... - Ela então se levantou, veio até mim e me deu um forte abraço, quase me sufocando.
- S-Senhora?!
- Obrigada, Thalli... Muito obrigada... - olho pra cima e vejo uma lágrima escorrendo de seu olho pelo rosto e se desprendendo de seu queixo. - Agora pode ir. Vá. Ela já deve ter acordado.

Ela então me afasta de seu corpo, me vira com força e me solta. Então saí daquela sala e fui direto para o quarto. De fora percebi que estava em completo silêncio. Será que ela não acordou ainda? Bati na porta. Toc toc toc... Sem responsta. Abri a porta então. Ao olhar para o interior me deparei com Soha, ajoelhada ao pé da cama onde dormia Thorel.

- Soha?
- ...
- Soha?!
- ... Ha! Oi Thalli. O que faz aqui?
- Oiii. Eu vim te ver na verdade.
- Ah sim... Thalli? O que aconteceu com o senhor Thorel? Por que ele está aqui?
- Hum... Ele também foi atacado essa noite pelo Jolin. Felizmente ele está bem e logo deve acordar.
- Essa noite? O que houve essa noite?
- O que? Você não se lembra?!
- Hmmm... Depois da sua festa eu fui dormir e... Lembro de um sonho muito estranho, mas bem vagamente... Hmmm...
- Você... não se lembra... de nada mesmo?...

Caí de joelhos no chão. Fiquei com uma mistura de sentimentos. Fiquei aliviado por ela não precisar lembrar daquele horror e ficar traumatizada por aquilo, no entanto ao mesmo tempo sinto medo e raiva intensamente.

Dizem que nosso cérebro tem um mecanismo de segurança capaz de nos proteger de traumas muito fortes. Em alguns casos podem ocorrer desmaios ou até amnésia quando o nível de estresse psicológico chega no limite da pessoa.

Isso que aconteceu só quer dizer que Soha sofreu tanto que acabou acionando tal mecanismo. E me sinto culpado. Sim! Culpado por não tê-la protegido deles. Fiquei iludido pela minha inocência. Tive medo que isso poderia lhe ter afetado pra sempre. E minha raiva por eles reacendeu e se tornou maior ainda por ver Soha nesse estado.

- Thalli?! O que foi?! Você não parece bem! - Ela se vira e estica para meu lado e pousou sua mão em meu rosto.
- U... uuuu... me desculpe... me desculpe... uuu... - Não consegui conter o choro novamente.
- O que foi, Thalli? Por que você está assim?
- Snif... eu preciso ir, Soha. Snif... preciso pensar. A senhora Finarla está na sala. Vou falar pra ela que você já acordou. - Fui me levantando e saindo.
- Espera! Me conte o que houve. - De joelhos, com uma mão no chão e a outra se esticando e agarrando meu short, ela me encurrala.
- Te contarei tudo depois. É melhor, por hora, você descansar.

Mostrei então um sorriso gentil pra ela. Mesmo inconformada, ela me soltou e me fez prometer que a contaria. Senti na hora que era algo inevitável. A minha missão nesta vida depende dela. Mesmo eu querendo protegê-la de todo o mal, não posso ignorar o fato de ela ser uma das peças. Mas... como vou contar o que aconteceu ontem pra ela?! Como?!

Sem conseguir pensar direito em como contaria pra ela a violência que ela e senhora Finarla sofreram e como ela assassinou, não uma, mas duas pessoas, voltei à sala. Avisei à senhora Finarla que Soha havia acordado, mas que não se lembrava de nada dessa noite. Pedi então que não contasse a ela por enquanto. Saí então pra ir pra casa.

- Thalli! Haaa... Haaa... Ei! Que que foi que aconteceu essa noite, cara? - Nida veio correndo até mim no espaço aberto da vila.
- Oi, Nida. Hmmm. Cadê o pessoal?
- Ah. Nos despedimos a um tempinho. Ficamos jogando um pouco de Dhamã, mas como você e Soha não apareceram fui buscar informações. É verdade que entraram ladrões na casa da senhora Finarla? Você tava lá? Parece que foi logo depois que saímos de lá ontem. A vila inteira ta falando disso.
- Errr... - Droga. Parece que ele já tá sabendo de muita coisa, mas não tudo. Melhor não revelar. - Foi. Foi mesmo. Por sorte estamos todos bem agora. Ha ha. Preciso ir então, Nida. Minha mãe está esperando.
- Ahhh. Me conta mais, Thalli. Teve briga? Porradaria? Me conta aí, meu camarada!
- Errrr... Outro dia te conto. Tudo bem? Estou realmente com pressa. Hehe.
- Hã?! Está bem. Está bem. Me promete, heim! Depois me conte tudo!
- Tá... Pode deixar...

Como diabos vou contar para as pessoas o que houve essa noite?! Teve sangue, teve morte e eu quase morri! Eu nem sei se devo ou se posso contar pra alguém! Haaaaaaa... Estou com inveja de Soha agora. Queria ter esquecido tudo também. Por agora, vamos pra casa e pensar em como contar pelo menos pra ela. Me despedi então de Nida "O Curioso" e fui pra casa.

A Jogada de ThalliOnde histórias criam vida. Descubra agora